Agatha Christie — Hercule Poirot: The First Cases (Multi) se apropria muito bem da narrativa da Rainha do Crime, além de dar uma nova faceta a um dos detetives mais famosos da literatura policial, Hercule Poirot. A proposta do jogo, contudo, deixa bastante evidente as intenções da desenvolvedora Blazing Griffin: explorar um cenário “e se” no qual somos apresentados a uma versão mais nova do excêntrico personagem e seus primeiros passos como detetive particular.
Como esperado, o jogo segue uma narrativa linear e a fórmula clássica da escritora britânica: personagem principal é chamado para resolver um crime → investigação e coleta de pistas → interrogação dos envolvidos na cena do crime → morte ou desaparecimento de um ou mais suspeitos → segredos são revelados → crime solucionado. O modo como o próprio Poirot, nas obras literárias, se porta diante dos mistérios que precisa solucionar também parece alinhado com o jovem detetive no universo criado pela Blazing Griffin, mas algumas sutis diferenças podem ser percebidas.
The First Cases se apropriou — e muito bem — das características dos primeiros livros protagonizados por Poirot, especialmente O Misterioso Caso de Styles. É sabido que as investigações do excêntrico detetive se baseiam muito mais na interpretação, sobretudo psicológica, dos envolvidos no mistério do que na coleta de pistas propriamente dita. Por mais que elas estejam presentes durante a investigação, as evidências ficam claras durante os diálogos.
Em início de carreira, Poirot de fato precisava se apoiar nas pistas encontradas para poder criar alguma ligação entre crime e culpado. É claro que, como marca registrada da Rainha do Crime, reviravoltas na trama estavam presentes; a escritora nunca escondeu seu verdadeiro objetivo de tentar fazer com que o leitor tomasse a dianteira e solucionasse (precipitadamente) o mistério antes do final do livro, apenas para perceber que estava errado desde o início.
No jogo em questão, contudo, foi explorada uma faceta do detetive nunca antes visto, que vai ao encontro de sua personalidade na literatura. Em The First Cases, vemos um Poirot muito mais contido em todos os aspectos e com certo medo de deduzir errado — mesmo que ele esteja certo no final. Enquanto na literatura ele é mais incisivo durante suas investigações (e até mesmo nos diálogos), sua versão mais jovem procura “comer pelas beiradas”.
Essa ideia é bastante reforçada pela presença dos mapas mentais que simulam o modus operandi de Poirot. Mesmo que muitas não sejam utilizadas durante as deduções necessárias para avançar no jogo, todas as pistas e evidências estão lá, das pegadas no chão até a arma usada para cometer o crime.
Tomando como exemplo Assassinato no Expresso Oriente, Poirot se baseia muito mais nos relatos dos passageiros a bordo e em suas reações do que em possíveis pistas “palpáveis”, por assim dizer, que servem apenas como gancho para novas interrogações, cada vez mais assertivas. Em The First Cases, por outro lado, vemos o detetive em um constante jogo de perguntas e respostas — estas encontradas por meio dos mapas mentais, obviamente — baseando-se nos fatos encontrados até então.
É até interessante, do ponto de vista de uma fã de Agatha Christie, ter contato com um Poirot inexperiente que está tentando desenvolver seu próprio estilo, o qual, posteriormente, lhe renderia a alcunha de “a maior mente da Europa”. Falando por mim e pela minha experiência, arrisco dizer que The First Cases cumpre muito bem seu papel como um possível predecessor para o personagem criado pela Rainha do Crime.
Por trazer uma narrativa original (sob supervisão da Agatha Christie Ltd., vale lembrar), The First Cases complementa muito bem a impressão que tive, como leitora, de Hercule Poirot. É um ponto de vista bastante válido a ser levado em consideração, especialmente quando podemos considerar videogames como uma interpretação diferenciada daquela que estamos acostumados a ter, sobretudo quando a literatura é o ponto de partida.
Não dá para dizer que Agatha Christie — Hercule Poirot: The First Cases acertou ou errou em fazer essa aposta. O veredito fica mais a critério da reação dos fãs da escritora. Na minha opinião, a ideia trazida pela Blazing Griffin é proposital para dar um bom encaminhamento à proposta do jogo e, nesse quesito, a experiência é mais do que bem-vinda.
Revisão: Janderson Silva