The Legend of Zelda e seus 35 anos de história — Parte II: a luta contra o próprio legado até Breath of the Wild

Contamos os passos, a história e os bastidores de uma das franquias mais populares da Nintendo.

em 16/02/2021

No próximo dia 21 de fevereiro a franquia The Legend of Zelda completa seus 35 anos e o aniversário não pode passar em branco aqui no Nintendo Blast, assim como provavelmente não passará para a Nintendo. Enquanto aguardamos ansiosos pelos anúncios nesta semana, publicaremos uma série de textos especiais, contando um pouco dos fatos mais memoráveis da franquia, algumas curiosidades e os bastidores do desenvolvimento que levou à grandiosidade dos jogos do menino de capuz verde.

Na matéria de hoje, veremos o que o legado de Ocarina of Time causou na franquia, quase a levando ao fracasso (duas vezes). Felizmente, a Nintendo transformou Zelda em uma série que merece títulos com orçamentos AAA, e criou um dos maiores e melhores jogos já lançados num console Nintendo, que é Breath of the Wild. Caso ainda não o tenha feito, leia a primeira parte antes desta. Boa leitura!

2001: a primeira parceria com estúdios externos

Enquanto a Nintendo corria para o lançamento de The Legend of Zelda: Ocarina of Time (N64), outros setores já movimentavam os próximos lançamentos da franquia, e a primeira oportunidade de uma parceria com um estúdio externo se tornou possível.

O grupo de desenvolvedores Flagship foi fundado em 1997 em uma parceria entre Nintendo, Sega e Capcom, com a intenção de servir às três empresas no desenvolvimento de jogos. Enquanto colaborava em outros projetos, a empresa acabou abordando a Nintendo sobre a possibilidade de desenvolverem um novo título da franquia Zelda para o Game Boy Color. O diretor veio com a proposta inicial de uma trilogia de jogos: o primeiro sendo um remake de The Legend of Zelda (NES), enquanto os seguintes complementariam a história aproveitando as mesmas mecânicas.


A figura que surgiu e encabeçou esse projeto foi Hidemaro Fujibayashi. Inicialmente, ele trabalhou como interface entre as ideias dos desenvolvedores e a Nintendo, mas seu envolvimento com o projeto o levou a trabalhar diretamente com desenvolvimento, tornando-o diretor do novo título.

A parceria resultou no lançamento de Oracle of Seasons/Ages (GBC), enquanto o remake acabou cortado dos planos. Inspirados em Pokémon com suas versões duplas, os jogos foram lançados no mesmo dia, em 2001. Ambos eram complementares na história e poderiam ser jogados em qualquer ordem. Um total de 3,96 milhões de unidades vendidas representou um sucesso, mesmo que tímido em relação a Ocarina of Time. Anos depois, Fujibayashi foi incorporado à Nintendo e trabalhou em projetos como The Legend of Zelda: Four Swords (GBA) e The Legend of Zelda: The Minish Cap (GBA).

2002: começa a luta pela inovação na franquia

Assim que o desenvolvimento de Ocarina of Time terminou, outra equipe já deu início aos trabalhos de um novo título Zelda para o GameCube, console da Nintendo que iria chegar nos próximos anos. A repercussão e perfeição de Ocarina of Time colocaram as expectativas do público nas alturas, e essa foi uma das maiores dificuldades que o time de desenvolvimento desse novo jogo enfrentou. Além disso, para apresentar as capacidades do GameCube no evento SpaceWorld 2000, a Nintendo utilizou uma tech demo de Link lutando com Ganon em uma versão mais realista, que fez os jogadores acreditarem que aquela seria a sequência de Zelda para os consoles de mesa.

Agora sob a direção exclusiva de Eiji Aonuma, o time sentia a necessidade de uma completa mudança na franquia, para que o lançamento não fosse mais do mesmo, e a ausência de jogos no estilo cartunesco fez com que decidissem por seguir com os gráficos cel-shading e a nova versão do herói, Toon Link. Ao mudarem para esse estilo, ficaria mais fácil identificar elementos interativos do cenário e apresentar animações mais extravagantes.


Além disso, pela primeira vez houve a preocupação em posicionar os jogos em uma linha do tempo, e Aonuma decidiu que o novo jogo seguiria em uma versão de Hyrule inundada, muitos anos após um dos possíveis finais de Ocarina of Time.

O mais marcante momento do jogo, que viria a se chamar The Legend of Zelda: Wind Waker (GC), foi a primeira apresentação do novo estilo artístico ao público, no evento SpaceWorld 2001. As reações foram divididas, com um dos grupos decepcionado por desejar uma extensão de Ocarina of Time, mais madura e realista, e não “um jogo para crianças”. Apesar de ter estremecido a confiança do time de desenvolvimento, a decisão foi de continuar “na esperança de que a aceitação do público fosse grande”, conforme o ex-presidente da Nintendo, Satoru Iwata, disse anos depois.

Wind Waker teve um lançamento bastante tímido em 2002, totalizando 4,43 milhões de unidades vendidas, pouco mais que seu lançamento anterior para os portáteis. O novo jogo serviu de lição para toda a equipe, que buscou acertar tanto na nostalgia como na inovação nos novos títulos.

2004: o ápice de Zelda em pixel art

Hidemaro Fujibayashi seguiu trabalhando com Zelda como diretor de novos títulos no ramo portátil da franquia. Enquanto isso, Eiji Aonuma, um pouco desgastado com o constante trabalho como diretor e a estranha relação com o Miyamoto, acabou pedindo afastamento da franquia, mas acabou sendo promovido a produtor. Dessa forma, ele estaria menos envolvido com o desenvolvimento de um projeto, e mais preocupado com o rumo que todos os jogos tomariam.


Nessa estrutura, Fujibayashi e Aonuma montaram o que se tornaria Minish Cap em 2004, um título que buscou a completa inovação ao mudar a forma de concepção das artes e tirar mais tempo para tal, antes de iniciar o desenvolvimento. Além disso, a mecânica de encolher Link foi explorada ao máximo, resultando em um dos mais bonitos títulos em pixel art.

Na época, era muito importante que o jogo ajudasse a manter firmes as vendas do Game Boy Advance, já que o GameCube não ia muito bem. Porém, o lançamento tardio do jogo, já próximo à chegada do Nintendo DS, fez com que ele vendesse apenas 1,76 milhões de unidades.

2006: a (primeira) hora do tudo ou nada para a franquia

Mais uma vez, era hora de desenvolver um novo título para um console de mesa da franquia Zelda. Com os fãs desejando um jogo à altura de Ocarina of Time após o fracasso de Wind Waker e a constante redução nas vendas dos jogos da franquia nos portáteis, Aonuma estava numa situação apertada em gerenciar tal responsabilidade como produtor. A sensação era de que o próximo jogo a ser lançado definiria o sucesso ou o fracasso de Zelda, podendo levar ao fim dos jogos em Hyrule.

O desenvolvimento, porém, não começou muito bem. A equipe responsável pelo jogo iniciou um título nomeado, inicialmente, de Wind Waker 2. Os gráficos cel-shading e o design de Toon Link seriam mantidos, mas Aonuma exigia que alguns pontos fossem acrescentados para resultar em um sucesso de vendas: Link deveria ser mais fotorrealístico e sério, além de poder utilizar seu cavalo e viver em um mundo mais parecido com aquele de Senhor dos Anéis.

Rapidamente, essas ideias fizeram o estilo artístico cartunesco ser descartado e um design mais maduro de Link ser criado, além de uma proposta muito mais envolvente do jogo. Miyamoto, é claro, foi relutante em aprovar o projeto, com medo de que novas mecânicas não fossem introduzidas e lançado apenas um refinamento de Ocarina of Time. Por isso, novas ideias foram incorporadas ao jogo, como a transformação de Link em um lobo e a alternância entre dois mundos, o Light e o Dark World. As novidades deram tão certo que a demo do jogo em 2004 na E3 colocou as expectativas do público nas alturas novamente.


O time de desenvolvimento, então, começou a lutar para entregar o que se tornaria The Legend of Zelda: Twilight Princess (GC/Wii), projeto que pode ser considerado o primeiro AAA em tamanho e orçamento da Nintendo. Tal inexperiência com um projeto tão grande trouxe inúmeros desafios para o time, com a ausência da centralização das decisões e muitas funcionalidades e ideias sendo implementadas ao mesmo tempo. Afinal, quando este jogo ficaria pronto?

Com a alteração do escopo para lançá-lo também no Wii, o medo do fracasso finalmente acabou, e o jogo vendeu 8,85 milhões de unidades ao todo. No lançamento do Wii, o sucesso foi tanto que três de cada quatro consoles vendidos iam junto com uma cópia de Twilight Princess. Enfim a equipe da Nintendo estava satisfeita, e um jogo fez jus ao seu legado. Por outro lado, esse jogo não foi como Ocarina of Time, e acabou se tornando muito caro para a Big N, que ainda persistiu na ideia de ciclos de desenvolvimento menores e jogos mais enxutos.

2007 e 2009: um toque de mágica

Como uma franquia de muitas frentes, Zelda chegou, em determinado momento, a ter três times de desenvolvimento: o de Minish Cap, o da sequência de Wind Waker, que veio a se transformar em Twilight Princess, e um terceiro que, com cinco pessoas, começou a experimentar novas ideias para a aterrissagem da franquia no Nintendo DS.

Muitas ideias foram testadas e, conforme os outros projetos se encerravam e o time crescia, chegou-se a um consenso: os desenvolvedores dariam mais uma chance ao design cartunesco de Wind Waker.

O novo jogo, que se transformaria em Phantom Hourglass (DS), se passou na mesma Hyrule inundada e contou, pela primeira vez, com controles de toque. Sua intuitividade e maior simplicidade nos controles foram uma tentativa de recuperar os fãs mais casuais da franquia que estavam, em sua maioria, no mercado japonês. As vendas e o mercado gamer no Japão estavam cada vez mais fracos e a Nintendo não queria perdê-los ao apelar para o público ocidental, como fez em Twilight Princess.


O resultado foi, na verdade, uma jogada certeira da empresa. Phantom Hourglass ultrapassou as vendas do próprio Wind Waker e 4,76 milhões de unidades foram comercializadas ao todo.

Dois anos após seu lançamento, a sequência direta Spirit Tracks (DS) usou o mesmo motor gráfico, dessa vez explorando a mecânica dos trens em terra. Apesar de não vender tão bem (2,96 milhões de unidades), o par de jogos marcou a franquia e abriu o leque para novas entradas na Hyrule de Toon Link, o qual já havia ganhado perfil próprio.

2011: a franquia completa 25 anos com Skyward Sword

Quanto mais se passava o tempo, mais diminuía o interesse do mercado japonês por games. Mesmo com o lançamento bem sucedido de Phantom Hourglass, a Nintendo ainda lutou para criar um título apelativo para o mercado nipônico. Por isso, o próximo jogo para os consoles de mesa buscou um projeto menos ambicioso se comparado a Twilight Princess.

The Legend of Zelda: Skyward Sword (Wii) removeu as áreas de exploração, mais conhecidas como Hyrule Field, e inseriu a mecânica de acesso às dungeons pelo céu. Isso na tentativa dos jogadores se sentirem menos perdidos, tornando o jogo mais acessível. Além disso, outros sutis detalhes para tentar atrair tal público acabaram não dando muito certo, como a inserção de um ambiente similar ao ensino médio, muito utilizado em RPGs japoneses de sucesso.


Apesar de criticamente bem aceito, Skyward Sword não teve um bom desempenho em vendas, principalmente por ter sido lançado no fim do ciclo de vida do Nintendo Wii e exigir o uso do acessório Motion Plus. Foram 3,67 milhões de unidades, tornando-o o jogo menos vendido da franquia para consoles de mesa.

2013: preparando uma nova renovação da franquia

Quando o processo de desenvolvimento de Twilight Princess terminou, a Nintendo estava frustrada com o fato de um título ter escalado tantos recursos e pessoas. A empresa não queria que fosse tão caro desenvolver um jogo e em tanto tempo. Por isso, os próximos jogos tiveram muitas funcionalidades cortadas, como a exploração em Skyward Sword. Até o próprio Twilight Princess recebeu um Hyrule Field vazio e sem graça devido à pressão da Nintendo.

Porém, o último lançamento do Wii tinha sido um fracasso em vendas, frente à sua campanha de marketing extraordinária, e Aonuma sentiu que era a hora da franquia se renovar novamente, apostando em títulos mais completos e, quem sabe, um novo AAA. O primeiro desses projetos que encabeçou a mudança é o super recente A Link Between Worlds (3DS).


Criado a partir de um protótipo onde Link poderia se mesclar às paredes, o título de 3DS criou novas mecânicas, entre elas o aluguel de itens, que deu ao jogo a tão esperada não linearidade. Com a novidade, era possível alugar os itens que você quisesse para visitar as dungeons em qualquer ordem. Além disso, o valor das Rupees ganhou grande importância, já que a morte resultaria na perda do que o jogador tinha alugado.

Por fim, ao se passar como uma sequência de A Link to the Past, os mundos da luz e da sombra (Hyrule e Lorule) retornaram em um cenário similar, apelando para a nostalgia dos fãs e incentivando a exploração. E a fórmula deu certo: o jogo vendeu muito bem para um portátil, num total de 4 milhões de unidades, dando carta verde para a exploração da liberdade na franquia.

E, enfim, a liberdade foi a palavra que revolucionou The Legend of Zelda.

2017: a revolução

Buscando dar liberdade aos jogadores e novos ares à franquia, começou o desenvolvimento do segundo título AAA da Nintendo, que reuniu uma gigante equipe de desenvolvimento e grandes quantias de dinheiro. Em 2013, foi dado o kick-off do desenvolvimento do que seria o novo Zelda para Wii U. Aqui, o imenso foco na exploração, a história envolvente e o mundo aberto seriam as chaves para entregar o maior título já feito para a franquia.

Ao reunir todas as ideias do time de desenvolvimento, muitas possibilidades de enredo chegaram a ser consideradas. Entre elas, uma invasão alien em Hyrule, Link nos tempos modernos, andando de moto em busca dos instrumentos musicais e até um cenário de exploração espacial. Ainda bem que foi mantido o aspecto medieval e fantástico da franquia.


A equipe contou com o apoio de estúdios first-party como a Monolith Soft, cheia de experiência em jogos de mundo aberto, principalmente pelos jogos da Xenosaga. Além disso, outros jogos desenvolvidos no ocidente como The Elder Scrolls V: Skyrim (Switch) foram utilizados como referência para o desenvolvimento.

Basicamente, mudou-se o padrão usado de muitas dungeons principais e longas para apenas quatro, disponibilizando vários outros desafios pequenos pelo mapa que se tornariam as Shrines. A ideia inicial era desenvolver um mundo do tamanho de Twilight Princess, mas o que a Nintendo não percebeu é que fizeram um mundo doze vezes maior.

Planejado para 2015, Breath of the Wild foi adiado em uma publicação de Eiji Aonuma nas redes sociais — assim como Metroid Prime fez recentemente. Segundo ele, as possibilidades de desenvolvimento e exploração foram tantas, que o time resolveu refiná-las e dar ao jogador uma experiência mais completa e polida.

Os quatro anos de desenvolvimento levaram a The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch), o mais recente, ambicioso e magnífico título já feito para a franquia. Sua ousadia em inovar e criar um título AAA voltado à exploração entregou uma experiência completa tanto para o Oriente como para o Ocidente, e as vendas decolaram: foram 18 milhões de unidades vendidas até o momento, transformando-o, de longe, no jogo mais vendido da história de Zelda.

E o que vem depois?

O caminho da franquia Zelda foi longo até aqui, e certamente ainda não terminou. Breath of the Wild abriu muitas portas que nunca serão fechadas e, diferentemente de Ocarina of Time, não criou um padrão fixo e insuperável, mas sim uma série de inovações que podem levar a franquia para diferentes patamares no futuro. Se uma palavra pudesse definir o desenvolvimento durante esses 35 anos, essa palavra é o aprendizado, o qual permitiu que as tentativas de sucesso levassem ao refinamento atingido no título de Switch.

Ainda nesta semana especial em comemoração ao aniversário da franquia, conversaremos sobre “o que vem depois de Breath of the Wild”. Enquanto isso, por que você não deixa nos comentários o que achou desse especial em duas partes? Obrigado pela leitura!

Revisão: Felipe Fina Franco
Referências obtidas da Zelda Wiki


Fã de games desde pequeno, quando começou sua jornada com Mario e Zelda lá no SNES. É formado na área das engenharias e trabalha com desenvolvimento de software.
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