O sucesso de Tony Hawk’s Pro Skater (Multi) tem uma relação direta com a ambientação da época em que foi lançado. Recentemente foi anunciado que o game será lançado no Nintendo Switch em uma coletânea, ainda sem data de lançamento.
É um consenso que as mídias e as tecnologias digitais atravessam e exercem influência sobre a sociedade. É a partir dessa ação direta ou indireta que os indivíduos dialogam com a cultura, definida como um conjunto complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Para compreender o êxito do título, é necessário entender o contexto histórico em que estava inserido.
O skateboard ao longo dos anos
Nos anos 80, nos EUA, o skate passou a ser popularizado com skatistas de ruas que tomavam as praças e os quintais de casa na tentativa de fazer manobras de qualidade. Nesta década, o skate sofreu muita influência do freestyle e street, estilos diferentes que adicionam manobras em corrimões, escadas e paredes na performance do skatista. Mesmo sendo um movimento que não parava de crescer, o mundo do skate era visto com muito preconceito por uma parcela da sociedade.
Os títulos de skateboard não eram muito comuns nos consoles da época, mas no final dos anos 80 um dos primeiros games do gênero foi lançado: 720° Degrees (Multi). O jogo não chegou a ser um sucesso, embora fosse o nascimento de um gênero que se tornaria um fascínio. Na década de 90, o skate foi profissionalizado como um esporte radical, e em 1995 a ESPN criou os X-Games. Um evento esportivo comercial, realizado todos os anos em edições de verão. O torneio trabalhou na mudança de imagem do skate, que era visto como um estilo rebelde. O campeonato foi responsável por aumentar a popularidade desse universo.
Foi na década de 90 que o universo do skate encontrou palco para ser entendido como um esporte. Esta nova perspectiva substituiu a antiga, na qual os skatistas eram tidos como jovens rebeldes e arruaceiros, que se aventuravam em manobras perigosas. O início dos anos 90 trouxe personalidade e reconhecimento para o mundo do skate.
Os jogos envolvendo esportes radicais existiam na década de 90, mas nenhum conseguia transmitir o mundo do skateboard. A maioria dos títulos era focado em corridas com skate. Com o intuito de mudar a situação, a publicadora Activision fez uma proposta para o estúdio amador Neversoft, com a intenção de desenvolver um título que representasse o universo do skate. Para isso, atletas famosos do skate foram convidados para estampar as propagandas do game, que contaria com capturas de movimentos de skatistas profissionais, dando início assim a um mutualismo capitalista que seria vantajoso para as empresas envolvidas e os atletas por anos.
O título e o atleta Tony Hawk
Na busca por um garoto propaganda, o nome de Tony Hawk passou a ser cogitado por ser um atleta muito promissor à época. Sendo assim, o skatista foi convidado para ser o garoto propaganda do título, que levaria o seu nome. Tony foi fundamental no desenvolvimento do game, sugerindo skatistas profissionais como personagens jogáveis. Dois meses antes do lançamento, ele se tornou o primeiro atleta a realizar a difícil manobra 900° (manobra de duas voltas e meia no ar). Com isso, Tony Hawk’s Pro Skater tornou-se a mídia de jogos eletrônicos que traduziria de forma fiel a cultura do skate.
Lançado inicialmente para Playstation 1, o game foi um sucesso comercial. Diante disso, era natural que em seguida fosse lançado em outras plataformas. Além disso, o game recebeu diversas continuações anuais. O título apresentava um estilo diferente do observado em jogos antigos de skate, com uma “física” mais adaptada para a realidade do game e um tanto mais realista que as observadas anteriormente em jogos do gênero.
A linguagem com que o título apresenta o universo do skate é, no mínimo, atraente, com uma trilha sonora pulsante repleta dos gêneros Hip-Hop, Rock e Punk. As manobras radicais são um show à parte. Além disso, o jogador é motivado a conseguir pontuações cada vez maiores. O game apresenta uma curva de aprendizado muito boa, onde a progressão é natural. Unindo os cenários, a trilha sonora e as manobras em corrimões, escadas, telhados e nas rampas, temos um título de sucesso que inspirou muitos outros jogos de esportes radicais.
O gameplay do título era totalmente diferente do que tinha sido publicado. Até então os games de skates ficavam limitados apenas a corrida. Tony Hawk’s Pro Skater trazia uma proposta inovadora: manobras radicais. Fáceis de fazer, podiam ser combinadas gerando maior pontuação. A mecânica “trick slack” facilitava as manobras, caso fossem feitas no tempo errado, não permitindo que o personagem caísse de primeira, mas sim aterrissasse de uma maneira um pouco mais grotesca.
O mecanismo de execução das manobras deixou o jogo mais fácil e acessível, afastando-o dos games de simulação. As decisões tomadas pelos desenvolvedores foram fundamentais para que o título fosse convidativo para os jovens gamers, fazendo com que saíssem de seus sofás e experimentassem manobras no mundo real. Diminuindo as barreiras entre o real e virtual, permitindo que os jogadores se projetassem nesse mundo virtual.
O legado
A performance de Tony Hawk’s Pro Skater foi um sucesso, sobretudo em uma época em que a pirataria reinava no Brasil. A ascensão do universo skatista e a influência do game foram tão relevantes que algumas cidades inauguraram pistas de skates em praças, aumentando o número de skatistas. Em festas de aniversário dos anos 2000 eram comuns reuniões ao redor da TV para jogar Tony Hawk’s ou em shoppings para competições pela manobra ou combo que forneceria maior pontuação.
A cultura pop não escapou dessa influência, revelando nomes da música como Avril Lavigne, que imprimia a punk girl skatista na época, assim como bandas como: Blink 182, Circle Jerks, Bad Religion, Goldfinger e Suicidal Tendencies. Além de inspirar filmes adolescentes, tais como: Manobras Radicais, Pateta 2 – Radicalmente Pateta e Dogtown and Z-Boys - Onde Tudo Começou. No Brasil, Charlie Brown Jr. ascendeu ao sucesso impulsionado pela abertura da soap opera Malhação com o tema “Te Levar”, que inclusive teve sua 13ª temporada com a temática do universo skatista. Recentemente, fãs fizeram uma campanha para que Charlie Brown Jr. fizesse parte da trilha sonora da coletânea Tony Hawk’s Pro Skater 1+2 (Multi). A canção escolhida foi “Confisco” do álbum de 1999, “Preço Curto, Prazo Longo”.
O êxito de um game não é sempre comercial. Há casos em que o sucesso é expresso pelas tendências culturais. Não é o caso aqui. Tony Hawk’s Pro Skater conseguiu expressar o sucesso de forma comercial e cultural. O pioneirismo do título deu-se através da imersão em um universo, até então, marginalizado. A popularização do skate foi iniciada pela X-Games, mas o jogo ajudou a catapultar a cultura do skate para diferentes mídias.
O legado de Tony Hawk’s Pro Skater está na capacidade de apresentar, com uma linguagem acessível e descontraída, que a prática do skate pode ser múltipla. Desde o cidadão que andava no skate só pra ouvir uma boa música e espairecer até o atleta que fazia dessa prática o seu ganha pão. Tony Hawk’s Pro Skater nos mostrou a alma do skate.
Revisão: Icaro Sousa