Por que é importante termos jogos baseados em livros?

Entenda como jogos podem incentivar a busca por obras literárias.

em 07/10/2021
ayla chrono trigger ayla jean auel

Com o acesso à informação na palma da mão desde o advento dos smartphones e a popularização das redes sociais, consumir informações tornou-se algo banal, corriqueiro. Na era digital em que vivemos atualmente, já é mais que senso comum saber que cada vez menos pessoas buscam jornais e revistas para ler — livros, então, estão caindo no esquecimento, de acordo com várias pesquisas realizadas todos os anos.


No entanto, os videogames têm ganhado bastante destaque e crescido de maneira exponencial, especialmente como forma de entretenimento. E, assim como adaptações de obras literárias para as telonas do cinema, os jogos eletrônicos também podem incentivar — ou até mesmo despertar — o interesse pelos livros.

Para ilustrar esse fenômeno, citarei um episódio que aconteceu com uma amiga minha há alguns anos. Ela sempre foi fã de Chrono Trigger (SNES) e o aparecimento da personagem Ayla durante os acontecimentos do jogo a fez ir atrás dos livros da coleção Os Filhos da Terra, de Jean M. Auel, porque a mulher das cavernas do Super Nintendo foi fortemente baseada na protagonista da supracitada série.

A partir de então, minha amiga percebeu que os livros tinham algo a mais a oferecer sobre a personagem além do que foi mostrado no jogo, o que serviu como um complemento para sua experiência não apenas como fã de Chrono Trigger, mas também como leitora per se. Talvez pudéssemos considerar este um fato isolado se recentemente não tivesse se repetido comigo.

gahkthun of the golden lightning
Gahkthun of the Golden Lightning

Em diversos textos que já escrevi para o Nintendo Blast, sobretudo análises de visual novels, menciono as obras de Agatha Christie, da qual sou fã de carteirinha. A escritora britânica, que deixou um legado de mais de 80 livros, se destacou no campo da literatura policial, e seu estilo de conduzir suas narrativas virou sua marca registrada.

Agatha Christie — Hercule Poirot: The First Cases (Multi), lançado há algumas semanas, despertou meu interesse, sobretudo por ter sido criado com supervisão da Agatha Christie Limited, empresa detentora dos direitos autorais da escritora e atualmente administrada por seu bisneto. Porém, antes mesmo de ver o trailer do jogo ou procurar mais informações sobre ele, minha primeira providência foi fazer uma rápida busca na internet para saber em qual livro da escritora o game foi baseado.

Para a minha surpresa, o mistério acerca da família Van den Bosch é uma história original e inédita, mas que consegue reproduzir fielmente a escrita de Agatha Christie. O ponto a que quero chegar é: por mais que eu seja fã das obras da Rainha do Crime, logo me perguntei se tinha alguma obra dela que eu não li ainda.

Saindo do campo do favoritismo, outro jogo que despertou meu interesse pelas obras literárias foi Samurai Warriors 5 (Multi), baseado nos acontecimentos do período Sengoku (1467 a 1615). Logo me peguei pesquisando sobre Nobunaga Oda e seus feitos. Conclusão: já tenho alguns livros sobre a história do Japão na minha lista de desejos na Amazon. Ou ainda: jogar Gahkthun of the Golden Lightning (PC), visual novel produzida pela Liar-soft, me fez ir atrás de livros que exploram o universo steampunk.

agatha christie hercule poirot the first cases
Agatha Christie — Hercule Poirot: The First Cases

Sumarizando: mesmo que os jogadores tenham uma experiência com os videogames, ela pode ser complementada ou até mesmo expandida com o apoio de obras literárias, sejam elas a origem do jogo ou não. Por mais que os games permitam ao jogador um consumo mais ativo do produto cultural, eles também podem despertar o interesse para além do que está sendo vivido na aventura virtual, seja pelo desejo de conhecer as raízes da experimentação vivida ou simplesmente pela curiosidade de aumentar sua bagagem cultural. Nesse contexto, temos jogadores buscando meios para se apropriar de ideias que complementam o tal universo fictício, como o caso supracitado da minha amiga. 

Quando pensamos em jogos baseados em livros, provavelmente a primeira ideia que surge é de que esse nicho é unicamente (ou pelo menos quase sempre) transcrito para o gênero visual novel. Porém, em 2019, o site Game Rant fez uma lista com os dez melhores jogos baseados em livros de acordo com o escore do Metacritic e nenhum deles era VN.

E qual não foi minha surpresa ao descobrir que a série de jogos Rainbow Six tem como inspiração o romance homônimo, escrito em 1998 por Tom Clancy? Como FPS não é um dos meus gêneros favoritos, nunca me dei o trabalho de procurar mais informações sobre a franquia, mas talvez o livro eu tenha interesse em ler. 

Essa discussão acerca de transcrições para outras representações culturais não fica restrita a jogos e livros. Franquias como O Senhor dos Anéis ficaram indubitavelmente mais populares após sua transposição das páginas para a grande tela do cinema, por exemplo.
samurai warriors 5
Samurai Warriors 5

Talvez esse exemplo ilustre muito bem o fenômeno da importância de conhecer outras visões acerca de um mesmo produto. Por um lado, ler os livros da saga promove uma experiência única; por outro, encarar as cenas de ação e desenrolar das tramas das personagens representados por atores enquanto resultado de uma interpretação de um diretor sob a forma de um filme é outra completamente diferente.

Todo mundo já ouviu alguém sair da sala de cinema esbravejando que “no livro era melhor”, mas qual a base de tal crítica, se a história geralmente segue praticamente a mesma ordem de acontecimentos? Assim, percebe-se que a quantidade de detalhamento ou a falta dele (afinal, traduzir mais de 500 páginas para filmes de três horas não permitiria isso) promove ao espectador uma vivência, e para o leitor outra completamente diferente.

Para complementar ainda mais tudo isso, Senhor dos Anéis também possui alguns jogos espalhados por diversas plataformas, o que certamente permitiu que outra experiência fosse retirada da saga, já que, sob esse formato, aquele que antes apenas assistia ou imaginava as aventuras agora estava de fato inserido no universo da Terra Média — mesmo que por trás de um controle. 

O mesmo pode ser dito a respeito dos videogames. Fica fácil perceber, então, que é importante que mais e mais jogos baseados em livros sejam feitos, para que os jogadores, leitores e espectadores possam vivenciar suas histórias favoritas de maneiras diferentes, sob óticas diferentes.

Que atire a primeira pedra quem nunca se pegou pesquisando mais sobre as referências por trás de seu jogo favorito.

Revisão: Davi Sousa
Capa: Thais Santos
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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