Conversamos com LongHat House, o estúdio que conquistou o mundo com Dandara - parte 2

O estúdio de Dandara fala sobre a produção de games no Brasil.

em 28/02/2021


Nas últimas semanas, o Nintendo Blast está conversando com pessoas envolvidas nos mais diferentes aspectos do universo gamer, como as bandas GameBoys e MegaDriver. Agora é hora de conversar com os desenvolvedores brasileiros, cuja participação nesse mercado tem crescido e se fortalecido como nunca antes. Mais ainda: seus jogos têm se destacado nas grandes premiações, chamando atenção da mídia, da crítica e dos consumidores.


Hora de continuar a conversa com Lucas Mattos, cofundador da LongHat House. Os caras conquistaram o mundo com Dandara, que ganhou recentemente a expansão Trials of Fear. Apesar de estarem extremamente ocupados, Lucas gentilmente aceitou conversar conosco sobre o universo gamer e os próximos e promissores passos do estúdio. Não deixe de ler também a primeira parte desse bate-papo.

Nintendo Blast: Como se destacar nesse oceano de opções que os jogadores têm à disposição?

Lucas: Isso é realmente complicado, e é um problema que todos os desenvolvedores enfrentam todos os dias. Difícil dar uma resposta certa pra isso, e quero deixar claro que é o meu achismo! Creio que as bases para isso são várias: uma delas é entender o que de bom e de ruim os integrantes da equipe conseguem fazer, e trabalhar pensando nisso! Por exemplo: nada de fazer um jogo com muito foco no enredo e muito diálogo se ninguém da equipe tem experiência e interesse na arte de escrita. Entender que é melhor fazer um jogo menor para aprender como fazer algo que vai te direcionar para os seus sonhos.

Outra questão é buscar inspiração em coisas que não necessariamente sejam jogos. Buscar inspiração no que você vê na vida, em conversas locais, em mídias locais. Entender que essas experiências coletivas são muito valiosas e interessantes, e que, entre todas as pessoas do mundo, é você quem teria a maior facilidade de fazer um jogo sobre elas!

E finalmente, acho importante focar na experiência do jogador, mais do que nas qualidades individuais de cada campo criativo. Muitos devs acabam se esquecendo disso, mas não adianta focar 100% em músicas incríveis, ou numa arte espetacular, ou um roteiro super criativo — o que os jogadores buscam são experiências valiosas para seu tempo (e olha lá que, muitas vezes, arte, som, música, roteiro, jogabilidade, podem até deixar a desejar, e o jogo pode ficar incrível!). Claro que, para atingir isso, não existe fórmula. Mas é um balanço delicado entre todos os ramos e como elas interagem entre si, e, pelo menos para a gente, uma das coisas mais importantes para isso é o Game Design — não confundir com Design Gráfico! É a área de conhecimento sobre as regras de um jogo, como os elementos são organizados, apresentados, como acontecem as interações e como isso muda a experiência do jogador, é o que mais diferencia games de outras mídias! E, acredito eu, o que mais diferencia jogos entre si também.



NB: Estar sediado no Brasil, longe dos grandes produtores e publishers mundiais, é um obstáculo muito grande? E quais as vantagens de estar em casa?

Lucas: É um obstáculo enorme! Em um país com muitos problemas em seguridade social, onde se arrisca muito ao buscar uma carreira tão incomum e instável, essa distância das publishers e produtoras torna o risco ainda maior. Apesar disso, na produção independente, temos algumas vantagens! Onde ser e fazer diferente é um dos fatores mais importantes, temos potencial para isso de sobra! Estar aqui é estar inserido em uma fonte muito inexplorada de inspiração, de temáticas, de diferenças, de novidades — e as publishers tem notado isso.

NB: Há uma preocupação em colocar um tempero brasileiro no seu produto ou isso é natural e inevitável?

Lucas: Com o Dandara é claro que há! Temos uma atenção especial com isso, mas acredito que seja natural e inevitável para qualquer desenvolvedor, principalmente independente, colocar um pouco de si e da sua cultura.



NB: Consoles sempre foram uma diversão cara no país. Qual a importância dos smartphones para o mercado?

Lucas: Essa é mesmo uma questão difícil. Dependendo do público que você mais deseja atingir, é impossível fugir dos smartphones como uma forma de deixar seu jogo mais acessível. Estamos chegando num momento em que jogos são um tipo de mídia extremamente difundido, e os smartphones ajudam demais com isso!

NB: Conseguir um kit de desenvolvimento para um dos grandes consoles é um boss no nível very hard?

Lucas: Hahah, pode ser, viu? Mas depende bastante da situação do desenvolvedor e da plataforma em questão. No nosso caso, tivemos que pegar o Switch quando estávamos em um evento no exterior (a GDC), pois a Nintendo ainda não enviava para o Brasil, ou seja, algo completamente fora do nosso alcance se não tivéssemos acordo com a Raw Fury (nossa publisher) naquele momento.

Acredito que, hoje, a Nintendo já envie, e sei que a Microsoft faz também, o que facilita muito, mas temos que considerar também que comprar um Dev Kit pode não ser barato, custo que em alguns casos as plataformas ou publishers cobrem, mas nem sempre. Algumas vezes, devs conseguem transferir os kits uns pros outros (quando não precisam mais), ou conseguem compartilhar o mesmo kit, mais um motivo pelo qual é sempre muito bom estar perto de outros devs!

Algo que tem acontecido muito hoje também são acordos com outros estúdios que fazem a portabilidade do jogo, e por mais que isso tire um pouco aquele carinho do dev com seu jogo, nem sempre é tão ruim quanto parece! Mas no fim o dev kit em si, apesar de ajudar demais, é dificilmente o maior obstáculo para lançar em um console: o principal é chamar a atenção e conseguir um acordo com as plataformas.

NB: Grandes investidores e publishers olham diferente para um projeto por ser de uma produtora brasileira?

Lucas: Olha, eu não posso responder por eles, né!? Mas acredito que existam diferenças sim, umas que pesam de forma positiva e outras de forma negativa. Seja na forma de trabalhar, na distância para participar de eventos e reuniões, na familiaridade com nossa cultura, nos custos, na criatividade, nas temáticas e na representatividade. Acho que eles devem ver questões assim em todas as equipes de qualquer origem, mas que provavelmente diferencia um projeto brasileiro de um europeu, por exemplo.


NB: Networking é essencial tanto para quem quer ingressar quanto para sobreviver no mercado. Os estúdios brasileiros possuem uma rede de ajuda mútua e troca de experiências?

Lucas: Não existe uma rede única. Existem grupos em redes sociais, Discord, WhatsApp, nos encontramos em eventos locais, nacionais e até internacionais, e tem também algumas associações oficiais como a Abragames ou, em Minas Gerais, a GAMING. Uma vez inserido nesse contexto, realmente fica muito mais fácil buscar outros devs para trocar ideias e tirar algumas dúvidas!

Sempre achei nossa indústria bastante receptiva, e ir em eventos e conhecer outros devs pessoalmente faz a maior diferença! Mas infelizmente os eventos nem sempre são acessíveis. Dito isso, buscar desenvolvedores online também funciona, a maioria está disposta a dar uma força, seja pelo twitter, ou por e-mail por exemplo!

NB: Há um amadurecimento no mercado de games aqui no Brasil?

Lucas: Claro! Não estamos parados, hoje temos uma grande diversidade de formas em que as empresas, estúdios e desenvolvedores independentes trabalham. Temos também estúdios e franquias mais sólidos ou se solidificando! Mas ainda temos uma boa caminhada para alcançar um ambiente de desenvolvimento mais seguro, com mais possibilidade de trabalho, investimento e reconhecimento.

NB: O que faz a sua empresa ser o que ela é? Qual a sua marca registrada?

Lucas: Isso está no nome! LongHat House, “a casa da cartola grande”, cartola dessas que um mágico usa, sabe? O que levamos para vida é que se você já soubesse o que fosse sair da cartola, o show não teria a menor graça. O mágico tem que ser surpreendente, e é isso que queremos ser! Nossos projetos podem ser bem diferentes uns dos outros, mas alguns padrões que devem surgir estão nessa nossa atenção crescente à brasilidade, ao cotidiano, ao pessoal, e uma baita vontade de surpreender pelo Game Design!

NB: Qual título do estúdio não é tão comentado, mas os gamers deveriam conhecer? Por quê?

Lucas: Bom, só temos um além do Dandara! O Magenta Arcade (para Android e iOS), mas não posso pedir para que o conheçam. Infelizmente, enquanto focamos no Dandara, as tecnologias com as quais desenvolvemos o Magenta se tornaram antigas demais, e ficou muito difícil de manter o jogo, por isso não dá pra encontrar em mais nenhuma loja hoje.

Mas é um projeto que amamos ter feito, é um jogo de celular onde a tela se torna uma janela para o mundo do jogo. A ideia é que funciona como um shoot'em up (clássico “jogo de navinha”), mas onde a nave é seu dedo, ao colocá-lo na tela para atacar - através de tiros poderosos que saem do seu dedo - ele fica vulnerável aos ataques inimigos, e ao tirar você fica imune.

NB: Com um orçamento liberado e prazo sem deadline, o que você faria?

Lucas: Chamaria um monte de gente, das mais diversas e dos mais variados ramos para trabalhar com a gente! Em que projeto ainda não sei. A graça de desenvolver é o desenvolvimento, não temos tanto aquela ideia de projeto dos sonhos, o que gostamos mesmo é de como as soluções e as propostas surgem durante os projetos, mas trabalhar com mais gente, e com pessoas de áreas mais variadas, podendo cada um focar no que adora e no que é melhor, seria bom demais!

NB: Quais são as ambições do estúdio para os próximos anos?

Lucas: Além de conseguir fazer um novo projeto muito legal, a própria LongHat é um projeto que queremos desenvolver daqui pra frente, entender como vai ser trabalhar aqui, tentar criar um ambiente que faça bem e que nos faça melhores não só para a gente, mas para todo mundo que futuramente trabalhar aqui!

NB: Sem querer estragar nenhum anúncio ou provocar quebra de contrato, sobre o que será seu próximo projeto? Temos chance de tê-lo no Switch?

Lucas: Ainda estamos na fase de protótipo para o próximo projeto. O Dandara nos deu uma liberdade única para ficar nessa fase por um longo tempo, o que está sendo bem legal. Já pensamos em fazer o Magenta Arcade 2, já pensamos em fazer jogo de canoagem, já pensamos num monte de coisa! Mas esperamos conseguir anunciar algo legal em breve pra vocês! Se depender da gente e se o Switch não tiver muito velho — porque, né, sem prazo (risos) — vai ter no Switch sim!

Revisão: João Gabriel Haddad
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Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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