Poder experienciar uma aventura do dragãozinho Spyro no conforto de um videogame portátil era considerado apenas um sonho distante para os jogadores. Esse desejo persistiu até o momento em que Spyro: Season of Ice foi lançado para o Game Boy Advance em outubro de 2001.
A aguardada estreia do dragão no mundo dos portáteis marcou a primeira vez em que um jogo da franquia foi desenvolvido sem a participação da Insomniac, desenvolvedora responsável pela trilogia original no Playstation 1. Agora nas mãos da Digital Eclipse Software, a série precisou encarar uma difícil transição para os portáteis da Nintendo.
Mudança de estação
Depois que a Insomniac entregou os direitos de Spyro nas mãos da Universal Interactive Studios no início dos anos 2000, a franquia acabou passando por um conturbado período de sequências decepcionantes e reboots que não chegavam nem perto de capturar a essência que fazia o mascote brilhar tanto no PS1.Enquanto os jogadores dos consoles de mesa se frustravam com os péssimos Enter the Dragonfly (PS2/GC) e A Hero 's Tail (PS2/GC), os donos de Game Boy Advance tiveram um destino bem menos cruel com a chegada de uma trilogia de jogos decentes para o humilde portátil.
Season of Ice, o primeiro dessa leva secundária de títulos, seria lançado como um dos primeiros jogos do catálogo, até então escasso, do Game Boy Advance. A aventura atingiu com facilidade um sucesso de vendas suficiente para gerar duas sequências e diversos spin-offs para o mesmo portátil nos anos seguintes.
Férias geladas
Spyro: Season of Ice é uma sequência alternativa para os eventos de Spyro The Year of the Dragon (PS1), no qual Spyro e seus amigos tentam tirar férias que em pouco tempo seriam frustradas pelo pedido de socorro da fada Zoe. Ela diz que um feiticeiro misterioso conhecido como Grendor invadiu o reino das fadas e aprisionou todas elas em cápsulas de gelo. Diante do ocorrido, Spyro precisa salvar mais uma vez o dia antes de tirar suas merecidas férias.A jogabilidade do título tenta simular o estilo collectathon 3D dos jogos de console, porém com adaptações feitas para compensar o hardware limitado do GBA. O objetivo aqui é salvar as fadas aprisionadas pelos quatro mundos principais que servem como hubs para acessar os diferentes níveis do jogo. Cada mundo contém cerca de 5 a 6 níveis que por sua vez apresentam mais fadas e jóias a serem coletadas.
Praticamente tudo funciona da mesma forma que na trilogia original. Spyro pode correr com uma poderosa investida, planar por um certo tempo e queimar os inimigos com labaredas de fogo. Até alguns minigames remanescentes da trilogia original também retornam, como por exemplo as fases especiais de voo e os níveis onde controlamos a libélula Sparx dentro de um labirinto.
Até hoje o estilo gráfico de Season of Ice continua lindo e agradável de se olhar, algo deveras impressionante para um dos primeiros títulos da biblioteca do portátil. O único defeito é que alguns níveis contam com fundos enjoativos que podem irritar e confundir o jogador. Apesar da mudança no cargo de compositor chefe, a trilha sonora também mantém o mesmo estilo característico da trilogia original e apresenta novas composições sem a perda de qualidade.
Em suma, o jogo adapta quase que perfeitamente as melhores e piores características dos jogos da Insomniac dentro das limitações impostas pela capacidade gráfica do GBA. Você vai encontrar a mesma história galhofa, a mesma temática de fantasia e a mesma sensação prazerosa que sentimos ao coletar todas as joias de uma fase. Não há nada de especial ou inovador, porém isso não deve ser um problema se você gosta dessa fórmula.
Transição complicada
Para o bem ou para o mal, o principal fator que de fato impediu Season of Ice de se tornar um grande sucesso de críticas foi a sua perspectiva isométrica extremamente problemática. Considerando que apostar nesse estilo de câmera foi a única maneira de chegar perto do estilo de um Collecthaton tridimensional no hardware limitadíssimo do GBA, pode-se dizer que a Digital Eclipse fez o que podia para tentar ser fiel ao material original.Assombrado por uma péssima percepção de profundidade nas suas sessões de plataforma 3D, Spyro: Season of Ice acaba virando um jogo punitivo e estressante pelos motivos mais errados possíveis. Definir a altura exata de uma plataforma é sempre um mistério que nunca fica claro para o jogador, então prepare-se para perder dezenas de vidas caindo em buracos por pura bobeira.
Se ainda não bastasse, o level design de vários níveis é lotado de abismos e plataformas escondidas fora da sua visão padrão. Se você quiser achar tudo dentro de um nível, é preciso parar em cada esquina suspeita para virar a câmera de forma lentíssima enquanto procura por alguma plataforma diferente no horizonte.
Por falar em níveis, a grande maioria deles se prova extremamente confusa de se navegar por causa da progressão aberta e pela falta de elementos gráficos que ajudem a localizar o jogador dentro daquele cenário. É certo que isso é culpa das limitações gráficas do GBA, mas a simples adição de um mapa já melhoraria bastante todos esses problemas.
Toda essa confusão e estresse atinge o ápice durante as missões cujo objetivo é coletar certos itens espalhados pelas fases labirínticas sem poder morrer nenhuma vez. Um simples errinho nessa parte e você começa do início da fase sem nada do seu progresso suado. Pense nisso levando em conta que qualquer erro de interpretação da profundidade exata de uma plataforma pode te matar. É... desse jeito fica difícil te defender, Spyro.
Uma tentativa válida
Hoje em dia já existem diversas alternativas melhores para quem quer jogar um Spyro portátil, porém a primeira aventura do dragãozinho roxo no território da Nintendo ainda é uma experiência que vale a pena dar uma chance, especialmente se você for fã do gênero ou da franquia. Só adianto que você vai precisar de muita paciência para ser capturado pelo charme do jogo.Com altos e baixos contrastantes, Spyro: Season of Ice ainda se prova como um collectathon viciante que adapta de forma satisfatória os jogos da trilogia original do dragão para o Game Boy Advance. Após esse título, os maiores problemas proporcionados pela visão isométrica seriam consertados nas sequências Spyro: Season of Flames e Spyro: Attack of the Rhynocs. No entanto, esse assunto fica para um outro dia.
Revisão: Icaro Sousa