Já entrevistamos a galera do Long Hat House, de Minas Gerais. Hoje, o bate-papo é com o PixelHive Game Studio. O estúdio foi fundado em Porto Alegre em 2011, trabalhando em projetos para clientes do mundo inteiro. A partir de 2015, começou a trabalhar em seus próprios projetos. Agora, sua primeira IP, Kaze and the Wild Masks, chegará ao Switch, PC e demais consoles da geração passada em 26 de março. Apesar de estarem extremamente ocupados com o lançamento iminente, Paulo Bohrer, co-fundador do PixelHive, compositor e sound designer, gentilmente aceitou conversar conosco sobre o universo gamer e os próximos e promissores próximos passos do estúdio.
Nintendo Blast: Por vezes as dificuldades no trabalho nos fazem esquecer da magia que nos atraiu. Por favor, explique como se fosse para uma criança de 10 anos: como se faz um game?
Paulo Bohrer: Essa é uma pergunta curiosa, já que Kaze and the Wild Masks é uma carta de amor, em forma de game, para os jogos clássicos que crescemos jogando. Nós usamos a mesma paixão que tínhamos naquela época para desenvolver o Kaze. Um jogo é feito a partir dessa paixão, criatividade, mente aberta e imaginativa, e sempre pensando na diversão acima de tudo. Eu diria que a criança de 10 anos ainda presente dentro de cada um de nós é essencial para o desenvolvimento de games.
NB: Hoje, na escola, a pergunta “o que você quer ser quando crescer?” recebe menos como resposta “astronauta” e mais “fazer games”. Ao mesmo tempo, os índices de desempenho em matemática no país são bem ruins. O que essas crianças precisam para que esse sonho não seja tão distante?
Paulo: Apenas uma boa ideia e criatividade não são o suficiente para desenvolver um jogo. Independente da área de atuação, existe um grau de conhecimento técnico necessário que é adquirido através do estudo. Matemática e jogos andam lado a lado, e uma boa formação acadêmica é necessária. Levando em conta a enorme desigualdade social que vivemos, programas de incentivo à educação, computação e programação nas escolas são formas de deixar jovens mais próximos de seus sonhos.
NB: Se um sobrevivente num mundo pós-apocalíptico achasse um HD com tudo o que restou de informações do mundo dos games, quais os 3 jogos que deveriam estar ali preservados para o conhecimento da humanidade?
Paulo: 1. Journey, para a pessoa ter consigo um jogo que é uma obra de arte em todos os seus aspectos (plot twist: subitamente outro jogador se conecta no jogo do sobrevivente e eles descobrem que não são os últimos humanos vivos. Eles terminam a aventura esperançosamente desenhando pequenos corações na neve). 2. Super Mario Odyssey, apenas por pura diversão. 3. Fallout, só pela ironia da situação.
NB: Volta e meia, vem à tona uma discussão infrutífera sobre uma possível associação entre jogos e comportamento violento. Qual debate sobre games realmente deveria ganhar a grande mídia?
Paulo: É uma discussão importante, pois jogos têm o poder de influenciar pessoas, positivamente ou negativamente, em graus diferentes, dependendo da suscetibilidade de cada um. O debate sobre jogos e violência é importante sim, assim como a conscientização sobre o impacto positivo de jogos em habilidades motoras e cognitivas, ganho cultural e do simples bem-estar daqueles que consomem jogos eletrônicos.
NB: Fazer um game não é simplesmente sentar e fazer o que quiser. Num projeto, quanto há de criatividade, feedback de jogos anteriores, possibilidade de recursos…?
Paulo: É preciso ter uma boa direção para desenvolver um jogo. Sem organização e uma visão clara, é muito fácil encontrar-se andando em círculos. Um desenvolvimento pode durar vários anos. Portanto, o tempo deve ser gerido com muita atenção. Haverá momentos de planejamento, brainstorming criativo, execução e concretização de ideias, feedbacks, etc. É importante ter processos e metas bem definidos para manter o desenvolvimento avançando.
NB: Músicos por vezes têm que buscar renovar o interesse por um hit que tocam em todo show. E no caso de vocês, que trabalham por anos no mesmo título?
Paulo: Realmente é muito importante evitar o desgaste. O Kaze and the Wild Masks está chegando ao seu sexto ano de desenvolvimento a pleno vapor. Nós temos uma equipe reduzida, então existem várias oportunidades para executar diversas tarefas, o que é ótimo contra a monotonia. Mesmo assim, o legal é encarar cada asset como um novo desafio e uma nova oportunidade de crescimento.
Paulo Bohrer em ação. |
NB: Nós chegamos do trabalho ou da escola e temos o videogame para nos distrair. E você, o que faz para relaxar?
Paulo: Eu não sou diferente de vocês, haha! Meu principal hobby (e de vários desenvolvedores do time) ainda é jogar videogame. Também curto assistir meu futebolzinho de domingo e literatura, principalmente livros acadêmicos e romances sci-fi.
NB: Você consegue curtir um game por puro lazer ou não consegue ficar sem reparar detalhes e ideias que pode usar no seu próximo projeto?
Paulo: Sim e sim, haha!
NB: Num mundo ideal, com qual franquia gostaria de trabalhar?
Paulo: Ah, acho que com a franquia que cresci amando e ainda amo até hoje: Final Fantasy.
NB: Como se destacar nesse oceano de opções que os jogadores têm à disposição?
Paulo: É importante conhecer e focar nos pontos fortes do seu game, sejam eles mecânicos, narrativos, artísticos, etc. Ao mesmo tempo, é essencial saber abrir mão de ideias que não agregam para o produto. Um jogo conciso, objetivo e que tem consciência de suas forças possui mais chances de sucesso.
NB: Estar sediado no Brasil, longe dos grandes produtores e publishers mundiais, é um obstáculo muito grande? E quais as vantagens de estar em casa?
Paulo: É claro que é mais difícil para desenvolvedores brasileiros. Porém, hoje em dia nós temos cada vez mais ferramentas para desenvolver jogos e facilidade de contato com desenvolvedoras e publishers internacionais. Um fato curioso é que o acordo do Kaze and the Wild Masks com uma publisher começou em uma conferência de games nacional. Esses eventos são uma boa porta de entrada para a comunicação com grandes estúdios lá de fora. Mas claro, devido à atual pandemia, está mais difícil ter o contato direto com os big players.
Eu vejo os jogos brasileiros chamando cada vez mais a atenção de empresas estrangeiras, devido ao aumento exponencial de títulos nacionais no mercado. Desenvolver jogos é um trabalho que envolve uma enorme troca de experiências. Existe uma grande parceria entre desenvolvedores nacionais devido a essa dificuldade extra que enfrentamos ao produzir jogos.
NB: Há uma preocupação em colocar um tempero brasileiro no seu produto ou isso é natural e inevitável?
Paulo: Acontece de forma natural. Acredito que o próprio Kaze and the Wild Masks é uma prova disso. Acho que nós, jogadores brasileiros, somos muito nostálgicos de forma geral, adoramos lembrar das nossas infâncias compartilhadas, de épocas mais simples, voltando da escola ansiosos para jogar nossos games favoritos. Além disso, na localização para PT-BR do Kaze, não conseguimos segurar e foi pura diversão criar textos com o nosso idioma e cultura.
NB: Conseguir um devkit para um dos grandes consoles é um boss no nível very hard?
Paulo: Não sei se é um boss very hard, mas o orgulho em ter o nosso jogo aprovado pelas principais plataformas e receber os devkits, não tem como negar.
NB: Grandes investidores e publishers olham diferente para um projeto por ser de uma produtora brasileira?
Paulo: Acredito que nos últimos anos esse olhar tem sido cada vez mais positivo. Nós vemos estúdios brasileiros lançando jogos com boas recepções no mundo inteiro numa frequência crescente.
NB: Networking é essencial tanto para quem quer ingressar quanto para sobreviver no mercado. Os estúdios brasileiros possuem uma rede de ajuda mútua e troca de experiências?
Paulo: Sim, e esse é um dos pontos mais legais no desenvolvimento nacional de jogos! Existem associações nacionais e regionais de developers espalhadas pelo Brasil. Essa é uma indústria que vem evoluindo muito por conta dessa troca de experiências entre os profissionais da área, pois, de forma geral, existe uma boa vontade muito grande em ajudar quem está começando ou quem está enfrentando alguma dificuldade. Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, nós temos a Associação dos Desenvolvedores de Jogos (ADJogos-RS), com desenvolvedores dos mais variados níveis profissionais que trocam experiências constantemente.
Pessoal da Aquiris visitando a PixelHive. |
NB: Há um amadurecimento no mercado de games aqui no Brasil?
Paulo: É fato que nós temos profissionais altamente talentosos por aqui. A cena de desenvolvimento de games no Brasil está constantemente em crescimento, porém não tão rapidamente quanto gostaríamos. Nós enfrentamos todo o tipo de dificuldade de um país ainda em desenvolvimento, com pouco incentivo vindo do governo, e investidores mais conservadores que ainda não conhecem a indústria bem o suficiente para investir em jogos. Entretanto, nós temos várias organizações e entidades colocando muito esforço para tentar mudar esse cenário, e mesmo com todos esses desafios, existem vários estúdios brasileiros conseguindo lançar games que ganham destaque no mundo inteiro.
NB: Com um orçamento liberado e prazo sem deadline, o que você faria?
Paulo: Alta possibilidade de não ser lançado jogo nenhum dessa combinação.
NB: Sem querer estragar nenhum anúncio ou provocar quebra de contrato, qual será seu próximo projeto? Temos chance de tê-lo no Switch?
Paulo: Por enquanto, nosso foco total é no lançamento de Kaze and the Wild Masks, que vai chegar para Nintendo Switch, PS4, Xbox One, Steam e Stadia no dia 26 de março de 2021. Depois disso, apenas o futuro revelará, fica aí a curiosidade. Muito obrigado pela oportunidade!
Revisão: Davi Sousa