A série Atelier recentemente ficou famosa no Ocidente após o sucesso de Atelier Ryza (Multi) e sua sequência, porém poucos jogadores sabem que o verdadeiro legado dessa franquia é bem mais longevo do que parece. Dando as caras pela primeira vez em 1997 no Playstation 1, Atelier se tornou uma das franquias de JRPGs mais tradicionais do mercado japonês e hoje conta com jogos para os mais diversos consoles.
A coletânea inclui as versões “Deluxe” de Atelier Sophie: The Alchemist of the Mysterious Book (Multi), Atelier Firis: The Alchemist and the Mysterious Journey (Multi) e Atelier Lydie & Suelle: The Alchemists and the Mysterious Paintings (Multi), todos aparecendo pela primeira vez no Nintendo Switch.
Novato na alquimia
Por sinal, acredito que esse tipo de abordagem é o mais apropriado para a situação, tendo em vista que pouquíssimas pessoas chegaram a jogar esses jogos na época do lançamento original. Caso você prefira uma análise mais aprofundada no histórico da franquia, eu gostaria de recomendar a excelente análise produzida para o GameBlast.
Atelier Sophie, Atelier Firis e Atelier Lydie & Suelle compõem uma trilogia de histórias que se passam no mesmo universo e compartilham diversos elementos recorrentes ao longo de suas campanhas. Cada um tenta propor uma visão diferente sobre a mesma fórmula através de mudanças leves, mas bem significativas.
A jogabilidade geral dos três jogos tendem a orbitar em volta do sistema de colheita de materiais e a criação de novos itens com o uso da alquimia. Praticamente tudo, desde o sistema de batalha por turnos até a maneira de progredir na história, dependem de uma maneira ou de outra dessas mecânicas para funcionar. Pessoalmente gosto de dizer que toda essa ênfase na gerência de materiais torna Atelier Mysterious Trilogy mais próximo de um Stardew Valley (Switch) ou Rune Factory (DS) do que um JRPG “mais normal” focado em contar uma grande história.
Põe no caldeirão
A necessidade de coletar materiais, como ervas, minérios e partes de monstros, vai ocupar uma parte esmagadora do seu tempo jogando. Dependendo da sua preferência pessoal, isso pode ser encarado como uma atividade relaxante ou uma tarefa extremamente entediante, sem nenhum meio termo. Alguns jogos da trilogia tentam remediar essa mecânica polarizante e outros tentam abraçar ela em cheio, mas no fim sempre acabam atingindo resultados parecidos.Além de serem utilizados para completar sidequests e alguns objetivos primários, os materiais apresentam diferentes níveis de qualidade e características únicas que podem ser passadas adiante para outros itens com o processo de alquimia. Nele, o jogador seleciona uma receita e uma certa quantidade de materiais necessários para então transmutar itens e equipamentos que irão facilitar bastante o seu progresso no jogo.
Para completar a transmutação, os três títulos requerem que o jogador participe de um minigame onde o objetivo é encaixar as peças representadas por cada material selecionado dentro de uma tabela retangular. Dependendo da forma que você organiza e encaixa os itens na tabela, pode-se proporcionar diversos efeitos e melhorias na qualidade do item transmutado. Os três jogos contam com algumas diferenças e minuciosidades bem específicas nas mecânicas do minigame de alquimia, mas a ideia principal não foge muito além desse padrão.
Parece um pouco confuso, porém é bem simples na prática. Além de incentivar que o jogador seja criativo e sempre experimente com as possibilidades, os puzzles de alquimia costumam proporcionar uma agradável quebra de ritmo em contraste com o resto do jogo. Só faz falta uma opção que trivialize a produção de um item para os momentos em que o jogador não quer adicionar buffs, pois acaba se tornando cansativo e bem demorado se feito com frequência.
As mecânicas de alquimia e colheita de Atelier também tem relação direta com o sistema de passagem de tempo. Nos três jogos, cada atividade feita pelo seu personagem faz com que uma certa quantia de tempo acabe passando. Locomover-se entre as áreas da cidade ou da natureza, coletar materiais, batalhar com monstros e praticar alquimia são os principais exemplos. Elementos como a data, a hora e o tipo de clima podem afetar o resultado das colheitas, a dificuldade dos monstros e a aparição de diversos eventos de interação com os outros personagens da cidade.
A importância dada para o gerenciamento eficiente do seu tempo nos títulos dessa trilogia varia bastante de jogo para jogo, sendo Atelier Firis aquele que vai mais longe ao contar com um limite de tempo específico para completar os objetivos principais. Praticamente todas as mecânicas que envolvem o tempo complementam o foco na colheita de materiais ao adicionar uma maior complexidade e estratégia para uma atividade que, isolada, seria bem repetitiva. Uma ótima comparação seria Death Stranding (PS4/PC), que também transforma uma atividade entediante, como andar de um lugar ao outro, em uma tarefa mais estratégica e ativa por parte do jogador.
O combate por turnos é um pouco diferente entre os três jogos, mas no geral eles costumam se encaixar no padrão básico de qualidade que se espera de um JRPG. O sistema de prioridade de velocidade criado por Final Fantasy X (Multi) é implementado de forma satisfatória e não há confrontos aleatórios, pois cada inimigo pode ser visto andando pelos cenários. Um fator positivo é a utilidade dos itens de apoio produzidos com a alquimia. No entanto, as lutas no geral são pouco criativas e não fogem muito da clássica regra de “ganha quem der mais dano primeiro”.
Sophie e o início atrapalhado
A história de Atelier Sophie é a primeira na ordem cronológica da trilogia. O protagonista da vez é a jovem Sophie Neuenmuller, uma alquimista inexperiente que vive sozinha em uma pacata cidade medieval e cuida de um Atelier de alquimia deixado pela sua falecida avó. Após passar por dificuldades para aprender alquimia, Sophie se depara com um antigo livro da sua biblioteca que começou misteriosamente a falar. O livro se apresenta sob a alcunha de “Plachta” e pede para que Sophie ajude ele a recuperar suas memórias, algo que só acontece quando ela escreve uma nova receita de alquimia nas páginas do livro.Em comparação com outros jogos dessa trilogia, Sophie é claramente o mais limitado em termos gráficos e mecânicos. O combate tem uma mecânica no qual cada golpe bem sucedido aumenta uma barra especial, que quando completa pode ser usada para desferir golpes extras ou defender aliados dependendo da posição de batalha (ataque ou defesa) do personagem naquele turno específico.
A ideia é interessante no papel, mas a ativação consciente desses especiais requer ações desnecessariamente complexas para algo que nem é tão útil assim em um jogo com lutas relativamente fáceis. É capaz de você se dar melhor nos combates só ativando a mecânica sem querer do que tentando conscientemente se beneficiar dela.
O ritmo da história é bem espaçado e oferece poucas motivações para o jogador continuar acompanhando além do mistério inicial. O ciclo de gameplay de Sophie ainda pode te conquistar pela simplicidade e eficiência, mas não há nada que os jogos seguintes não façam de maneira melhor.
Firis e a ambição
Atelier Firis é uma sequência direta dos eventos de Atelier Sophie, porém com uma nova protagonista. Firis é uma pequena garota que trabalha coletando minérios em uma vila no fundo de uma caverna. O sonho dela é sair da caverna e conhecer o mundo de fora, porém seus pais a impedem por causa dos monstros perigosos que habitam a superfície. O rumo da situação só muda quando dois personagens principais de Atelier Sophie visitam a vila e ensinam um pouco de alquimia para a garota. Depois de aprender o básico, Firis consegue permissão de seus pais para embarcar em uma jornada pelo mundo com o intuito de participar de um teste especial para se tornar uma alquimista oficial.Logo de começo já fica claro que a principal diferença de Atelier Firis em relação aos demais da trilogia se dá pela sua escala muito mais ambiciosa, tanto em termos técnicos, quanto narrativos. Tudo aqui funciona muito mais como um JRPG “normal”, no qual a exploração do mundo e aventura são elementos mais enfatizados. Por exemplo, os mapas agora são vastos e interligados por um mundo aberto com vários caminhos e rotas diferentes. Ao contrário de Sophie, você pode levar o seu Atelier na jornada e acessá-lo em lugares específicos dos mapas sem precisar voltar toda hora para a cidade inicial.
Durante a jornada, Firis tem exatamente um ano (ou 365 dias) para conquistar o diploma de alquimista oficial. Caso contrário, o jogador irá falhar e não poderá mais avançar na história. Esse sistema de tempo traz consigo elementos bons ou ruins dependendo do seu gosto. Se em Sophie a tarefa de coletar materiais pode ser relaxante, então o efeito contrário acontece em Firis.
A necessidade de ser eficiente com o tempo e a pressão do relógio é muito benéfica para a imersão e o peso do planejamento das ações, ao mesmo tempo em que pode causar ansiedade e estresse de forma similar ao que acontece em Zelda: Majora’s Mask (N64). Além disso, certos eventos importantes para o progresso da trama podem se fechar para sempre sem que o jogador perceba ou seja avisado. Só a possibilidade de poder ficar “trancado” no progresso já é uma falha tremenda a ser considerada.
Lydie & Suelle: o desfecho eficiente
Atelier Lydie & Suelle marca o desfecho da trilogia com um retorno à fórmula mais calma e lenta de Sophie, em troca da liberdade e da urgência de Firis. Dessa vez temos duas protagonistas: Lydie, a tímida irmã mais velha, e Suelle, dona de uma personalidade mais agressiva e extrovertida. As duas trabalham junto com seu pai em um pequeno Atelier de alquimia no meio de uma enorme cidade portuária. A vida das duas toma um novo rumo quando elas acabam sendo transportadas para um quadro misterioso no porão da casa.A história da relação de amizade entre as duas irmãs e o mistério por trás do mundo dos quadros são os principais destaques de Lydie & Suelle. No geral, a trama também trabalha de forma superior os seus personagens secundários. O sistema de combate é o mais polido da trilogia e diversas mecânicas tradicionais receberam melhorias úteis na qualidade de vida.
Como um todo, a experiência funciona como se fosse uma versão mais refinada de Atelier Sophie com maior foco nos personagens e no mistério. Não há de muito diferente que realmente possa se destacar, mas também não há muito o que criticar. É um jogo que procura ser eficiente, mas em compensação não fica tão marcado na mente quanto os seus antecessores mais ambiciosos.
O que tem de novo?
Um dos principais extras da coletânea são os livros de ilustração digital de cada jogo, que podem ser baixados separadamente na eShop. Confesso que não é uma função lá tão útil para quem não é super-fã, mas é necessário admitir que as ilustrações são lindas e memoráveis. Sério, tem algumas tão bonitas que eu cheguei até a salvar a arte de uma personagem que eu odeio no meu celular. Só é uma pena que o livro não seja físico.Basicamente o resto do conteúdo extra que foi adicionado nas versões Deluxe de cada jogo é composto por músicas, novas dublagens, roupas, eventos adicionais, melhorias na performance geral, tradução refeita, correção de bugs e outras perfumarias pequenas. Essa é definitivamente a melhor maneira de experimentar esses jogos, porém o conteúdo adicional não vale a pena o investimento se você já zerou as versões originais.
Ainda assim, a performance dos jogos continua sendo problemática com quedas constantes de FPS, texturas estouradas e algumas animações pouco caprichadas. A arte dos personagens no geral é estilosa e combina com a proposta do jogo, porém os gráficos definitivamente não envelheceram tão bem.
A trilha sonora, por outro lado, é um dos melhores pontos de cada jogo. As melodias são relaxantes e transmitem aquele típico sentimento de “fantasia” e “aventura” que só um bom JRPG poderia passar. Você ainda pode selecionar as músicas que vão tocar em cada situação em uma seleção extensa com a trilha sonora de quase todos os jogos da série Atelier. A dublagem em japonês é igualmente excelente e conta com atores de voz de grande renome dentro da indústria de dublagem japonesa.
Um trio atrapalhado
Apesar de oferecer uma experiência que precisa ser encarada com mente aberta, Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack ainda é uma coletânea curiosa que pode muito bem conquistar novos fãs para a franquia. Se você gosta de RPGs por turno e mecânicas de gerenciamento de tempo, é bem provável que vai acabar curtindo bastante essa jornada. Se você é mais exigente e procura por grandes histórias, então talvez seja melhor passar longe.Prós
- Trilha sonora consistente e personalizável;
- Sistema de alquimia é divertido;
- Dublagem excelente;
- Gerenciamento de tempo é bem implementado;
- Ótimo para relaxar.
Contras
- Sistema de batalha não é interessante;
- Problemas de ritmo;
- Performance sofrível e bugs aparentes;
- Demora demais até engajar o ritmo;
- Só consegue agradar um nicho bem específico.
Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack - Switch/PS4/PC - Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo
Revisão: Diogo Mendes