A estratégia FOMO (Fear of Missing Out) e Super Mario 3D All-Stars: um sucesso a que custo?

Uma polêmica que precisa ser analisada de diversos ângulos.

em 29/04/2021
Deixando de lado as discussões políticas e sanitárias, 2020 foi marcado pelo aniversário de 35 anos do Mario. Para celebrar o seu mascote, a Nintendo lançou uma edição especial do Game & Watch, o battle royale Super Mario Bros. 35 e a coletânea Super Mario 3D All-Stars, dentre outras ações. Esses três lançamentos, em especial, foram assunto durante todo um ano, devido à decisão polêmica da Nintendo em estabelecer um prazo para o fim da sua produção e comercialização.


Recentemente, uma reportagem da VICE revelou que a decisão da empresa de gerar uma demanda artificial para aumentar as vendas foi baseada numa estratégia chamada FOMO. Sigla para Fear of Missing Out ("medo de perder"), essa nomenclatura é recente e alvo de discussões no meio empresarial, no ramo publicitário e entre psicólogos e psiquiatras.

Por isso, o caso é mais complexo do que simplesmente dizer que "a Nintendo é mercenária'', ou que a empresa só tem esse tipo de prática porque "os fãs consomem qualquer coisa". O objetivo deste texto é mostrar os pontos que demonstram os motivos para esta estratégia ser controversa e discutir se valeu a pena para a companhia seguir esse caminho com os títulos temporários.

Afinal, o que é FOMO?

Em 1996, Dan Herman analisava os dados de sua pesquisa realizada com um grupo de estudos. Para sua surpresa, notou que a maioria dos participantes sentiam medo diante de uma situação com muitas possibilidades de escolha. Este receio não está relacionado apenas a escolher errado e se arrepender, mas paralisar por ficar pensando nos possíveis ganhos que poderia ter com as outras opções as quais renunciou.

Herman então cunhou o termo Fear of Missing Out e publicou um artigo em 2000, no The Journal of Brand Management. A partir daí, isso virou uma estratégia recorrente de marketing. Não era necessariamente inédita, como mostra o famoso comercial das tesouras do Mickey, de 1992, mas passou a ser explorada com mais cuidado e de forma mais efetiva. Um exemplo simples foi a peça publicitária que o Rock in Rio usou na época do retorno definitivo do festival, em 2011. Com apenas duas palavras (Eu vou), o marketing gerou uma expectativa de ser uma ocasião imperdível, o que se reflete no sucesso das pré-vendas e na velocidade com que os ingressos esgotam a cada nova edição.
A diferença da FOMO para o que ocorria antes dos anos 2000 é o uso das redes sociais. Com a vitrine do Facebook, do Instagram e de outras mídias e seu uso disseminado por todas as faixas etárias, as empresas adotaram as redes para divulgar seus produtos. Segundo uma pesquisa da JWT, nos Estados Unidos 70% da chamada geração milenial se sente ligada à FOMO, 52% dizem ser fácil se sentir excluído ao entrar no Facebook e 43% afirmam que as mídias sociais amplificaram seu medo da exclusão.

Modernidade líquida

O sociólogo Zygmunt Bauman ficou conhecido pelo termo "modernidade líquida", destacando a fluidez das relações sociais, em constante movimento. O mundo moderno trouxe um senso de velocidade, com uma quantidade de informações difícil de acompanhar. É mais um aspecto em que a FOMO se apresenta; o receio de perder alguma novidade incentiva a ficar constantemente conectado para tentar saber de tudo e estar por dentro dos assuntos que todos estão comentando. Recentemente, o Big Brother Brasil, por exemplo, se tornou assunto em diversas rodas de conversa, mesmo em espaços que antes consideravam a atração uma coisa indigna de atenção.

Nesse contexto, as relações se dão na internet. A professora Sherry Turkle, do MIT, publicou um artigo no The New York Times afirmando a vantagem de se sentir conectado aos amigos pelas fotos nas redes sociais. No Brasil, uma pesquisa da Norton revelou que 44% dos internautas precisam das redes para manter as amizades, passando em média 30 horas semanais conectados – tempo superior à média global.

Mas Turkle também reconhece que esse tipo de interação fomenta um sentimento de inadequação. Afinal, essa conexão possui uma aparência de perfeição, pois as pessoas postam fotos sempre de momentos positivos e felizes. Aqui, o FOMO também pode se apresentar com uma nova face: o medo de que você não consiga ter as boas experiências que as outras pessoas estão tendo. É o velho ditado da grama do vizinho parecer mais verde, sentimento que se agravou em tempos de isolamento social.

O filósofo Luiz Felipe Pondé já refletiu sobre como o marketing se utiliza do desejo e dos sentimentos. No livro Amor para Corajosos, ele aponta:
"A publicidade é, em si, uma arte do afeto: ela usa sua capacidade para desejar a fim de fazer você 'enlouquecer' querendo algo. Porém o princípio da publicidade é usar o afeto sob controle, fazer você sentir algo apenas por 30 segundos. O suficiente para se apaixonar por 'X' ".
As consequências aparecem no consumo por impulso, como ao adquirir um celular novo quando o anterior ainda está em perfeito funcionamento. Como o também filósofo Mario Sergio Cortella indica, a velocidade da modernidade leva a decisões intempestivas que "muitas vezes comprometem até o bom-senso". Isso ultrapassa o campo do consumo e afeta as próprias relações interpessoais, como o solteiro que gostaria de estar casado e o casado que gostaria de estar solteiro.

Virando um problema ainda mais sério

Esse medo de estar perdendo alguma coisa, como demonstrado até aqui, afeta o comportamento das pessoas e foi transformado em estratégia de marketing. Como a FOMO pode causar uma paralisia que impede alguém de simplesmente fazer uma escolha, algumas empresas aproveitam a situação para aprimorar seus serviços e dar um golpe publicitário. A Netflix, por exemplo, disponibilizou esse ano em todo o mundo o botão Aleatório, para os assinantes que têm dificuldade em escolher o que assistir. É mais um modo de fidelizar os clientes.

Porém, olhando pelo lado dos consumidores, esse medo de estar perdendo alguma coisa pode se tornar mais do que uma insegurança ou indecisão. O fenômeno foi estudado pelo psicólogo Andrew Przybylski, professor na Universidade de Oxford com pesquisas sobre como as pessoas interagem com ambientes virtuais, incluindo mídias sociais e videogames. É consenso que a FOMO deve ser tratada como uma síndrome e que a pessoa deve receber tratamento psicológico e, dependendo do caso, psiquiátrico.

Uma pessoa afetada pode apresentar sintomas de graus variados: ficar atualizando constantemente as redes sociais, não desgrudar os olhos do smartphone enquanto está presencialmente numa roda de conversa, checar ou escrever mensagens enquanto está no volante, se endividar para adquirir um produto só por ser um modelo mais novo, cair em golpe ao investir por impulso em uma promessa que parece promissora demais, perder dinheiro ao comprar as ações na bolsa de valores que "todo mundo" está comprando (efeito manada), fazer um pedido de casamento apenas por se sentir sozinho e até mesmo depressão.

As empresas encontraram um novo caminho para chegar aos consumidores, baseadas nas descobertas feitas pelo ramo publicitário. Porém, para as pessoas em geral, a situação escalou para níveis muito mais complexos. O campo da psicologia e da psicanálise identificou um problema grave, que tem atingido todas as faixas etárias, mas principalmente jovens e adultos entre 18 e 34 anos. E então a Nintendo entrou na jogada.

A Big N e os mini consoles

Em julho de 2016, a Nintendo anunciou que lançaria uma nova versão em tamanho reduzido do seu clássico console, que curiosamente já era chamado no Brasil carinhosamente de Nintendinho. O NES Classic Edition chegou às lojas em novembro daquele ano, com 30 jogos na memória, suporte a suspensão de partidas, entrada HDMI e poucas unidades à disposição.

Com um preço de 60 dólares e estoque limitado, o console voou das prateleiras e se tornou item de colecionador. A companhia supostamente teve dificuldades de suprir a demanda, repondo as unidades aos varejistas muito lentamente. Revendedores aproveitaram para aumentar os preços, e a Nintendo tinha um pequeno fenômeno nas mãos. Apenas no mês de dezembro, 200 mil consoles foram vendidos nos Estados Unidos.

Apesar disso, após seis meses a produção do produto foi encerrada. A empresa não deu maiores explicações para isso e as especulações na época eram de que o produto tinha como objetivo gerar burburinho, chamando atenção para a marca a tempo do lançamento do Switch.

Em setembro de 2017, a Big N repetiu a fórmula de sucesso. O Super NES Classic Edition foi lançado por 80 dólares com 21 jogos, incluindo o inédito Star Fox 2. A promessa era de que não haveria problemas de estoque novamente. No entanto, o Walmart fez, nos Estados Unidos, em julho, uma pré-venda que esgotou as unidades em apenas 40 minutos.

A intenção era de que a comercialização também fosse por um curto período, porém, era impossível encontrar o SNES Classic Edition para comprar. A Nintendo anunciou então uma extensão do prazo, além de voltar com o NES mini para as prateleiras. Essa limitação de estoque, a sensação de que não haveria produto para todos, causou um furor e uma procura que fizeram as vendas explodir. Na divulgação dos resultados financeiros em outubro de 2018, o presidente Shuntaro Furukawa revelou que os dois consoles mini tinham vendido juntos mais de 10 milhões de unidades.


Na mesma ocasião, Furukawa projetava uma alta demanda pelos consoles mini durante o período de festas de fim de ano. Em dezembro, porém, a Nintendo anunciou o fim definitivo da fabricação dessas edições clássicas. De meados de 2016 até o início de 2019, portanto, a empresa conseguiu gerar interesse, divulgar a marca e capitalizar em cima de dois consoles retrô com um punhado de jogos antigos. Isso só foi possível devido a dois fatores fundamentais: a qualidade do produto, que já era de conhecimento do público, e a disponibilidade limitada, deixando no ar (e no noticiário) a constante iminência do fim do estoque. A estratégia de utilizar o medo de perder algo se provou certeira. Agora era hora da Big N comemorar o aniversário de seu mascote.

O caso Super Mario 3D All-Stars

Em 18 de setembro de 2020, chegou ao mercado a coletânea contendo os três primeiros jogos 3D do encanador bigodudo. Contudo, Super Mario 3D All-Stars foi lançado com uma data limite para sua produção e comercialização, física ou digital: 31 de março de 2021. Foram seis meses e 13 dias de disponibilidade do produto: um prazo incrivelmente curto, o que fomentou um senso de urgência no público.

Não foi por acaso que a Nintendo escolheu o seu mascote para essa estratégia. No mundo das pedras preciosas, há várias décadas a disponibilidade de diamantes no mercado é controlada para manter a ideia de raridade e, com isso, os preços altos. Evidentemente, Mario é a jóia da coroa da Big N, dando ainda mais valor ao produto artificialmente raro, ainda que seja composto por jogos requentados.

Em apenas 4 dias de pré-venda, se tornou o segundo jogo mais vendido de todo o ano de 2020 na Amazon. Com quatro semanas no mercado, 3D All-Stars vendeu mais de 5 milhões de cópias para varejistas, sendo que 3,5 milhões foram revendidas aos consumidores. Foi o segundo game mais vendido nos Estados Unidos em seu mês de lançamento. No final de março, próximo ao fim do período de comercialização, as vendas no Reino Unido aumentaram 276%. Os números comprovam o inegável sucesso financeiro que o título conquistou.
Comercialmente, o projeto foi bem sucedido e, por isso, poderia se tornar uma prática recorrente. Contudo, o presidente da Nintendo of America já indicou em algumas declarações que este não será o caso. Nas palavras de Doug Bowser:
"Existem várias formas de celebrarmos os 35 anos de Mario. E, com alguns destes títulos, sentimos que era uma oportunidade de lançá-los por um período limitado de tempo. Eles se saíram muito, muito bem. Super Mario 3D All-Stars vendeu mais de 2,6 milhões de unidades apenas nos EUA. E não é uma estratégia que vamos usar amplamente, pensamos em um evento único para o aniversário".
Por que abrir mão desse caminho que se provou certeiro? Apesar das vendas, a reação de uma parte do público foi negativa, ainda que tenha adquirido o produto – mais um exemplo de como explorar a FOMO dá retorno. E essa sensação de ser explorado acabou arranhando a imagem da Big N.

Na tendência atual da publicidade, uma empresa precisa entregar o conteúdo que o consumidor busca e sente que necessita. Para isso, é preciso muita cautela na forma como se comunica, de forma tanto a atingir o público certo quanto fazer com que ele reconheça o valor do negócio. Apostar em uma estratégia que se utiliza tão evidentemente de uma síndrome considerada um problema de saúde por psicólogos e psiquiatras possui o perigoso potencial de afetar a relação com os consumidores. Hoje em dia, o marketing defende o caminho oposto: exaltar a confiança na marca é o mais importante, bem como estimular um "orgulho" pela compra realizada.

Com o alerta vermelho aceso, é provável que a Nintendo esteja de fato reconsiderando o uso da estratégia. Ou, pelo menos, reformulando sua aplicação. Afinal, ainda se trata de uma empresa capitalista e que necessita de lucro para manter a si e seus funcionários, por mais que suas franquias sejam apaixonantes. A presença de amor e arte nessa relação tornam a percepção desse aspecto comercial um pouco mais complexa.

Talvez seja mais fácil odiar vilões unidimensionais, como o dono de fábrica que quer destruir a floresta. Mas, neste caso, é importante ouvir o alerta dos especialistas e voltar as energias para si mesmo. Saúde mental é um assunto sério que não recebe a atenção devida. Este "medo de estar perdendo alguma coisa" pode fazer uma pessoa se perder dela mesma e, por isso, é bom lembrar da frase dita pelo cartunista Millôr Fernandes:
"O importante é ter sem que o ter te tenha".
Revisão: José Carlos Alves
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Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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