Mais um dia naquele estágio dos brabos
Em Going Under, você assume o papel de Jackie, a nova estagiária não remunerada de marketing da Fizzle, uma startup de bebidas gaseificadas com valor nutricional o suficiente para substituir refeições. O escritório descolado, moderno e colorido da marca de refrigerantes contém tudo o que você esperaria de uma empresa do tipo: tobogãs, grandes espaços abertos, pessoas descoladas, uma cafeteria e até um cachorro. No entanto, ainda há algo com o qual Jackie definitivamente não esperava ter que lidar: criaturas das trevas que aparecem de tempos em tempos para atazanar o dia a dia de trabalho.Graças à série de startups falidas que se encontram no porão da companhia, um grande número de goblins, esqueletos, demônios e monstros diversos tendem a aparecer pelo escritório da Fizzle dia sim, dia não. Aproveitando o entusiasmo de Jacky no seu primeiro dia, Marv, o gerente, empurra a garota para a missão de se livrar dos monstros o quanto antes — mesmo sem ela ter qualquer tipo de treinamento de combate ou algo do tipo. Suas únicas armas são os objetos que ela encontra pelo caminho, desde teclados e lápis até canos, machados e lanças. A garota tem que se virar basicamente com o que estiver pela frente.
Como de praxe nos roguelikes, as dungeons são geradas aleatoriamente e, embora desafiadoras desde o começo, nunca são muito longas ou complexas. Alguns monstros atacam você em cada sala e é preciso derrotá-los para seguir em frente e ganhar algum dinheiro, ou às vezes uma skill. Sempre será possível encontrar uma boa variedade de objetos que podem ser lançados e/ou usados como arma durantes os confrontos. Só não se apegue demais a nenhum deles em específico, já que a durabilidade das armas não vai além de algumas "porradas".
Além dos três itens pequenos que você pode carregar como arma — itens grandes são usados normalmente e causam bastante dano, mas não podem ser "guardados" — algumas skills são encontradas durante as campanhas. Funcionando como uma habilidade incluída no currículo de Jackie durante seu progresso no trabalho, elas acrescentam uma série de poderes passivos ao kit da protagonista. A variedade é grande e os benefícios são vastos, como adicionar efeitos à esquiva, aos seus ataques, sua defesa e pontos de vida; ou até alterar o tamanho físico dos itens equipados; ou colocar luvas de boxe permanentes nas mãos de Jackie.
A melhor parte é que quanto mais você utiliza essas skills durante a dungeon, mais pontos são acumulados para que, eventualmente, seja possível equipar uma delas de forma semi-permanente. Ou melhor, é possível trocá-la fora do calabouço, mas você só pode ativar uma por vez. Além disso, várias habilidades adicionais são disponibilizadas para compra dentro do escritório. Para destravar novas skills e aumentar a gama de habilidades que podem ser coletadas durante o calabouço é só usar seus Cubits, uma moeda própria para ser utilizada depois das dungeons.
Dentro de um calabouço, a moeda principal geralmente é o dinheiro mesmo, como na vida real — com exceção da terceira dungeon, que é uma startup de criptomoeda e possui uma mecânica diferenciada de coletar Bitcoins. Em cada um dos quatro andares das três dungeons, incluindo o último (a batalha com o chefão), você encontrará uma loja para gastar os seus rendimentos. Dentro dela é possível comprar armas e skills, mas o mais importante sempre será a recuperação de vida na forma de burritos, sanduíches e pêssegos.
Adicionalmente, Jackie recebe um merecido reforço dos outros funcionários da empresa durante sua dura missão. Através do sistema de mentores, habilitado por sidequests que podem ser realizadas durante as dungeons, alguma habilidade passiva extra pode acompanhá-lo durante toda uma campanha. Dependendo do mentor escolhido no menu principal dentro do escritório, você ganha habilidades como poder roubar um item aleatório da loja, receber mais dinheiro para adquirir itens da loja ou poder pagar fiado na… loja.
O foco do sistema de mentores parece basicamente ajudar você a comprar mais coisas na loja, já que, afinal, essa é a parte mais importante para o seu progresso. O combate pede atenção constante desde o primeiro estágio. Os inimigos atacam em janelas de tempo curtas e de forma constante, então é preciso estar sempre ligado. A verdade é que, por mais interessante que seja usar uma série de itens aleatórios para matar goblins e demônios, acaba sendo mais recompensador investir em armas com maior alcance e adotar uma postura mais agressiva, em vez de realmente planejar seus movimentos, ataques e esquivas.
Going Under é um jogo desafiador e, inicialmente, parece interessante tentar dominar completamente o sistema de combate do jeito que ele deseja. No entanto, apostar em ataques rápidos, evitar confrontos desnecessários e sempre juntar dinheiro para comprar itens de recuperação de vida a toda oportunidade definitivamente é o caminho para sair vitorioso. Após um bom número de runs pelas dungeons, quando eu cheguei nessa estratégia a experiência ficou consideravelmente mais fácil.
Depois de entender essa fórmula — claro, nada impede que você adote formas alternativas para jogar —, o jogo se apresenta como um desafio não muito longo, mesmo com as sidequests que servem para melhorar os atributos dos mentores. Além disso, grande parte do tempo será gasto simplesmente passando por muitos e muitos diálogos. O apelo de Going Under tem muito a ver com seu senso de humor que satiriza a realidade capitalista do trabalho de escritório e isso até que é interessante em alguns momentos. Entretanto, não só esse humor se perde um pouco com alguns memes desatualizados e referências forçadas, como o jogo realmente empurra uma quantidade desnecessária de diálogos para cima do jogador.
O humor em excesso acaba atrapalhando o próprio entendimento dos mecanismos básicos do jogo. Além das skills passivas e das armas, aplicativos com os mais diversos funcionamentos também podem ser encontrados durante as dungeons. A questão é que não existe em lugar algum uma explicação de quais são exatamente as funções deles. Você é obrigado a tentar decifrar a frase engraçadinha que aparece ao pegar o app ou simplesmente terá que usá-lo e ver o que acontece. O problema é que, às vezes, nem mesmo colocar o aplicativo em uso deixa claro o que ele faz. Acabei o jogo sem saber o que alguns apps que eu usei diversas vezes realmente faziam.
O sistema de combate parece ser o grande ponto positivo que vende a experiência de Going Under, mas esse não é bem o caso. A dificuldade nunca engaja você de uma forma em que é possível sentir uma melhoria pessoal dentro do ambiente que o jogo constrói. A razão para ele ser difícil está mais atribuída a inimigos rápidos demais aparecendo em grandes números em salas pequenas demais e com elementos aleatórios demais e que aparecem de repente.
Usar o lock-on em um inimigo em particular e pensar muito bem nas minhas esquivas nunca se tornou realmente gratificante, como no clássico sistema de combate The Legend of Zelda: Ocarina of Time, por exemplo. Em vez disso, me mexer bastante e atacar rápido de forma livre sempre foi a alternativa vencedora para a movimentação dentro da dungeon.
Outro ponto que decepciona são os chefes. Apesar de esteticamente muito legais — assim como toda a ambientação das dungeons e dos inimigos, por sinal — nenhum deles representou um grande desafio.
O verdadeiro ponto forte de Going Under é o seu visual, bastante estranho, mas super cativante e adorável ao mesmo tempo. O mundo do jogo é muito bem construído, cheio de cores e pequenos detalhes em todos os cantos. O design dos personagens, tanto in-game quanto nas artworks, também é ótimo. Todo mundo tem uma aparência meio engraçada e extremamente carismática. Os itens também não ficam de fora: são numerosos, variados e sempre cheios de personalidade.
Os menus, que optam por imitar um layout de perfil de funcionário em uma grande empresa, mantêm o estilo estético muito agradável, mas acabam falhando um pouco na funcionalidade. Escolher algumas opções e alterar mentores e skills é um pouquinho mais confuso do que o necessário. Da mesma forma, caminhar pelo lindo escritório — que às vezes mais parece um parque de diversões — fica um tanto chato graças aos vários diálogos e eventos aleatórios durante as campanhas.
Going Under desvia um pouco do caminho para um roguelike ideal. Em vez de aproveitar o visual maravilhoso, a trilha sonora ótima e a premissa divertida para fazer um jogo cativante, ágil e cheio de ação, o título perde um pouco o foco no que realmente importa. É possível sim passar algumas boas horas de diversão com ele, mas os problemas técnicos no combate, a pouca variedade dentro das dungeons (e fora delas), a falta de informações em alguns momentos e o excesso de exposição em outros fizeram com que eu nunca me prendesse totalmente na aventura.
Prós
- Premissa diferente que resultou na criação de um mundo realmente interessante;
- Visual adoravelmente bizarro e colorido;
- Bom humor presente durante todos os momentos;
- Uma sátira bem construída do mundo corporativo das startups.
Contras
- Duração relativamente curta;
- O sistema de combate poderia ser melhor;
- Curva de dificuldade estranha: alta pelas razões erradas e baixa demais em outros momentos;
- Piadas um pouco forçadas às vezes e uma quantidade excessiva de diálogos;
- Menus e explicações de itens não tão funcionais.
Going Under - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17