Análise: Balancelot (Switch) é ridiculamente criativo, frustrante e desastrado

Um experimento fantástico com uma execução terrivelmente frustrante gerou um inusitado jogo de plataforma.

em 24/02/2021



Ousado, experimental e com uma arte muito própria, Balancelot, disponível para PC (Steam) desde maio de 2019, definitivamente não é só mais um jogo de plataforma 2D que chega à biblioteca do Nintendo Switch, mas isso não significa que ele conseguirá se destacar.


O jogo independente desenvolvido pela AnvilBird Interactive em parceria com a Ratalaika Games experimenta e desenvolve uma mecânica muito particular dentro do gênero plataforma e possui uma personalidade estética inconfundível em traços visuais, enredo e trilha sonora. Contudo, o que tem a oferecer pode não ser o suficiente para chamar a atenção do grande público de jogos indies no híbrido da Nintendo e, ainda que o faça, pode, por boas razões, decepcioná-lo.

Confira quais são os altos e baixos dessa adição à extensa biblioteca de platformers do Nintendo Switch e descubra se você pode tirar algum proveito de sua proposta desafiadora, fantástica e maluca.

Gameplay interessante, mas mal projetado

A jogabilidade de Balancelot poderá lembrar a de alguns jogos de consoles recentes da Nintendo que fizeram uso do giroscópio para equilibrar um personagem em plataformas. Um exemplo conhecido a esse respeito é o da adaptação de Metal Gear Solid 3D: Snake Eater (3DS). Nesse jogo da Konami, quando Snake atravessa pontes instáveis e galhos, entre outras plataformas que requerem equilíbrio, o jogador precisa, além de utilizar o botão para andar, também manusear o 3DS em suas mãos de modo a não deixar que Snake se desequilibre e caia.
Snake, em Metal Gear Solid 3D, equilibrando-se sobre uma fina barra de ferro
Nesse sentido, algo que não dá para se dizer de Balancelot é que ele possui um gameplay genérico de side-scrolling, uma vez que se baseia em uma mecânica muito particular durante os saltos e os combates nesse formato: o equilíbrio do protagonista em um monociclo.

Porém, tratando-se de um jogo também lançado para PC, a procura constante de equilíbrio em Balancelot é implementada apenas pelo uso do analógico, fazendo o personagem se inclinar mais para frente ou mais para trás. Ainda que o simples movimento do personagem para frente ou para trás (pelos botões L e R), quando em descidas ou subidas, possam fazê-lo oscilar automaticamente para uma das duas direções possíveis.




Ao tocar no chão, o personagem morre e o jogo recomeça do último checkpoint, mas a morte pode ainda ocorrer pelo ataque de inimigos ou por tocar outras partes do personagem em objetos do cenário, como, por exemplo, ao bater a cabeça neles.




Fora o monociclo, o único ponto do personagem que pode tocar com segurança outros objetos é a lança. Tal equipamento pode servir para empurrar objetos no caminho, como troncos, de modo a formar um caminho para seguir na jogatina, ou ainda pode ser utilizado para desferir golpes em inimigos.

Contudo, também alguns inimigos podem aparecer por trás do personagem, sendo impossível derrotá-los nesse caso. Isso ocorre, por exemplo, com uma criatura em forma de Sol que se movimenta rapidamente para frente e para trás e que, mesmo que o tenha matado, pode ser que reapareça após o jogador retornar a um checkpoint.




O conceito mecânico de Balancelot é interessante e pode vir a dar bons frutos em algum título que se inspire neste, talvez dos mesmos desenvolvedores. Mas, como quase tudo neste jogo, foi subutilizado e mal executado. As fases são elaboradas em um formato muito típico, em relação à sua extensão, locais de checkpoint e bandeira de chegada. O equipamento do personagem não muda, embora seja possível imaginar muitas alternativas interessantes que pudessem enriquecer o gameplay para além do uso da lança.

O level design das fases, por sua vez, não faz muito mais do que requerer alguns empurrões de objetos com a lança, pulos no tempo certo e muita, muita paciência. Por fim, os combates presentes no jogo também são muito limitados, pouco criativos e lentos. Essa última característica decorre do fato de que o jogador não conseguirá facilmente atacar ou se desviar do inimigo sem perder o equilíbrio e morrer.

Parte do problema poderia ser resolvido ao se pensar em um formato mais interessante para as batalhas, mesmo que em uma dinâmica mais lenta. Adicionalmente, também faz falta um modo de diminuir a sensibilidade dos botões para facilitar o equilíbrio do jogador, pois o jogo sequer possui níveis de dificuldade como fácil, médio e difícil.

Uma reimaginação desastrada da estética medieval

Quanto à arte visual de Balancelot, parece buscar inspiração nas iluminuras dos manuscritos medievais e o tom de sua narrativa remete às histórias cavalheirescas do medievo e da primeira modernidade, como o clássico Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Ademais, elementos como o monociclo que define a mecânica principal do jogo e os confetes que aparecem ao chegar em um checkpoint dão um tom cômico ao protagonista enquanto um cavaleiro jocoso e desastrado.
Iluminura do século XV contida nos manuscritos de Philippe de Mazerolles
Todas essas ideias, por si só, podiam terminar em coisas muito interessantes, mas infelizmente não é o caso. Os traços dos desenhos de Balancelot são demasiadamente simples e, se muito, podem ser considerados péssimos exemplares de arte naïf que quase passam mais por desenhos infantis que por paródias da arte medieval.




Ainda quanto ao visual, a título de comparação, um metroidvania indie de 2015, Apotheon (Multi), desenvolvido pela Alientrap, fez um trabalho de reimaginação artística muito superior se analisada a fidelidade e a engenhosidade em relação aos traços artísticos originais; no caso de Apotheon, tendo como referência os desenhos das ânforas gregas. Assim, apreciando o cuidado que tiveram com as imagens do jogo da Alientrap e observando a riqueza das pinturas medievais, é triste constatar a grande potencialidade imagética que Balancelot deixou escapar em sua execução.
Imagem de Apotheon em um momento de caçada
O trabalho sonoro, por sua vez, também deixa a desejar. Embora as músicas funcionem ao dar um tom dançante e animado, suas linhas melódicas são repetitivas, e é preciso passar muitos níveis até que a música do cenário mude.




A narrativa também é outro ponto fraco do jogo. Apesar de muitos elementos narrativos do medievo e da primeira modernidade serem hoje considerados recursos simples de enredo, isso não significa que as histórias cavalheirescas, por exemplo, possam ser resumidas a um amontoado de clichês.

Contudo, Balancelot não soube aproveitar o melhor dessas histórias: apesar de seu tom cômico agradável, sua narrativa é extremamente linear, não é bem integrada à jogabilidade que lhe é tão própria. Além disso, os personagens não são carismáticos nem em suas expressões gestuais (quase nulas) nem em suas linhas de diálogo. Todos esses problemas são observáveis nas ocasionais cinemáticas do jogo, que praticamente são utilizadas como o único recurso para contar sua história.




Problemas técnicos por todos os lados

Não bastando o gameplay limitado, o enredo rudimentar e o visual questionável, o jogo apresenta uma porção de problemas técnicos nesses âmbitos; a começar pelo fato das legendas passarem automática e rapidamente durante as cinemáticas que, reitero, são praticamente o único recurso para acompanhar a história! Isso é ainda mais grave para aqueles que não forem nativos nas línguas disponíveis do jogo, e o português não é uma delas. Embora, sinceramente, mesmo em português não fizesse tanta diferença, dado que o jogo requer que o jogador leia na mesma velocidade uma extensa oração com várias vírgulas e uma outra com umas poucas palavras.

Por sua vez, o jogo, mesmo com uma movimentação extremamente limitada, ainda apresenta problemas gráficos e de física que agravam a apreciação de sua estética. Vamos ficar em apenas um exemplo que resume muito de seus problemas: na quinta fase, onde há um cenário majoritariamente aquático, surge e reaparece, em um padrão bem claro, uma barra azul acima do nível da água que não possui qualquer função na arte ou no gameplay. Nessa fase ainda, vários peixes, em formato de plataforma, por vezes flutuam pelo cenário de uma forma muito estranha. Problemas semelhantes estão presentes também em outros momentos do jogo.




Os problemas de física também se estendem ao gameplay. O jogador muitas vezes pode fazer saltos bizarros com o monociclo e a lança do personagem, que serve como arma corpo-a-corpo contra certos inimigos, acaba muitas vezes servindo de bastão de atletismo ou de sólida plataforma para inimigos gigantes.




Balanço final

Balancelot é um inusitado experimento do gênero de plataforma em side-scrolling com base em uma ideia simples, criativa e artisticamente bem inspirada, mas que infelizmente deixa muito a desejar quanto à execução de suas mecânicas, gráficos, física e mesmo com relação à sua história. De todo modo, para uma jogatina casual, a quem se interesse por arte medieval ou por mecânicas experimentais de plataforma, o jogo pode cativá-lo por algum tempo.

A quem vá experimentar Balancelot, uma última dica: convém fazê-lo em momentos nos quais se esteja bem relaxado e com um pouco mais de tempo, especialmente nas fases mais avançadas, pois não é possível desligar o jogo e depois retornar a um checkpoint no meio da fase. Quando retornar ao jogo, terá de recomeçar o nível.

Prós

  • Algumas boas músicas;
  • Temática bem inspirada;
  • Tom cômico agradável;
  • Gameplay único.

Contras

  • Problemas técnicos em gráfico, física e mais;
  • Visual demasiadamente simples e pouco dinâmico;
  • Level design pobre de modo geral;
  • Enredo fraco com personagens sem carisma;
  • Progressão muito repetitiva e terrivelmente frustrante;
  • Mecânicas pouco precisas;
  • Sem opções de dificuldade.
Balancelot – PC/Switch – Nota: 5.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games
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Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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