MegaDriver: os pioneiros do game metal no Brasil

O amor por games e música que corre o mundo.

em 14/02/2021


Para quem acha que seguir seu sonho de infância é um delírio, a história da MegaDriver é uma grande prova de como sonhar faz bem. Antonio Francisco Tornisiello, o Nino, jogava seus games e já sabia que aquelas trilhas mereciam ser tocadas por uma banda de verdade. E perseguiu esse objetivo até conseguir. Quando outros músicos rejeitaram sua ideia, gravou sozinho seus primeiros projetos, no já distante ano de 1999. A popularidade alcançada abriu caminho para finalmente se formar uma banda completa, surgindo, em 2003, a pioneira em game metal do Brasil.


Com uma forte relação com a internet desde o princípio, o nome MegaDriver se firmou com o público de game music, com a imprensa especializada e até mesmo com a busca do Google: pode fazer o teste, o grupo surge como o primeiro resultado. Se você ainda não conhece a banda, esse papo com o Nino vai te convencer fácil a correr para o YouTube e para o site dos caras.

Nintendo Blast: Vocês passaram por grandes transformações ao longo da carreira e agora, com a pandemia, também adotaram o formato de lives. Como foi essa experiência?

Nino: Hoje, no mundo gamer, a palavra "casual" entrou na cena, né? Acho que, em vários aspectos na nossa vida, existem os caras "casuais" e aqueles que transformam a coisa toda em estilo de vida. Eu sou assim com Heavy Metal e games. Isso é o meu estilo de vida! Quem leva a vida assim, fora do status quo e do que é o tradicional, está acostumado com superação, com a vida às vezes te mandar chorume na cara, você bater no liquidificador e tomar como se fosse vinho francês! Se por um lado ferrou, não dá mais, você muda de direção e tenta transformar a coisa em algo produtivo. Já dizia o amigo de cruz do Brian [referência ao filme A Vida de Brian, do grupo de humor Monty Python]: always look on the bright side of life ["sempre olhe pelo lado positivo da vida"]. Então, a MegaDriver na pandemia está sendo isso! Ferrou tudo, acabaram os shows, acabaram os eventos e o que mais a gente curtia, que era sentir o calor da galera. Porém, do lado ultrapositivo, passei a fazer lives. E na real? Amei! Tem sido realmente um tesão! Em uma das lives, via Twitch, o canal da Sega deu host na nossa stream, foi muito louco. Em outra, a gente ligou até para Barry Leitch, o compositor de Top Gear, no meio da parada. Foi o máximo!

NB: Como a banda equilibra a nostalgia das trilhas de games antigos com as novidades?

Nino: Nostalgia só sente quem deixou de ter contato com a parada, daí os anos passam e quando volta a ver aquilo, relembra os momentos bons. Então, como é que um cara como eu vai sentir nostalgia se jogo esses games pelo menos uma vez por dia? Haha! Mas para ser sincero, temos zero preconceito. Para nós, um jogo bom é um jogo bom, não interessa sua idade. O que rola é que, fatalmente, jogos mais antigos, pela limitação tecnológica da época e por questões de jogabilidade mesmo (fases curtas), as músicas tinham melodias mais evidentes, mais curtas e as linhas fechadas em instrumentos base. Nos jogos atuais, com fases mais longas, com áudio mixado, as músicas muitas vezes tendem a ter melodias mais amplas, distribuídas em várias linhas, muitas vezes orquestradas, mais sutis por se tratar mais de uma ambientação do que uma trilha sonora mesmo, e por aí vai. Por isso, é mais evidente que, para uma banda criar uma versão, um jogo clássico se torna muito mais "apetitoso". Mas música é música. Não é difícil adaptar um tema originalmente criado em chiptune para um instrumento real, com tecnologias e técnicas (em questão de estilo) modernas. Metal sempre foi metal. Um exemplo disso? Escute a trilha de Thunder Force IV. É thrash metal da melhor qualidade, é só pegar sua banda e (tentar) tocar!

NB: Como é sua relação com os games atuais?

Nino: A melhor possível! Eu consumo tudo o que me agrada no meio gamer. Só não comprei o PS5 porque ainda não me conformei em vender meu carro! Mas a tentação está grande... ainda mais depois de ver como ficou sensacional o Demon Souls! Lógico que às vezes, na nossa rotina diária, é mais prático jogar uma run de um game clássico pela rapidez e praticidade. Porque para jogar algo moderno é quase 10 minutos só para começar, né? Liga o console, atualiza, abre o jogo, loading para a tela de abertura, aperta start, loading para a tela do menu, daí loading no seu save, daí tenta achar uma match... Mas uma coisa preciso falar: o que eu mais quero é me distanciar dessa galera que acabou ficando tão chata que quando você mostra algo, manda aquela do "mas na minha época era melhor". Minha vontade, quando eu vejo aqueles memes bestas do tipo "jogador de Fortnite não passa da primeira fase de Contra", é falar para o cara tentar fazer o contrário, tentar entrar numa partida de Fortnite para ver quantos segundos ele dura! Fora que essa molecada de hoje está fazendo horrores. Quem conhece a cena dos speedrunners vai concordar comigo... Então, quem fica nessa briga de geração, para mim é igual ao tio da Sukita.

NB: Os instrumentos customizados, como a Sonic Guitar e o Thunder Bass, tornaram-se uma espécie de marca da banda. Há intenção de novos modelos?

Nino: Lógico! Inclusive eu já construí uma nova guitarra em formato de um Goku soltando um Kamehameha! Acontece que... covid. Infelizmente, foi um projeto que fiz para divulgar nos shows, que por causa da pandemia acabou ficando um pouco escondido. Mas já passei a usar nas lives, em seções onde toco algumas músicas da série.
Alguns dos instrumentos característicos da banda
NB: Há quase dez anos a maioria dos downloads no site da banda eram do exterior, o que levou vocês a tocarem lá fora. Como está essa relação com o mercado internacional hoje?

Nino: A popularidade da game music cresceu de forma uniforme no mundo inteiro, o que é muito bom. Então, a proporção ainda é a mesma. Nossa maior audiência ainda é nos EUA, mas o Brasil segue firme e forte, juntinho. É graças a essa audiência internacional que consigo me manter ativo comercialmente. Falo, claro, dos serviços de streaming e download como Spotify, iTunes, Deezer, Bandcamp. No Brasil, as pessoas ainda estão se acostumando a contratar este tipo de serviço, mas lá fora isso é muito comum. Antigamente, nosso foco eram os downloads no website, mas hoje é principalmente Spotify. Nós temos uma das melhores audiências do cenário da game music por lá. Aliás, é bem interessante ressaltar que a relação das bandas de game music hoje em dia é um "ganha-ganha". Hoje em dia nós compramos a licença da composição original para podermos lançar o cover nas plataformas. Logo, quando você escuta ou compra uma música de uma banda como a MegaDriver, nós ficamos com a nossa parte pelo remix e performance, e os detentores dos direitos autorais recebem também sua quota. É um "ganha-ganha" extremamente saudável para nossa cena.

NB: Sendo pioneiro, como você vê a evolução do cenário de game music ao longo desses anos? E onde gostaria que a cena chegasse?

Nino: Cara, eu arrepio ao dizer que acho a evolução do nosso cenário sensacional! Você sabe que no meio do Metal sempre tem aquela coisa do underground ser melhor, né? A ponto da galera parecer até torcer para uma banda ou estilo não se tornar popular (ou mainstream) porque, se virar, o cara vai dizer que parou de curtir. Comigo não é assim. Eu saio gritando a todos os cantos que, se você é músico e curte games, grave sua versão e divulgue! Quanto mais pessoas tiverem curtindo músicas de games, criando remixes ou covers, melhor para todos. E é exatamente isso que vem acontecendo. Cada vez mais temos bandas e pessoas gravando temas. Isso é sensacional! Nos Estados Unidos existe um festival chamado MAGFest, no qual tivemos a honra de tocar. É tipo a meca da game music, um evento de cinco dias. Gostaria que cada país, principalmente o Brasil, tivesse um evento como esse. É realmente meu maior sonho atualmente.

NB: Um lançamento recente da banda é uma canção com a temática de Pitfall. Como é voltar-se para um jogo que praticamente não possui trilha?

Nino: Sempre fui fã de bandas nacionais, que cantam em português. E nosso vocalista, Allan Big Thunder, muito mais do que eu. A ideia e a letra foram criações sensacionais dele. Certa época, fizemos uma pesquisa para tentar descobrir qual teria sido o primeiro jogo a ter realmente uma trilha sonora e chegamos na conclusão que foi o Pitfall 2 (Atari 2600). Isso não é sensacional? Daí a ideia de criar uma música, inspirada em um jogo importante para a história da game music, mas que teria inicialmente nascido sem um tema, ficou evidente. Então, escolhemos o primeiro Pitfall para esta homenagem. Nós somos muito patriotas (não confunda com nacionalista) e a escolha do idioma não poderia ser outro a não ser o português.

NB: Para terminar, tenho duas provocações. Primeira: no meio de mascotes fofinhos, como Mario e Sonic, o clássico mais heavy metal de todos é Altered Beast? Ou seria Golden Axe?

Nino: Sem polêmicas: Golden Axe. Este foi praticamente o jogo que me convenceu a tentar tocar as músicas na guitarra. Não tem como. Além da temática ser extremamente Metal, com guerreiros medievais, lutas épicas, etc, a trilha sonora é puro Iron Maiden! Claro que nós tivemos outros jogos com trilhas assumidamente heavy metal, como Thunder Force IV, MUSHA, Hard Corps, etc, mas Golden Axe foi um divisor de águas na minha vida neste sentido.
O poderoso Thunder Bass em ação
NB: Última provocação. Com tanta inovação no sangue, é possível vermos a MegaDriver misturando outros ritmos ao heavy metal da banda, como axé ou forró?

Nino: Bom, vou deixar a minha provocação também. Quando era mais jovem eu me diverti muito mais numa festa de forró do que nos quatro shows do Dream Theater que fui. Eu literalmente dormi nos quatro shows dos caras! Por que estou dizendo isso? Porque eu acredito que música se faz com o coração, com a alma. Virtuosismo não é tudo na música. Se você faz com o coração, com seu sentimento sincero, independente do estilo, você tem meu respeito. Muitas vezes a galera esquece que é sim possível você ser fã de Malmsteen, mas também saber respeitar o Ximbinha. Cada um na sua, no seu estilo, fazendo aquilo que gosta de forma sincera. Mano, como headbanger, a gente sofria um zilhão de preconceitos bobos, então por que a gente vai sair vomitando preconceito também? Não faz o menor sentido pra mim. Tenho zero preconceito com axé, forró, funk, pop, ou qualquer outro estilo que não seja metal. Só não faz meu gosto pessoal. Sem demagogia, é simples assim. Hoje eu não me identifico muito em fazer algo em axé ou forró a não ser que fosse uma ocasião especial... Então... Alô, Timbalada! Se quiser fazer uma versão do tema do Blanka com MegaDriver, estamos aí!
 
Revisão: Vladimir Machado

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Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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