Conversamos com Barry Leitch, o compositor de Top Gear e Horizon Chase Turbo

Reconhecendo o valor de uma nota musical bem colocada.

em 13/03/2021


Nas últimas semanas o Nintendo Blast está conversando com pessoas envolvidas nos mais diferentes aspectos do universo gamer. Já batemos um papo com bandas, como a Gameboys e a MegaDriver, com desenvolvedores, como a Long Hat House, e com produtores de conteúdo, como o Coelho no Japão.


Agora chegou a hora de conversar com um veterano de respeito. O escocês Barry Leitch é compositor e já trabalhou com diversas plataformas, do NES ao Switch, passando por Commodore 64 e Amiga. Começou na indústria aos 15 anos, em 1986, gravando demos e batendo de porta em porta oferecendo seu trabalho. Desde então, passou por grandes companhias como ImageTec, Ocean Software e Atari Games. Hoje é dono de seu próprio negócio, o Barry Leitch Audio Studios.

Apesar de ter composto para títulos os mais diversos, foi nos games de corrida que o seu trabalho mais se destacou. Sua obra mais celebrada é a trilha de Top Gear (SNES), que lhe rendeu uma ligação com o Brasil. O amor dos gamers pela trilha desse jogo só cresceu ao longo dos anos, o que não passou despercebido a ele. Recentemente, este ciclo se completou quando Barry compôs a trilha do game brasileiro Horizon Chase Turbo (Multi): na opinião do próprio, um dos seus melhores trabalhos e no qual dedicou muito esforço e carinho.

Leitch falou conosco sobre essa relação com o nosso país, a indústria de games e até sobre o trabalho no ramo de brinquedos eletrônicos. Confira!

Nintendo Blast: As pessoas aqui no Brasil tem uma profunda admiração pelo seu trabalho. É uma reação incomum ou você encontra isso em outras partes do mundo?

Barry Leitch: Meus primeiros trabalhos no Amiga são populares na Europa, e algumas das composições para brinquedos surpreendentemente fazem sucesso (embora, nesse caso, as pessoas não façam ideia de que eu sou o autor).

Porém, nada se compara à relação do Brasil com Top Gear. TODO MUNDO conhece essa trilha por aí. Quando visitei o Nino [da banda MegaDriver], ele perguntou aleatoriamente a pessoas na rua e todos conheciam as músicas do jogo. Isso é muito legal.


NB: Antigamente haviam limitações, como poucos canais de áudio e nenhuma biblioteca de sons. Essas restrições eram um incentivo à criatividade, contribuindo para a composição de trilhas marcantes?

Barry: Com poucos canais e sem biblioteca de sons, ou você cria uma boa melodia ou já era. Eu apenas escrevi melodias simples.

NB: De Top Gear a Horizon Chase Turbo, a indústria de games mudou bastante. O que essas mudanças trouxeram de positivo e negativo?

Barry: Eu costumava jogar cada game que era lançado. Hoje isso é simplesmente impossível, são muitos. É muito fácil se perder em meio a tantos títulos. Você pode fazer o melhor jogo do mundo, e as pessoas nem ficarem sabendo.

NB: Quando você compõe para um brinquedo, como os da Fisher Price, há paixão envolvida ou só a necessidade de pagar as contas?

Barry: Este é um território perigoso. Sendo um músico contratado, deve-se compor segundo a visão de alguém. Portanto, é preciso ter cuidado ao usar paixão e criatividade.

Aqui vai um bom exemplo: a primeira versão da melodia que compus para o [brinquedo] Aquarium, da Fisher Price. Aquela música me surpreendeu, nem acredito que compus algo tão bonito tão rápido. Contudo, o tom dela era Dó menor, e eu usei um Fá sustenido que se encaixou perfeitamente no clima da melodia.

Claro que o pessoal do marketing adorou o que ouviu, mas achava que havia uma nota que precisava ser alterada. Tivemos muitas discussões e, então, eu alterei. Mas não me parecia o certo. No fim das contas, arrisquei meu emprego e alterei de volta, pois era como eu queria que soasse, e mandei para a fábrica assim.

Agora, 20 anos depois, coloquei uma versão dessa música na minha página do SoundCloud. Tem o dobro de visualizações que as músicas da trilha de Horizon Chase Turbo. As pessoas sempre me perguntam como uma obra dessa foi parar em um brinquedo, e falam como adoram o fato de ser levemente melancólica. E tudo por causa daquela nota!

Dito isto, tive discussões criativas depois, as quais eu perdi. Você tem que aprender a lidar com isso. Mas as pessoas têm que aprender a confiar nos seus compositores.



NB: Qual é a sensação de ver seu trabalho ganhar outras interpretações, seja de grupos como o MegaDriver ou em concertos ao vivo?

Barry: É incrível! Assistir aos vídeos da MegaDriver tocando com o público vibrando, enche meus olhos de lágrimas. Já estive no palco com eles em São Paulo e sentir isso na pele mudou minha vida. É sempre prazeroso ouvir alguém fazer algo criativo com alguma composição minha.

Em 2016, quando o Video Games Live passou com sua turnê pelo nosso país, Leitch acompanhou as apresentações no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, tocando as trilhas de Top Gear e Horizon Chase. Como São Paulo ficou de fora desse itinerário, a cidade recebeu no mesmo ano a Top Gear World Tour, evento narrado pelo próprio Barry e que revisitou toda a sua carreira. Se o Brasil ama o trabalho do músico escocês, parece que a recíproca também é verdadeira. Que seus compromissos com a Fisher Price e um pequeno problema chamado pandemia global não nos façam esperar muito por uma oportunidade de reencontro, seja numa nova obra ou em um show.

Revisão: José Carlos Alves


Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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