Desenvolvido pela The Game Band e publicado pela Snowman, Where Cards Fall (Switch) é um jogo de puzzle espacial com câmera fixa isométrica, mecânica de construção de castelo de cartas, música de estilo meditativo e uma história cotidiana que compartilha com o jogador sonhos e memórias estudantis.
O jovem estúdio The Game Band, fundado em 2015, estreia no mercado indie mostrando grande potencial em inventividade mecânica e em design audiovisual minimalista e casual. Por outro lado, seu curto título de 2019, agora finalmente lançado também para Switch, deixa sinais de falta de precisão em controle, movimento e câmera, aperfeiçoamento em level design de puzzle dedutivo, expressividade musical e aprofundamento narrativo.
Uma simples narrativa cotidiana dispersa em sonhos e memórias surreais
Where Cards Fall conta várias pequenas histórias de um garoto, especialmente em sua vida estudantil, envolvendo momentos de sua vida dentro e fora da escola, além de sonhos que indicam suas perspectivas para o futuro ou para seus desejos e inquietações nessa fase da vida. Contudo, não espere um grande impacto de temas sensíveis sobre adolescência ou algo assim, o tom do enredo é, de modo geral, cotidiano, ainda que algumas ocasiões possam suscitar reflexões singelas e sutis.
A escolha audiovisual para narrar essa antologia de contos estudantis foi a de combinar surrealismo com minimalismo. O design de cenário é de câmera fixa isométrica em espaços pequenos, com maior aproveitamento vertical e bem delimitados, predominando formas gráficas geométricas, elementos estáticos e pouco detalhados, e geralmente com pouco brilho, mas com boa variedade e combinação de cores quase sempre naturalísticas para os objetos, mas às vezes também oníricas (especialmente tons de rosa em alguns locais).
Infelizmente a câmera fixa nem sempre está no ângulo mais desejável, podendo, por vezes, atrapalhar o gameplay, e os espaços poderiam ter maior aprofundamento horizontal em cenários maiores. Talvez ambas as escolhas se devam a uma maior adequação às plataformas móveis, porém acabam como limitadores para o melhor aproveitamento das mecânicas em consoles como o Switch, mesmo em modo portátil.
O design visual incorpora eventualmente também os elementos mecânicos do jogo: cartas. Como, por exemplo, para o formato das portas ou para a representação de construções como prédios, barracas e casas. Contudo, esse aproveitamento parece um tanto modesto, muito mais poderia ser feito, com um pouco de criatividade. E tanto a trama quanto o enredo em si estão deslocados quanto à escolha da temática de cartas.
Quanto ao design dos personagens, é minimalista, arredondado e sem expressão facial, lembrando o estilo de Inside (Multi), da Playdead, porém a animação é mais rígida, lenta e os controles são um pouco imprecisos; não só para controlar o personagem, mas também para a seleção dos baralhos. Além disso, a alternatividade de ambos os controles não é tão fluída, seria mais desejável que pudessem ser, inclusive, simultâneas.
Tanto em momentos de jogabilidade quanto em cenas narrativas há uma trilha sonora pouco memorável, mas bem atmosférica e gostosa de se ouvir, pendendo para cores e tons menores e para uso de suaves timbres eletrônicos, percussivos e de instrumentos de tecla, além de discretos efeitos sonoros.
Por fim, a interface, também minimalista, é elegante e sucinta, sendo muito instrutiva sobre suas funções sem necessidade de textos, além de rápida e prática para fornecer dicas (limitadas), seleção de fases e outras coisas.
Puzzles com um gameplay acessível, único e elegante
Na construção de jogos de puzzle há geralmente regras que valem constantemente em relação a respostas previsíveis e calculáveis. Jonathan Blow, criador de notáveis e influentes jogos de puzzle como Braid (Multi) e The Witness (Multi) sintetizou essa ideia em uma entrevista da seguinte forma:
“em um jogo, você deve criar um universo simulado que funcione de acordo com algumas regras. [...] Tem que estar intacto como um lugar que tem leis e consistência. [...] Eu não posso fazer nenhum puzzle que eu queira que tenha uma resposta arbitrária, porque não vai funcionar no contexto do resto do jogo.”
Mais particularmente, como já abordado em um extenso artigo da SUPERJUMP sobre design de puzzles, The Reasoning Behind Video Game Puzzle Design (2021), os jogos de puzzles podem ser divididos entre aqueles de ênfase em raciocínio abdutivo, indutivo e dedutivo. E o level design pode ser linear ou não-linear. Claramente Where Cards Fall enquadra-se em um jogo de puzzle dedutivo linear.
A linearidade dedutiva de Where Cards Fall não se refere ao fato da progressão do jogo ser linear, de fase em fase, isso se refere à sua linearidade narrativa. A linearidade dedutiva refere-se ao fato de que os puzzles são projetados de tal forma a ter apenas uma resposta possível para os problemas colocados.
Por outro lado, diz-se que os puzzles são dedutivos pela forma como as mecânicas são expostas e executadas para a sua resolução. Em Where Cards Fall, o jogador aprenderá mecânicas recorrentes e cumulativas a partir das quais é possível deduzir deterministicamente como resolver um problema com um número determinado de passos, como se estivesse jogando xadrez, mas em um contexto determinístico (ou seja, em um contexto em que é inevitável a vitória dado um número previsível de passos).
Assim é Where Cards Fall, porém, sejamos mais específicos: o objetivo aqui será invariavelmente o de montar um caminho possível para o jogador chegar a um ponto do cenário onde há uma carta-porta para a próxima fase. Lembrando a premissa do clássico puzzle Monument Valley (Multi), originalmente famoso em sua versão para plataformas móveis. Isso qualifica o raciocínio de Where Cards Fall como dedutivo em relação à organização espacial.
Quanto às mecânicas específicas, o jogo lhe oferece alguns montinhos de baralhos (normalmente 2 a 4 por fase), cada qual capaz de se desdobrar em um castelo específico (como em formato simplesmente quadrado, ou com teto retangular ou em forma de edifício).
Ademais, algumas variáveis do cenário também podem influenciar no raciocínio dedutivo. Há, por exemplo, plataformas róseas que afundam com o peso das cartas e não podem ser atravessadas diretamente pelo protagonista. Outro exemplo que se pode dar é o de rajadas de vento que podem desmontar parcial ou totalmente um castelo em determinada posição.
Tanto do ponto de vista do level design quanto do ponto de vista das mecânicas há limitações e empecilhos significativos, mesmo que a ideia central, por si só, seja criativa, e sua implementação ainda seja competente dentro dessas limitações. Primeiramente, a progressão das mecânicas é rápida demais, e o jogo muito curto (pouco mais de 5 horas), aproveita pouco uma mecânica e rapidamente introduz outra, que também é subutilizada. É possível imaginar muitas coisas criativas a serem aproveitadas que não o foram, principalmente se os designers tivessem optado por cenários maiores.
O jogo poderia ter tomado um rumo mais minimalista de gameplay objetivo, como foi o caso de A Monster's Expedition (Multi), da Draknek, em que as mecânicas são as mesmas do início ao fim do jogo, e ainda assim rico e desafiador por seu level design. Não tendo sido essa a escolha, dever-se-ia investir mais em variáveis de cenário (são muito poucas e subutilizadas), além de que a ausência de maior aprofundamento dessas variáveis em consonância com as mecânicas tornou os puzzles pouco desafiadores (mesmo aqueles do final do jogo). Já que há um sistema de dicas, os desenvolvedores não deveriam se sentir podados a criar problemas espaciais mais elaborados.
Um jogo de puzzle único e elegante, mas limitado e modesto
Apesar de sua simplicidade, facilidade, brevidade e limitações em vários níveis de design, Where Cards Fall é seguramente um jogo acessível e sobretudo único, quando observado do ponto de vista de sua mecânica central baseada em construção de castelos de cartas. Além disso, o design audiovisual pode não ser de todo satisfatório, sobretudo para o gameplay, mas é ainda assim elegante, entendendo por elegante aquele tipo de beleza encontrada na harmonia e coerência de elementos simples audiovisuais que são ao mesmo tempo charmosos e funcionais.
Desse modo, o título é recomendado para quem queira uma experiência única, meditativa e casual de puzzle espacial de estilo dedutivo linear. Mas ele não atende a jogadores mais exigentes de puzzle, por sua facilidade e simplicidade, e provavelmente nem àqueles que estejam esperando uma narrativa estudantil mais profunda em sua mescla de memórias cotidianas e devaneios oníricos.
Prós
- Boa ambientação mesclando elementos surrealistas e eventos cotidianos;
- Aconchegante design minimalista audiovisual;
- Interface elegante e criativa;
- Mecânicas centrais de puzzle únicas e acessíveis.
Contras
- Narrativa fraca, com pouca personalidade, dispersa e pouco coesa com o design de cartas;
- Alguns problemas menores com polimento em controles, câmera e movimentação;
- Level design aproveita pouco variáveis de cenário, é pouco engenhoso e é muito limitado espacialmente;
- Puzzles podem não ser muito desafiadores para jogadores mais exigentes do gênero;
- Jogo muito curto e com pouco conteúdo, de modo geral.
Where Cards Fall — PC/Mobile/Switch — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Icaro Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Snowman