Duas junções ousadas marcam a jornada ilustre de Crown Trick. A primeira trata do encontro entre uma jovem garota chamada Elle com uma coroa falante em um universo peculiar, que nos diverte com uma narrativa inusitada e cheia de personalidade. Da mesma forma, uma combinação entre a fórmula RPG e os padrões roguelikes torna o jogo primoroso, com combates desafiadores e extremamente estratégicos.
Joia brilhante
A trama inicia com um encontro mais que excêntrico: a jovem Elle, presa no Reino dos Pesadelos, conhece uma coroa falante, que a conta histórias sobre o local e seus acontecimentos recentes. De acordo com o adereço monárquico, este mundo caótico é fruto de um plano terrível do vampiresco Vlad, que liberou criaturas malignas e deseja governar o universo. Nesse cenário, Elle bravamente decide somar forças com o conhecimento e poder da coroa para pôr um fim nas intenções malígnas do vilão.
A narrativa é de personalidade cativante, com situações e diálogos criativos entre os personagens. Nota-se, ao longo do trajeto, que Crown Trick é estruturado apropriadamente, recheado de detalhes cuidadosos. Por exemplo, os figurantes da jornada sempre aparecem em nossas vidas por algum motivo, nos ajudando com suas qualidades e oferecendo explicações sobre o reino. Assim, há uma tessitura coerente, povoada por discursos plurais e micro-histórias que constroem uma obra envolvente em sua totalidade.
Felizmente, o quilate de Crown Trick não está apenas na narrativa. Uma de suas joias principais é a fusão ambiciosa entre os estilos RPG e roguelike em seu gameplay, com setores que se complementam nos combates. Se por um lado as batalhas em turno são complexas, como acontece em muitos role-playing games, elas se tornam ainda mais especiais por serem geradas aleatoriamente, tal qual manda o manual dos roguelikes. Assim, os formatos, inimigos e temáticas se remodelam entre nossas tentativas de triunfar.
Embora os combates por rodadas não sejam novidade nos videogames, o título consegue se destacar ao exibir uma variedade de mecânicas incrivelmente alta. Com alternativas amplas de armas, habilidades, itens e movimentos, o setor se torna atraente, mesmo com conceitos simples, em que os jogadores se movimentam por turnos. Os passos e ataques são medidos por quadrados pequenos, clássicos dos RPGs, que segmentam as áreas de acordo com a movimentação por rodadas.
Dessa maneira, a alma roguelike é renovada constantemente, pois ela não se configura somente recriando o formato dos cenários. Ela, principalmente, oferece combinações variadas nos desafios – entre armamentos, habilidades e inimigos – e transforma cada investida em única, o que não acontece por acaso.
Exploração dos sonhos
Curiosamente, as fases são acessadas com o adormecer da protagonista, o que dá um toque original e coerente – afinal, é uma aventura que se passa no Reino dos Pesadelos. Assim, o primeiro passo após o início do sono é escolher uma arma e habilidade, que são disponibilizadas aleatoriamente. Os armamentos, por exemplo, podem variar entre espadas, foices, rifles, manoplas e outros, todos com seus altos e baixos, como área de alcance e a produção de efeitos. Ou seja, podemos escolher por afinidade diante de tamanha variedade.
Ao ingressar nos níveis, também podemos incorporar uma habilidade que nos dá poderes sortidos, como rajadas de fogo, bolas elétricas, ondas de veneno e escudos. Elas são disponibilizadas aleatoriamente, mas contam com um sistema que pode nos gratificar na jornada. Isso acontece pois as habilidades são desbloqueáveis, o que significa que, ao coletá-las, elas poderão aparecer nas salas de escolha, o que dá um toque lite ao roguelike, pois incentiva a exploração com elementos que podem facilitar nossas tentativas futuras.
Somando somente esses dois fatores de combate, já temos um ambiente de jogabilidade bem plural, mas, afortunadamente Crown Trick não para por aí, uma vez que outros quesitos diversificam ainda mais as campanhas. Entre eles, alguns itens de ataque ou defesa e relíquias com capacidades passivas podem ser conquistados em batalhas ou achados em baús. Embora pareçam contribuições secundárias, muitas vezes podem nos salvar de apuros com seus benefícios.
As mesmas arcas de tesouro também podem render dinheiro, que compra armas, relíquias e itens dentro das tentativas, ou fragmentos, que permitem upgrades que também funcionam de forma cumulativa, com a mesma verve roguelite. Então, é uma boa ideia buscar forças para enfrentar os calabouços muitas vezes, dado que ajuda muito a construir condições melhores, mesmo com fracassos momentâneos.
Dungeons valiosas e inimigos vigorosos
Seguindo a descrição, outro fator extremamente importante de Crown Trick é seu formato dungeon crawler bem genuíno. Em outros termos, as fases, representadas na história como Dias, são formadas por diferentes pisos e salas interligadas. Assim, ao entrarmos em um segmento do Reino dos Pesadelos, devemos avançar por quartos com segredos e batalhas que precisam ser concluídas para prosseguirmos com a trajetória.
Nas dungeons, o conteúdo encontrado nas salas é variado: temos lutas mais tradicionais contra muitos monstros, salas de tesouro, santuários de escolhas e até encontros com chefes poderosos que podem desbloquear habilidades novas. Dessa maneira, a diversidade (novamente ela) torna a jogatina empolgante, em que a exigência por completar todos os pisos de cada fase em uma só vez não cansa, apenas se mostra como um objetivo árduo.
Retornando ao principal de Crown Trick, que é o seu sistema de combate em turnos, temos outro fator de pluralidade, que são os inimigos. Eles são muitos, de diferentes fisionomias e táticas de batalha, podendo atacar de perto ou de quadradinhos mais afastados. Com magias ou ataques físicos, lançando maldições e similares, jamais me cansei do motor bélico do título, capaz de desafios exigentes e combinações múltiplas.
Com isso, história e jogabilidade se unem para oferecer obstáculos interessantes e envolventes. Com as singularidades de um dungeon crawler, elementos de estratégia RPG e a efervescência roguelike, temos uma união multiplamente consistente, em que, talvez, seu defeito principal seja a crueldade de algumas de suas variações, o que é um tanto irônico.
Sorte ou revés
O que será abordado aqui talvez seja um problema estrutural dos títulos roguelike ou algum conceito antigo que aos poucos é renovado no intuito de oferecer dificuldades extremas. Contudo, é um fato: Crown Trick é um jogo complicado. Além das batalhas serem complexas, o seu estilo exige um controle de sobrevivência, em que economizar elixires de cura, pontos de vida, mana e afins é extremamente necessário. Portanto, o cálculo deve ser preciso, mesmo se tratando de uma jornada imprevisível.
O setor que mais sofre com a aleatoriedade é a disponibilização das armas para enfrentar os Dias, quase como uma roleta-russa cruel ao contrário. Confesso que meu início foi bem inocente, quando não sentia uma disparidade do que era oferecido de poderio em comparação à dificuldade das batalhas. O jogo parecia apenas difícil, com armas que naturalmente se diferenciavam. Entretanto, em uma das tentativas, fui agraciado com um armamento desproporcionalmente forte, com valores altos que me ajudaram a avançar.
Reclamando de barriga cheia ou não, aquele momento passou uma impressão turva, como se fosse um jogo (quase) de azar, uma loteria real que tem armas poderosas como prêmio. Não há nenhum problema em tratar cada jogada como singular e desafiante ao extremo, mas perceber disparidades no que nos é oferecido pode ser desestimulante, cortando esperanças ao nos darmos conta que tal equipamento não é forte o bastante para resultar em um final feliz.
Além do mais, uma constatação muito mais particular, mas ainda assim válida: o começo do jogo pode ser mais complexo para os ansiosos. Antes de viver a experiência Crown Trick de fato, é preciso entender tudo o que está acontecendo, dos turnos e quadrados de movimento aos ataques e itens. Isso demanda muita calma – pelo menos até processarmos o display abundante do jogo, que pode ser um pouco difícil de ler com o Switch em modo portátil por ter muitas informações em letras pequenas.
Com isso, a diversidade volta a ser o ponto crucial do título. As muitas mecânicas e ideias que proporcionam experiências divertidas podem complicar e truncar o jogo ao mesmo tempo. Assim, ele pode desestimular mostrando uma relação de desproporção entre armamentos e os enfrentamentos, forçando mais e mais tentativas até sermos beneficiados.
Em suma, devo admitir que criticar a pluralidade de Crown Trick, seja de itens, armamentos, informações ou falas, mais parece o discurso de um rei coroado que está se queixando de privilégios reais. O título é prazeroso o bastante para dar vontade de jogar constantemente, mesmo sabendo às vezes que a próxima investida dificilmente será uma definitiva.
Ele fascina ao ser um roguelike que consegue se sustentar com uma história detalhada e não se perde em seu conceito de tentativas, o que é incrível. Além do mais, o visual cartunesco bonito e uma tradução agradável para o português contribuíram para que minhas horas jogando fossem extremamente encantadoras, mesmo com alguns poucos obstáculos salientes, principalmente a sua imprevisibilidade, que pode ser um tanto desalentadora.
Digno de realeza
Com combates desafiadores e história espirituosa, Crown Trick impressiona principalmente por sua diversidade, sendo altamente recomendável a todos os súditos. A jornada dura horas, com uma narrativa intrigante e uma mecânica de combate inventiva, mesmo combinando elementos já usuais. Com isso, desenvolve-se um jogo maduro, consistente e muito exigente, formado por uniões curiosas que poderiam muito bem ser coroadas pela amiga falante de Elle, que é impetuosa, poderosa e divertida, bem como é jogar a sua aventura.
Prós
- Narrativa rica, com situações e diálogos criativos;
- Fusão de mecânicas interessantes, como lutas em turno e campanhas roguelike;
- Visual cartunesco bonito e tradução para o português;
- Diversidade em praticamente todos os setores.
Contras
- Pode ser severo e complicado de se entender no princípio;
- Às vezes, a aleatoriedade pode desanimar.
Crown Trick — Switch/PC — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17