Análise: Blue Reflection: Second Light (Switch) esquece conflitos grandiosos e foca em um caprichoso interior pessoal

Em um mundo misterioso, garotas mágicas são colocadas à prova, em busca de respostas.

em 11/11/2021
Bebendo do aprendizado obtido pela Gust com a franquia Atelier, a aguardada sequência do JRPG não convencional Blue Reflection (Multi) chega ao console híbrido da Nintendo com mais interrogações do que certezas. Diferentemente de narrativas grandiosas e dantescas, Blue Reflection: Second Light (Switch) mostra como uma ótima direção de arte, personagens bem-construídos e sutileza narrativa funcionam bem como núcleos de um ótimo RPG.

Todo reflexo tem origem

A primeira entrada na série, lançada em 2017 apenas como Blue Reflection, centrou-se em um trio de garotas mágicas que defendiam uma escola e protegiam as emoções das suas colegas estudantes, premissa essa que a sequência mantém razoavelmente similar.

O projeto ganhou também um anime, e agora os fãs de ambas as histórias anteriores são convidados a dar um passo a fundo na trama, enquanto reconhecem algumas caras familiares no decorrer do novo jogo. 

Escapes do coração

Quando Ao Hoshizaki passou pelos portões da sua escola de verão, a jovem estudante não fazia ideia de que isso iria lhe custar absolutamente tudo. Ela sabia apenas que ser aprovada no exame final lhe pouparia de inúmeros problemas, mas não tinha como prever o que viria: poucos passos mais adentro e a protagonista simplesmente esquece cada momento do seu passado no branco daquelas paredes, e todas as suas glórias e fracassos já não mais importavam.

Ao acordar, a garota encara um mundo no qual só existe a própria escola e três meninas que lá vivem: Yuri, Rena, e Kokoro, todas cercadas por um infinito mar azul. Elas fazem o seu melhor para sobreviver, contando com os recursos que misteriosamente já estavam dentro da instituição. As três também não têm memórias das suas vidas passadas, mas parecem recordar os seus nomes.  


Começando a se acostumar com a pitoresca situação, após Ao discutir com Kokoro a respeito do mundo de onde veio, um novo local simplesmente aparece do nada. As garotas decidem chamá-lo de Faraway e optam por explorá-lo, apesar dos vários questionamentos sobre fazer isso ou não. 

A escolha pareceu acertada, haja vista que, quanto mais longe o grupo viaja para dentro de Faraway, mais memórias do seu passado Kokoro recupera, até que eventos estranhos a levam a concluir que aquela era uma realidade criada a partir de traumas passados da garota. 

Essa nova informação leva-as a chamar a estes locais de Heartscapes. O processo de recordação traz de volta uma amiga de infância que Kokoro apreciava muito e que magicamente surge na mesma realidade delas instantaneamente, também sofrendo com o problema de memória.


Com pouco entendimento do que havia acontecido, fica claro para todas o desafio de recuperar suas memórias perdidas e regressar às suas vidas anteriores, tarefas essas deveras difíceis, uma vez que tudo à volta da escola se tornou um mundo inóspito povoado por criaturas selvagens. Unidas na tragédia, as garotas decidem juntar-se e enfrentar o desconhecido para recuperar as memórias e a liberdade.

Belo, muito belo

Blue Reflection: Second Light apresenta um elenco de protagonistas adoráveis e muito bem animadas sob os traços do ilustrador Mel Kishida. É um jogo visualmente concebido com bastante apreço aos detalhes, acentuado por um uso eficaz de cores e músicas para evocar uma atmosfera melancólica apropriada. 


As Heartscapes surgem no entorno da escola no decorrer da trama e representam os diferentes níveis do jogo. Na realidade, elas seriam representações abstratas do inconsciente humano povoado por memórias preciosas e traumas, incorporadas nas formas de inimigos em um cenário curioso e repleto de materiais a ser recuperados e transformados em objetos úteis uma vez de volta à escola — nessa parte sim, no melhor estilo Atelier Ryza 2: Lost Legends & the Secret Fairy (Switch).

Ainda dentro das Heartscapes, missões furtivas ajudam a acrescentar variedade às mecânicas das fases como um overworld, e não apenas tornando-as áreas com muitos inimigos para derrotar. Por vezes, é preciso esconder-se de demônios gigantes ou apenas de inimigos difíceis em geral.


Há também pequenas sidequests obtidas ao conversar com as garotas, das quais a maioria são pedidos ou desejos, seja de encontrar artesanatos, ingredientes ou simplesmente derrotar uma série de monstros específicos dos quais elas têm medo. 

Existe também uma mecânica de encontros, (dates) nos quais é possível atravessar a academia a sós com outra garota e aprender mais sobre ela e sobre a escola, aprofundando a trama e gerando fan service. Além de meramente narrativa, essa mecânica também acrescenta TP (os pontos de magia) à personagem principal, bem como desbloqueia talentos e fragmentos (a métrica para a skill tree) tanto para Ao quanto para a sua acompanhante.


A academia funciona como um hub e QG onde você pode ter acesso ao mapa da escola e viajar rapidamente para a maioria dos locais. Isso torna muito mais fácil atravessar uma área sem ter que caminhar manualmente, apesar de que apreciar a suave luz do Sol pelas folhas de outono ou ouvir o chilrear dos pássaros acompanhado por uma linda trilha sonora é uma experiência que vale por si só.

Second Light ainda conta com a possibilidade de construir várias instalações diferentes em todo o campus da academia. Essas estruturas acrescentam vantagens como o aumento de stats ou a recuperação mais rápida do Éter, o recurso de pontos de poder do game.

Briga de garotas


Ao entrar em combate com monstros nos Heartscapes, dá-se início a uma batalha em turnos como em JRPGs tradicionais, mas com vários adicionais. Cada turno flui segundo a ordem expressa em uma linha do tempo na qual ações diversas, como gastos de poder e força variáveis, determinam a posição da próxima ação de um personagem na cronologia de execução. 

Heroínas e inimigos também podem ser “empurrados” para a frente e para trás ao longo da linha, como reflexo do uso de habilidades. O jogo possui um sistema chamado Gear, uma espécie de limitador que impede o uso das técnicas mais poderosas no início de uma luta e que se afrouxa através da obtenção do Éter, um recurso necessário para atacar ou usar habilidades que se regeneram mais rapidamente à medida que o Gear aumenta, acelerando também a frequência das voltas na linha do tempo. 


Quando a engrenagem atinge o nível três, as meninas então utilizam o misterioso anel Reflector Ring para se dotar de uma roupa única que representa os seus desejos — para o deleite dos fãs de Sailor Moon e derivados.

Isso faz com que o grupo tenha estatísticas de poder mais elevadas e uma seleção maior de habilidades para usar. Em sua forma Reflector, elas podem também explorar uma maior fonte de Éter disponível para realizar ainda mais ações dentro da linha do tempo, dificultando a vida dos inimigos.

Assim como no primeiro game, o combate é construído sobre os conceitos de aceleração e escalada; assim, o ritmo das lutas é portanto um crescendo, combinando progressão clássica com decisões a ser tomadas bem rapidamente.


Dessa forma, mesmo durante a execução de um golpe poderosíssimo, pode acontecer de uma das garotas quebrar a defesa inimiga e partir para uma espécie de duelo em tempo real onde se pode desferir rapidamente ataques, esquivas ou contra-golpes, com a possibilidade de terminar tudo com uma técnica final bem-coreografada.

É um sistema muito particular que torna os encontros básicos um pouco mais longos do que poderiam ser, mas encontra a sua dimensão ideal nos duelos contra adversários ou chefes mais duros, forçando o jogador a formular estratégias de forma racional e a aproveitar ativamente cada personagem na party, que desempenhará o papel de apoio, dando atualizações a intervalos regulares, utilizando itens de cura ou aliviando os companheiros para garantir a vitória. A última a golpear o inimigo recebe uma animação de finalização sorridente daquela guria específica.


Em caso de derrota em alguma batalha, não se preocupe, você acordará na enfermaria da escola como se nada tivesse ocorrido, ficando então à vontade para comprar mais itens, aumentar atributos ou simplesmente sair para mais uma tentativa.

Se reluz, é ouro

Second Light é um jogo no qual se pode gastar um bom tempo olhando para os ambientes, apreciando-os. Com ângulos e movimentos de câmera aliados a expressões faciais detalhadas e dublagens competentes, tudo acrescenta vida e personalidade. 
 
Mesmo as simples sequências de diálogo estão bem-orientadas e animadas do ponto de vista da apresentação. O jogador nunca verá apenas os rostos estáticos, embora ainda haja alguma comunicação através de caixas de texto — tradição de muitos RPGs.


A interface do usuário é elegante e minimalista de uma forma que funciona bem sem ser ilegível ou extremamente carregada de informações. Embora haja uma superabundância de espaços brancos em certos casos, o estilo dos menus dá um toque encantador e a transição gráfica em movimento é suave, com um esquema de cores que complementa bem o design geral. 

Nada em excesso é bom

É certo que a narrativa de Second Light é bastante inocente e feminina em diversos momentos (justificando uma vergonhazinha de jogar ao lado dos pais, por exemplo), o que afastará grande parte dos jogadores tradicionais de RPG, que ficarão com seus cavaleiros pesados de espada e escudo. 


Embora não sendo realmente para todos os públicos, achei curiosa a decisão de classificar o game para maiores de 18 anos, mesmo com uma quantidade de fanservice extremamente reduzida em relação ao primeiro game.

Talvez o único fator que justifique isso seja também a minha maior bronca com o jogo: a personalização das roupas das personagens. Não obstante a ausência de roupas extras para as demais garotas (possíveis apenas via DLC paga), as roupas adicionais apenas para Ao são literalmente tops de bichinhos extremamente decotados e biquínis curtos.


Essas roupas, somadas aos momentos de subir escadas nos Heartscapes para tomar atalhos, escalar pequenos penhascos, rastejar por fendas e debaixo de edifícios e atravessar vigas perigosas, todos com ângulos de câmera bastante ousados, trazem frames facilmente classificados como reveladores demais.

O jogo roda tranquilamente no Switch, mas pequenos problemas como um serrilhamento dos modelos 3D observado no modo portátil e uma demora para alguns trechos de carregamento fazem da experiência, tão focada no quesito visual, um pouco menos interessante no híbrido nintendista, mas nada que prejudique de fato a experiência.

Não para todos, mas para poucos bons

Mesmo não sendo um game que agrada a todos os públicos, Blue Reflection: Second Light agradará aos fãs de JRPGs com focos na narrativa e em relações emocionais, atributos esses que aqui são coroados por uma belíssima apresentação artístico-visual e uma mecânica de combate pulsante. 


Dentre a grande gama de opções da franquia Atelier já disponível no Switch, vale a pena conferir um jogo menos dedicado à coleta e manufatura de itens e objetos e se dedicar a uma história com mistérios, reviravoltas, sentimentos e, acima de tudo, garotas.

Prós

  • Foco de narrativa original e sensível;
  • Cutscenes e cenários lindíssimos, com capricho em todos os quesitos;
  • Combate funcional, inteligente e estratégico.

Contras

  • O ritmo do game pode ser bem arrastado fora das batalhas;
  • Algumas mecânicas não são tão bem explicadas;
  • Poucas opções de customização e fanservice desequilibrado.
Blue Reflection: Second Light — Switch — Nota: 8.5
 Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo

Curioso, empolgado e positivo: os ingredientes ideais para criar o Felipe perfeito...ou quase! Estudante de Engenharia no crachá, programador aos fins de semana e designer às quintas-feiras. Na dúvida, viajar pelos mundos de Kingdom Hearts ou caçar monstros em Hyrule são sem dúvidas uma boa aposta! Conheçam-me! @felipe_lemos12
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