Análise: Unsighted (Switch) tem uma boa harmonia entre ação e aventura em diferentes estilos

Primeira produção do brasileiro Studio Pixel Punk traz muito conteúdo e uma criativa conexão temporal entre narrativa e gameplay.

em 30/09/2021



Jogo indie brasileiro de estreia do Studio Pixel Punk e publicado pela Humble Games, Unsighted é um RPG de ação e aventura com muitas influências, mas também com personalidade em sua narrativa não linear e em sua riqueza de mecânicas, além de muita representatividade no elenco de personagens.


O título explora um conceito criativo relacionado ao gerenciamento do tempo de vida da protagonista e dos NPCs, mas também concilia incontáveis apropriações típicas: elementos de soulslike, visão aérea e puzzles de ação no estilo Zelda 2D, exploração aberta à moda dos metroidvanias e uma bela pixel art e combate cadenciado que remetem a Hyper Light Drifter (Multi). Tudo isso com ambientação e narrativa sci-fi inspiradas em animes como Ghost in the Shell e Cowboy Bebop, e em outras obras indies, como Hades (Multi), Transistor (Multi) e Undertale (Multi).

Ficou com interesse em saber qual foi o resultado dessa fabulosa combinação de game design? Vendo pela soma das partes, pode parecer que terminou em um Frankenstein, mas não é bem assim.

Liberdade, sensibilidade e diversidade

Em Unsighted, você controla uma autômato chamada Alma, que perdeu sua memória, mas que vai recuperando-a gradativamente no decorrer da trama. Inicialmente, ela se lembra apenas vagamente de Raquel, alguém de grande valor afetivo para si.

Alma se encontra em Arcadia, um mundo futurista conflituoso entre humanos e autômatos, no qual esses últimos, criados pelos primeiros, encontram-se condenados a se transformar em unsighteds, perdendo controle de si e supostamente de suas consciências.

A protagonista possui tempo limitado de vida, bem como todos os NPCs robóticos do jogo, especialmente os da Vila da Engrenagem e incluindo a robô-fada que serve de guia ao jogador, à moda da série Zelda. Esse tempo pode ser consultado no menu de inventário ou, no caso de NPCs, ao conversarmos com eles. Dependendo do tempo de vida restante dos personagens, eles podem ter suas linhas de diálogo alteradas ou influenciar de forma diferente no gameplay e/ou na trama.





Para expandir o tempo útil de Alma ou dos demais personagens, pode-se utilizar um item especial e raro, que concede algumas horas a mais de vida. Semelhante ao que ocorre em Hades, da Supergiant Games, ao se entregar bebidas aos NPCs do submundo, os personagens de Unsighted lhe darão benefícios após receber uma determinada quantia desse item, assim representando um maior investimento na amizade com o NPC em questão.

Ampliar ou não a vida dos personagens pode ter repercussão no gameplay e também no enredo. Outra repercussão ainda pode vir de uma segunda forma de aumentar a vida útil do protagonista: tomar a vida que resta dos demais NPCs. Há um personagem em particular que é capaz de eliminar os autômatos ainda sãos e passar o tempo que lhes resta à protagonista, ampliando o tempo que ela pode usar em sua aventura. Por vezes o jogador se verá diante de um dilema ético para tal escolha, o que lembra o tipo de proposta do já clássico Undertale, de Toby Fox.


Para o desfecho da história, Alma precisará conseguir cristais, cada qual escondido e protegido em uma diferente dungeon de ótimo level design de puzzles de ação e chefes, com o objetivo de fazer uma arma definitiva e seguir para o trajeto final da trama. As dungeons não possuem uma ordem exata para ser exploradas, mas há uma sequência recomendada para seguir que é explicada dentro do jogo.

Arcadia não é muito grande, mas seu tamanho é bem-aproveitado. O jogador certamente voltará várias vezes a um mesmo ponto do mapa para acessar novos locais após adquirir outras habilidades, assim como em metroidvanias e em jogos da série Zelda. As regiões são revestidas por trilhas sonoras variadas de música de fundo, desde peças relaxantes com ritmo de bossa nova até outras mais eletrizantes em momentos de combate, todas geralmente com sintetizadores.



Combates cadenciados e estratégicos

Em Unsighted, há cachorros e uma fada-robô que podem opcionalmente ajudar no combate, algo que está relacionado a dar atenção e/ou itens a esses personagens. No caso dos cachorros, além de comida, é possível também dormir com eles, o que custará algumas horas da vida útil de Alma.

A protagonista pode ainda utilizar diversas armas a curto ou longo alcance, cujas investidas custarão munição ou stamina, variando a quantidade conforme o equipamento (espada, machado, pistola, metralhadora, etc.).

Várias dessas armas podem ser usadas tanto em combate quanto para a exploração, como a shuriken, que pode danificar inimigos ou ser usada para atingir dispositivos a longo alcance, ou o jato congelante, que pode congelar alguns oponentes ou ser usado para formar plataformas de gelo temporárias em lagos. Vale salientar que tais armas podem ainda conter elementos, como gelo e fogo, com vantagens e desvantagens a depender do oponente.




Os inimigos frequentemente possuem fraquezas específicas, e é crucial esquivar, defender e principalmente aparar (dar parry) para atacar na hora certa, desferindo golpes críticos. Essa dinâmica em visão aérea, atrelada à perda fácil de vida e à economia de stamina, aproxima o gameplay de batalha de Unsighted ao de Hyper Light Drifter.

Caso o jogador morra, metade de seus rendimentos, usados para comprar itens e fazer upgrades, será deixada no local, e então o jogador precisará retornar para buscá-la a partir do seu último ponto de save, assim como em Dark Souls; do contrário, perderá aquele montante permanentemente. O dinheiro do jogo pode ser adquirido em batalhas ou vendendo itens, e os pontos de save geralmente são terminais, que servem também para teletransporte.


Em grande parte, Unsighted enquadra-se mais nos moldes de um action-adventure, mas também possui muitos elementos de RPG. Não há um sistema de níveis, mas pode-se implantar chips em Alma para lhe conceder habilidades passivas ou ativas e aumentar seus pontos de vida. Além disso, ela pode comprar ou criar suas próprias armas e aprimorá-las.

É interessante notar que a maioria dos NPCs possui funções úteis, como ferreiro e vendedor, e ao se esgotar o respectivo tempo limite das vidas desses personagens, não será mais possível fazer uso dessas funções ou  descobrir o que eles trariam de útil, caso você perca muito tempo em sua jogatina.

Isso é um problema porque, diferentemente de jogos como The Legend of Zelda: Majora’s Mask (N64), não é possível retornar a um ponto específico. Devido ao tempo restrito, o jogador de Unsighted sentirá uma boa dose de pressão para explorar os locais o mais rápido possível, e pode ser especialmente frustrante ficar sem saber o que fazer em um trecho ou morrer muito para um chefe.

Um jogo sensível, criativo e inspirado

De modo geral, Unsighted possui um bom level design de exploração não linear. Apesar de não muito desafiador, ele apresenta questões éticas desenvolvidas com personalidade, boa representatividade e um combate bastante funcional, embora não seja onde sua criatividade tem maior brilho. Contudo, talvez o principal problema do título seja a execução de seu conceito de “limite de tempo de vida”.

Mesmo que a temporalidade seja uma variável central no jogo e conecte de forma única a narrativa com algumas escolhas de gameplay, a forma como ela foi executada também cria uma dissonância com o apelo de exploração em seu mundo aberto repleto de coisas a se descobrir, além de músicas e cenários a se apreciar, mas que passam despercebidas na pressa do jogador para não desperdiçar tempo.



Fãs de metroidvanias e Zelda, visitem Arcadia

Como RPG de ação, Unsighted pode decepcionar ao não ser muito complexo em termos de evolução e gerenciamento da economia interna da protagonista, mas como um action-adventure, ele é suficientemente versátil e possui um gameplay sólido e sensível.

Apesar de seu conceito de temporalidade às vezes ser frustrante, o título pode agradar a quem busca narrativas sensíveis com uma conexão diferenciada com a jogabilidade. Além disso, é facilmente recomendável àqueles que gostam de dinâmicas de exploração em estilo metroidvania e de dungeons como as dos jogos 2D da série Zelda.

Prós

  • Estilo de design elegante e inspirado;
  • Representatividade racial e LGBT no elenco de personagens;
  • Combate satisfatório, especialmente a execução do parry;
  • Conexão criativa e sensível da narrativa com a jogabilidade;
  • Level design de exploração instigante e aberto;
  • Dungeons e chefes com puzzles de ação variados;
  • Bom fator replay com New Game+.

Contras

  • Puzzles de ação pouco desafiadores, apesar da variedade;
  • O excesso de apropriações/inspirações no gameplay às vezes ofusca sua personalidade;
  • Em alguns trechos, a câmera prejudica a exploração;
  • A execução da temporalidade pode incomodar na exploração.
UNSIGHTED – PS4/PC/XBO/Switch – Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Game
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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