O tão aguardado game Mother 3 (GBA), nunca lançado no ocidente, completou no último dia vinte de abril 15 anos desde seu lançamento oficial em terras nipônicas, ainda em 2006. Desde então, foram inúmeros pedidos por parte da grande quantidade de fãs da franquia para que a terceira entrada da série pudesse enfim chegar aos consoles desse lado do globo, nenhum deles com sucesso. Em clima de comemoração e sem deixar a esperança acabar, conheçam um pouco mais sobre a trajetória do tão requisitado game.
Sereno e tranquilo, como o colo de uma mãe
Conhecida aqui no ocidente como EarthBound, o nome Mother é para muitos ainda uma incógnita. Em entrevistas remotas ao lançamento da franquia, o criador da série Shigesato Itoi contou que esse foi o nome dado ao título da série porque eles gostariam que os jogos tivessem uma qualidade reconfortante, serena e de certa forma materna, em contraste com a gigantesca quantidade de games voltados ao masculino viril, recheados de brucutus, sangue e tiros da maioria das tendências oitentistas.
E é exatamente nesse clima sereno, familiar e divertido que a franquia embarca a todo vapor, sendo conhecida por seu senso de humor, originalidade e paródia de elementos presentes na cultura pop. Os protagonistas utilizam armas não convencionais e poderes psíquicos para combater inimigos, incluindo objetos cotidianos animados, alienígenas e pessoas que sofreram lavagem cerebral — realmente muita maluquice engraçada.
A franquia possui vários elementos marcantes que as distinguem de outros RPGs convencionais, incluindo uma abordagem sempre leve e inocente da trama, sequências de batalha com elementos visuais psicodélicos e a maneira única como o HP do jogador se comporta como um odômetro, permitindo assim que o jogador possa curar ou terminar a batalha, antes mesmo que o dano seja totalmente quantificado.
Principalmente por se passar em um contexto quase cotidiano, em uma cidade bastante relacionável, a história encantou milhares de fãs ao redor do globo, apesar de ser inegável a maior busca da franquia por entusiastas nipônicos. A franquia então se destacou dentre todos os demais games já lançados do estilo RPG, se consolidando como uma importante IP da Nintendo.
Mas afinal, quem é Lucas?
A importância da série enquanto franquia first-party da Nintendo sempre foi respeitada, com Ness, protagonista de EarthBound (SNES) — Mother 2 para os japoneses — figurando até mesmo como um dos seletos personagens jogáveis em Super Smash Bros. (N64). Muitos fãs, no entanto, se surpreenderam quando Lucas foi incluído em Super Smash Bros. Brawl (Wii), afinal, quem era aquele personagem e de que jogo ele vinha?
Lucas é o protagonista de Mother 3 e é o mais novo dos filhos gêmeos de Hinawa e Flint. Ele tem cabelos loiros e olhos pretos, vestindo frequentemente uma camiseta amarela com listras vermelhas, shorts azuis e tênis vermelhos, em um traje muito próximo ao de Ness e de Ninten, protagonista de EarthBound Beginnings (NES) — ou apenas Mother no Japão.
Ao longo de todo o game, Lucas sofre diferentes mudanças em sua personalidade, típicas do período de adolescência e fruto dos acontecimentos da narrativa. Na maioria das vezes, ele é um menino gentil e comportado, servindo como o real oposto de seu gêmeo mais velho excessivamente enérgico, Claus.
Apesar da sua semelhança com os demais protagonistas, sua história se difere bastante em muitos aspectos, com ele despertando seus poderes de PSI ao ser forçado por Ionia, um dos sete Magypsies, a segurar sua cabeça debaixo d'água por um longo período de tempo.
A última entrada na franquia
O game Mother 3 em si é o terceiro e último jogo da franquia criada por Shigesato Itoi. Até a data de seu lançamento, em abril de 2006, o jogo teve um processo de desenvolvimento muito atribulado, já que originalmente o game fora planejado para o Nintendo 64, com a trama tomando lugar logo após o fim de Earthbound, em um projeto bem grandioso, ambientado como um mundo aberto totalmente tridimensional, algo raríssimo para um RPG no console do controle de três mãos.
Com a conclusão de que o espaço disponível nos cartuchos do Nintendo 64 era insuficiente para o padrão de qualidade esperado para o game, o jogo acabou sendo cancelado, já com altos custos de produção e desincentivado pelo anúncio do Nintendo Gamecube, dentre vários outros fatores. Porém, para a alegria dos fãs de todo o mundo, a Nintendo confirmou pouco depois que a ideia do game seria retrabalhada para um lançamento no Game Boy Advance.
Animados com a possibilidade da chegada do título em terras ocidentais, após o desempenho de críticas positivo e localização de EarthBound, os fãs levaram um balde de água fria com a confirmação de que a franquia voltaria a ser exclusiva do público japonês, principalmente por problemas em ambientes, inimigos, piadas e na própria narrativa do game, que poderiam estar em desacordo com a moral e ética ocidentais atuais ao retratar, dentre outras coisas, pessoas trans/não binárias de maneira potencialmente desrespeitosa.
Se levado em comparação com seus antecessores, a história é um importante fator dentre as características marcantes de Mother 3, sendo ainda bastante simples, como de praxe da franquia, mas com um foco muito maior em seus personagens, suas relações e as consequências de cada acontecimento, embora de fato com elementos problemáticos. Dessa vez, os personagens que compõem o seu time realmente criam um vínculo com o jogador, colocando um peso maior em cada decisão e evento adverso durante a trama, coisa que não era necessariamente verdade para as demais entradas da série.
A própria trajetória do protagonista Lucas e sua família são desenvolvidas de forma a você não apenas se identificar enquanto um pré-adolescente imaturo, mas também se sensibilizar com cada reviravolta na sua esfera afetiva, ao ponto de torcer pelo personagem e se sentir feliz por ele se tornar o líder corajoso e heroico, mesmo que ao custo de muitos momentos de adversidade.
Os demais membros do time também compõem um improvável conjunto de heróis, dotados de até mesmo adultos e um cachorro, todos te acompanhando por razões até que plausíveis e razoavelmente desenvolvidas. Além disso, o mundo do game passa a focar na grande diferença entre ambientes mais tecnológicos e áreas mais suburbanas rurais, contrastando com as pacatas cidades relacionáveis dos outros games, com piadas e bizarrices marcando presença a cada avanço na narrativa.
A mística e incansável busca dos fãs
Mesmo com certa expectativa que nunca se cumpriu, os fãs ocidentais não desistiram do jogo, e fazem questão de se tornarem vozes incansáveis e de campanhas importantes na indústria dos games, agindo em prol da tão sonhada localização e lançamento oficiais pela Nintendo.
Com pessimismo após repetidas declarações de que tal localização não ocorreria, a base de fãs não ficou de braços cruzados: botou a mão na massa e preparou diversas versões com traduções feitas pelos próprios fãs, permitindo a qualquer ocidental finalmente conferir o desfecho da franquia e inclusive oferecendo os arquivos de tradução gratuitamente para facilitar o trabalho de localização pela Nintendo. Nada feito.
Ainda assim, os fãs não se deram por satisfeitos, afinal, Lucas continuava como um personagem recorrente nos títulos da série Super Smash Bros. e eles não viam conflitos não-adaptáveis suficientes para impedir que um jogo considerado uma obra-prima do gênero, com números recordes de pré-venda à época pudesse ser simplesmente ignorado pela operação ocidental da Big N.
Por repetidas vezes, foram organizadas campanhas e manifestos, foram redigidas cartas de fãs e abordagens oficiais em entrevistas até mesmo ao presidente da Nintendo of America, Reggie Fils-Aimé. Principalmente após o surgimento das redes sociais e a popularização da possibilidade de se jogar o game na versão traduzida por fãs, a mística em torno da necessidade de uma maneira legítima de se jogar o game cresceu, com cada vez mais pessoas querendo jogar a sequência do clássico de SNES.
Próximo ao aniversário de 25 anos da franquia, a Nintendo finalmente deu um passo adiante em sua relação com a série e não apenas relançou EarthBound no Virtual Console do Wii U como também localizou pela primeira vez o game Mother sob o título de EarthBound Beginnings, aquecendo as esperanças dos fãs mais esperançosos.
Apesar do gesto positivo, o efeito causado na base de fãs foi justamente o contrário do esperado, com as petições apenas se acentuando, principalmente após Mother 3 ser também relançado no Virtual Console, porém novamente restrito ao Japão, mostrando ser ainda um caso específico com a sua localização ocidental e não necessariamente um problema sobre os direitos da marca, conforme já havia sido comentado anteriormente por Reggie.
Tamanha foi a obsessão dos fãs pelo lançamento que até mesmo livros sobre o caso foram publicados, além de um compêndio e guia a respeito de tudo envolvendo não só a franquia Mother, mas especificamente o terceiro game da franquia e a frustrada localização ocidental. Além disso, manifestações públicas pediam a localização do game, seja em eventos do WWE ou no mais recente tweet da importante figura de Terry Crews se juntando ao pedintes.
A Nintendo, no entanto, já tratou do assunto apenas como um meme durante a apresentação oficial da empresa na E3 de 2015, com o fã questionador sendo literalmente incendiado por Reggie, em representação do já cansativo pedido da comunidade. Com a morte de Satoru Iwata no mesmo ano, fontes anônimas internas confirmaram que morriam ali também as últimas esperanças de uma localização futura de Mother 3, já que o ex-presidente da companhia era um dos maiores intercessores à Nintendo of America para que o lançamento acontecesse.
Houve ainda relatos de empregados da Nintendo tendo se posicionado a respeito do tema no passado e terem sido desligados da companhia, mesmo sem qualquer crítica em suas declarações. Tal fato fez com que o assunto virasse tabu na empresa, não havendo nenhuma menção real ao evento por nenhum funcionário, a não ser Reggie, desde então.
Recheada de especulações e incertezas, a versão ocidental de Mother 3 parece ainda um sonho distante de se tornar realidade. O game certamente possui mais méritos que deméritos, mas sofre de eventuais conflitos culturais que deixariam sempre alguma comunidade insatisfeita, resultando em problemas maiores para a gigante japonesa, qualquer que fosse a decisão tomada. Resta aos fãs seguirem no pedido pela localização e torcerem para que, quem sabe um dia, o game se torne enfim acessível à comunidade internacional e os fãs ocidentais possam conhecer o desfecho da franquia, sob a batuta da ótima história de Lucas e seus amigos.
E você? Já conseguiu jogar o game em alguma versão de fãs? Tem alguma história bacana com a série EarthBound? Conte-nos nos comentários!
Revisão: Icaro Sousa