Análise: Horace (Switch) é uma metáfora sobre a incerteza da vida

Com foco em narrativa intimista, jogo traz elementos de plataforma e faz homenagem a clássicos.

em 04/11/2020
Se você se interessa por histórias de robôs, especialmente por aquelas em que os robôs se envolvem com as vidas humanas, você provavelmente vai gostar de Horace. Desenvolvido por Paul Helman e Sean Scaplehorn, e publicado pela 505 Games, o jogo gira em torno da narrativa emotiva de uma máquina em corpo humanoide tentando conviver da melhor forma possível com as pessoas ao seu redor. Contudo, o game faz mais do que isso: propõe uma reflexão sobre a fragilidade da existência.

Eu, robô

No começo do jogo somos apresentados ao protagonista, Horace: um robô humanoide que é levado até a casa de um milionário que, aparentemente, o adquiriu. Não sabemos o motivo dele estar lá, e a sensação, em um primeiro momento, é de que ele é apenas um brinquedo nas mãos das pessoas com quem convive.

Todo o foco é na narrativa, de forma que acompanhamos a história por meio das reflexões de Horace. Ele nos conta com sua voz de robô automatizada (que, aliás, é bem marcante) como foi ver o mundo pela primeira vez, conhecer as pessoas, se ver constrangido diante de piadas que não conseguia entender. Enfim, toda a descoberta do mundo por alguém que tem a capacidade de pensar e agir, mas não tem experiência sobre nada.



Na primeira parte, alguns tutoriais disfarçados de pequenas missões introduzem os elementos de plataforma. Junto com esses elementos de jogabilidade o protagonista recebe como missão coletar lixo pelos ambientes, algo que nesse primeiro momento é extremamente simples. Importante dizer que essa é uma parte levemente decepcionante do jogo. Os desafios de plataforma demoram a ganhar complexidade e parecem, inicialmente, meras distrações para o que realmente importa: a percepção de Horace sobre o mundo.

Como já mencionei, o sentido do game está no relato apresentado e, justamente por isso, é muito difícil avançar aqui, porque a história é quase tudo o que o título possui. Mas sem estragar a experiência de quem vai jogar, posso dizer que Horace começa a se adaptar à vida com os humanos até que sofre uma perda forte e acaba sendo desligado. Quando retorna à consciência, o mundo está envolto em uma guerra e tudo está completamente diferente, incluindo aqui as pessoas que ele conhecia. E é nesse ponto que a narrativa ganha outros contornos e possibilidades.

Admirável mundo novo

A última missão que Horace recebeu antes de ser desligado foi coletar um milhão de itens de lixo. Por isso, ao se perceber vivo de novo, ele vai tentar finalizar essa tarefa (que não é nada rápida). E aqui ele acaba se vendo em um mundo novo, bem diferente daquele que ele conheceu anteriormente. Logo, ele encontra outras pessoas e passa a aprender mais sobre elas e sobre o mundo, incluindo aqui sentimentos e percepções sobre coisas que o protagonista  não consegue ainda entender muito bem. 


A jogabilidade também ganha aqui outra dinâmica, especialmente com um item que permite que o protagonista ande pelas paredes e alcance ambientes novos. O problema, contudo, é que existe uma demora muito grande para que os desafios de plataforma se tornem desafiadores. Uma coisa interessante é uma série de minigames que fazem referência a títulos clássicos, como Pong, Pac Man, entre outros. Horace se descobre apaixonado por videogames desde o início, e esses momentos são uma ode à história dos jogos — o que é divertido mas contribui pouco para os acontecimentos apresentados.

Sobre as questões mais operacionais, o game funciona muito bem no Switch. Os controles são simples e agradáveis, ao ponto de nem nos preocuparmos com eles. Mas como a narrativa é o que impera, destaco a ausência de legendas em português. Horace possui muitas, mas muitas cutscenes mesmo! E não entendê-las tira todo o sentido do jogo. Justamente por isso, podemos pausar a história, mas não pulá-la. É até possível configurar isso nas opções para que você possa decidir quais cenas não quer ver, mas isso não é nem um pouco recomendado.

No mais, o que torna Horace único é o modo como ele, ingenuamente, se conecta com as pessoas, seus dramas e fragilidades. Ele  é um robô praticamente invencível, mas ainda assim capaz de se sensibilizar com as pessoas e se encantar com o fato de que elas são únicas, cada uma a seu modo. Esse tipo de reflexão faz com que a proposta seja menos sobre as descobertas de uma máquina e muito mais sobre nós.
 


O sentido da vida

Horace oferece uma experiência muito singular. O jogo mescla desafios de plataforma competentes com uma narrativa bem construída, que propõe uma reflexão sobre a existência a partir dos dramas de todos nós. Horace aprende pouco a pouco a entender as pessoas, compreendendo o que são sentimentos, dores e alegrias. Ao mesmo tempo, nos identificamos com o protagonista porque ele mesmo demonstra ter esse traço de sensibilidade que nos caracteriza como humanos. No fim, não é só uma jornada de um robô conhecendo a vida humana, mas sim de cada jogador conhecendo a si mesmo.

Prós

  • Gráficos e áudio muito bonitos;
  • Narrativa envolvente e bem construída;
  • Muitas referências sobre a cultura para aficionados.

Contras

  • Ausência de legendas em português;
  • Desafios de plataforma demoram a se tornar interessantes.

Horace — Switch/PC — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Jorge Neto
Análise produzida com cópia digital cedida pela 505 Games
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Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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