Nintendo e sua influência na cultura popular

Os videogames são uma marca da cultura popular recente, e a Nintendo é uma das protagonistas dessa história.

em 25/03/2021
Adorno e Horkheimer cunharam o termo indústria cultural para tratar do uso da cultura para fins ideológicos. Na opinião desses autores, a cultura popular se transformou, com o desenvolvimento do capitalismo e com a massificação dos meios de comunicação, em uma fonte de imposição de valores. Ao povo, cuja expressão cultural se via cada vez mais e mais empobrecida, restava apenas a opção de se submeter ao consumo desenfreado e ao lazer sem significado.
 
Essa é uma visão pessimista da história, descrita por filósofos que se preocupavam com o possível sumiço de formas mais significativas de produtos culturais. Eles não viram os videogames e nem a internet, mas provavelmente seus argumentos mudariam muito pouco. Na verdade, o mais provável é que ficassem ainda mais pessimistas com a situação atual. 
 
Apesar de considerar que os textos desses autores ainda são muito atuais, penso que o desenvolvimento da cultura por meio dos produtos de entretenimento nos oferece também boas surpresas. E eu vejo muitas delas vindo da Nintendo. Desde que entrou no ramo dos videogames, a empresa japonesa tem liderado o campo de influências e inovações, gerando transformações significativas no modo como consumimos e entendemos a cultura. Aqui, trago alguns exemplos disso.
 


A onipresença na mídia

Os videogames quase chegaram ao fim, mas o Famicom foi lançado em 1983 para salvar e revolucionar essa indústria. Oferecendo de início alguns ports de arcade, o console caiu aos poucos no gosto do público e seus jogos evoluíram rapidamente. Mas foi em 1985, com o lançamento de Super Marios Bros., que a Nintendo chegou ao estrelato e se tornou uma das marcas mais reconhecidas da atualidade.

Nos anos seguintes, a identificação entre a empresa, seu mascote e os videogames se tornou tão intensa que mesmo as pessoas que não se interessam por jogos percebem o rosto do bigodudo como o de alguém familiar. Com aparições em filmes, séries de televisão e menções em diversos produtos culturais, não é errado dizer que a Big N e as suas propriedades intelectuais são um símbolo do que a globalização é capaz.
 

Jogue onde quiser

Da mesma forma que o lançamento do Walkman revolucionou a maneira de ouvir música, o lançamento do Game Boy, em 1989, mudou para sempre o jeito como pensamos os videogames. Sim, já existiam videogames portáteis antes dele, mas nenhum tinha oferecido uma experiência tão completa e, ao mesmo tempo, inovadora.

Lançado originalmente com Tetris e alcançando um público assustador, a Nintendo foi pouco a pouco imprimindo sua marca com a inserção no console das suas propriedades mais famosas (como Super Mario, The Legend of Zelda, Kirby e Metroid). Quando, em 1996, o primeiro Pokémon foi lançado, o console já era um sucesso absoluto; e a Nintendo, a dona do mercado de portáteis, fato que nunca mudou.
 

Gráficos 3D

Mesmo com as limitações do cartucho, o Nintendo 64 nos ofereceu bons exemplos do que era possível fazer com os gráficos 3D. Nada era mais incrível, no final dos anos 1990, do que ver Super Mario 64 e The Legend of Zelda: Ocarina of Time rodando em um console. E não se tratava apenas dos gráficos, mas do tipo de história que era possível contar, das possibilidades do analógico, da jogabilidade inovadora.

É óbvio que o que foi desenvolvido depois, pelos concorrentes, não se resumia a uma cópia. Mas a diversidade de possibilidades e o alcance global que o videogame alcançou, tanto nos consoles quanto nos computadores ou dispositivos móveis se deve também ao fato de que a Nintendo se arriscou em um terreno que era, naquele momento, muito difícil de explorar.
 

Videogames para todo mundo

Lembro de estar assistindo a um episódio de Saturday Night Live e ver um quadro ridicularizando os controles de movimento do Wii. De fato, aquilo parecia desengonçado demais para dar certo. O curioso, contudo, é que aquele esquete não teria sido feito se, naquele momento, o console já não fosse um fenômeno de vendas.

O Wii incluiu muitas pessoas no mundo dos jogos. Com a premissa de que poderia oferecer uma jogabilidade simples que atenderia a diversos públicos, o console trouxe as famílias para perto do videogame, praticamente criando a figura do jogador casual. É difícil afirmar com certeza, mas acredito que a importância que os primeiros desenvolvedores de apps deram aos jogos, nas primeiras gerações de smartphones, se devia ao fato de que os videogames já não eram mais coisa apenas de aficionados; e isso só ocorreu por conta do Wii.
 

Sempre em busca da inovação

O que mais me encanta na Nintendo é o fato de que ela sempre investe em caminhos pouco previsíveis. Eu vejo com bons olhos até mesmo naquilo que não gera tanto sucesso, como o 3D nativo do Nintendo 3DS, ou a jogabilidade assimétrica do Wii U. Afinal, é a partir dessas experimentações que outras coisas, como o Switch, se tornam possíveis.

Nos últimos anos, mesmo com o sucesso estrondoso do seu mais recente console, a Nintendo não se acomodou. Lançou o Labo, Ring Fit Adventure e Mario Kart Live: Home Circuit. Ainda que essas não sejam experiências empolgantes para a maioria dos jogadores, é interessante ver como essa empresa não deixa de tentar nos surpreender entregando algo cativante e único.

Por isso, ao contrário de Adorno e Horkheimer, eu não vejo com maus olhos a indústria do entretenimento. Na verdade, nesse campo eu me aproximo do pensamento de Walter Benjamin, que defendia que, além do maior alcance gerado pelos produtos criados em série, a indústria sempre deixa brechas para que os artistas e criadores possam se expressar com autonomia e inovação. Algo que, para mim, é simbolizado pelo o que a Nintendo vem fazendo nas últimas décadas.

Revisão: José Carlos Alves
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Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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