Análise: Even the Ocean (Switch) — o desequilíbrio entre uma boa narrativa e um jogo de plataforma tímido

Os altos e baixos de uma criativa jornada sobre o balanço entre energias opostas que sustentam o mundo.

em 24/10/2020
Um belo romance fantasiado de jogo. Assim se encontra na prateleira Even the Ocean, que timidamente abriga atrás de sua capa uma excelente narrativa sobre equilíbrio necessário entre energias opostas. Embora apresente problemas estruturais, como uma jogabilidade simplória e a falta de desafios, o game desenvolvido pela Analgesic Productions compensa com sua criatividade ao descrever personagens e suas relações, com mistérios, revelações e reviravoltas – convenhamos, o que geralmente buscamos em uma boa obra. 

Mantendo a energia


O jogo conta a história de Aliph, uma técnica de manutenção de usinas elétricas da cidade de Whiteforge. Em sua rotina, ela é chamada para um serviço que aparentava ser bem comum, mas que se transforma em tragédia: ao trabalhar no reparo de uma usina, ela encontra sua colega Cassidy morta, apenas com os destroços de seu traje. A protagonista trata de buscar ajuda, mas o caso se torna tão complexo que acaba nas mãos do prefeito da cidade.

Sob ordens oficiais, Aliph deve consertar outros pontos com os mesmos defeitos para restaurar o abastecimento da cidade. De reparação em reparação, ela descobre que o problema é gravíssimo e não envolve apenas o fornecimento de energia de Whiteforge, mas sim uma possível ameaça misteriosa para o equilíbrio do universo.


A narrativa é criativa, com personagens e acontecimentos pensados em uma progressão distribuída de forma interessante. Muitos momentos são refletidos nos sentimentos dos protagonistas, que demonstram tristezas, inseguranças e trazem um toque pessoal ao jogo. No entanto, isso tudo demanda calma. Com diálogos longos exibidos em telas estáticas, fica fácil de se perder caso jogando desatentamente. Uma dica para quem se ver confuso com as falas é acessar os diários da protagonista no menu, que muitas vezes resumem os ocorridos.

Com algumas opções na progressão, muitas vezes temos a possibilidade de escolher nossos próximos destinos, que geralmente são usinas a serem consertadas disponibilizadas em um divertido mapa retrô. Ali, podemos passear e conhecer um pouco mais da geografia de um mundo que, embora superficialmente, trabalha com analogias interessantes sobre a modernidade. Um dos pontos abordados diverge sobre a horizontalidade dos cenários mais naturais e as verticalidades das cidades grandes, o que encaixa muito bem no conteúdo da narrativa.


A intriga brilha mesmo na segunda metade, com guinadas dignas de um romance policial de Agatha Christie. Isso, por si só, já vale a viagem ao mundo de Even the Ocean, um mundo tão investido na narrativa que oferece duas formas de ser jogado: ou se opta pela experiência completa, que conta com diálogos e progressões de plataforma onde controlamos a personagem em puzzles; ou apenas um modo história, que se torna uma verdadeira visual novel sobre o fornecimento elétrico da cidade de Whiteforge.

Equilibrando os alto e baixos

Como visto, a energia é o ponto chave de Even the Ocean. Além de ser a temática, com as usinas e o emprego de Aliph, ela representa também outras mecânicas do gameplay, como a própria saúde da personagem, que é regulada por dicotomias: Luz e Trevas, representadas pelas cores verde e roxo. Parece complicado, mas não é. Conforme ela coleta esses dois tipos de elementos impostos no cenário, uma barra no visor vai se preenchendo de acordo com o que pode ser absorvido pelo caminho, e isso afeta diretamente sua saúde. Se ela exagerar no contato com alguma das duas, a personagem sobrecarrega e morre, o que gera uma constante busca por equilíbrio.

Inteligentemente, essas energias também são representadas pelos aspectos horizontais e verticais da movimentação. Ou seja, se coletarmos muita Luz, por exemplo, teremos a nossa velocidade de deslocamento maior, enquanto nossos pulos serão prejudicados – o que também funciona inversamente. É um conceito muito interessante, que substitui os tradicionais “risquinhos” de vida e também conduz os puzzles do jogo. 

Even the Ocean se apresenta em um belo mundo de pixel art, com cenários inspiradores e bons backgrounds. É um jogo de plataforma 2D, onde nos movemos lateralmente por diferentes ambientes, como florestas chuvosas e desertos áridos – além das acinzentadas usinas, claro. Suas camadas disponibilizadas, principalmente as traseiras, se mostram como pinturas delicadamente pinceladas, formando verdadeiras ambiências ao lado de uma trilha sonora simples, mas bem executada. Contudo, no resto de sua apresentação, recorrentemente parece que algo está faltando na tela. Ao mesmo tempo em que alguns elementos são bem trabalhados, não há muitos detalhes na parte frontal, onde nos movimentamos lateralmente por espaços vazios. Parece, mesmo, uma falta de equilíbrio.

Entre o horizontal da natureza e o vertical das cidades, os desafios consistem em transportar energias por dispositivos e sobreviver à distribuição das Luzes ou Trevas. Eles são inteligentes por trabalharem com esse equilíbrio necessário para sobrevivência, em que os puzzles também são resolvidos de acordo com nossas melhorias de pulo ou de nossa velocidade de caminhar. Podemos ser bem sucedidos regulando nossas intenções de movimentação e isso é bem interessante. Contudo, os quebra-cabeças são explorados modestamente e não apresentam grandes dificuldades. Assim, o sistema é muito simples, e acaba não demandando muito estudo ou tentativas.

Da mesma forma em que isso contribui para manter nossos ânimos em uma zona mais calma, numa vibe similar proporcionada pelos minutos e minutos de diálogos, há momentos em que não nos sentimos efetivamente parte de um jogo. Não há combates ou gratificações, além do andamento pelo cenário ser tão tímido quanto são seus desafios. 

Entretanto, mesmo explicitando meu sentimento de disparidade entre história e jogabilidade, não me arrependi por ter optado pelo modo completo de sua narrativa. Suas falhas não acabam por tornar o jogo em ruim, mas sim, deixam a sensação que poderia entregar mais, principalmente por sua criatividade em muitos aspectos. A jornada inteira, que flutua entre oito e dez horas de duração, é agradável, embora longe da excelência.

Uma boa narrativa fora dos livros


Na caminhada, mesmo perdendo o equilíbrio, Even the Ocean tropeça mas não chega a cair, pois se sustenta com ideias criativas e personagens singulares ao contar uma história sobre o balanço necessário de energias opositoras no universo. No entanto, ao entregar sua performance, o jogo, ironicamente, não apresenta equilíbrio em todos seus atributos: temos uma intriga bem criativa, mas disponibilizada em um jogabilidade tímida.

Como se costuma fazer em uma mediação, botamos os produtos na balança para obter um resultado sustentável: Even the Ocean é uma aventura recomendável, mas exclusivamente indicada para aqueles que buscam uma boa narrativa e não se importam com horas de diálogo. O gameplay simplório não apaga a história de Aliph, que luta pelo equilíbrio em Whiteforge e deixa mensagens interessantes. No fim, mesmo desbalanceado, o jogo é capaz de cativar de sua própria maneira narrativista – para provar que boas histórias não pertencem somente aos romances literários.

Prós

  • Uma ótima narrativa, com bons personagens, diálogos e reviravoltas;
  • Mecânicas criativas;
  • Cenários admiráveis, com toques pincelados;
  • Capacidade de imersão e ambientação.

Contras

  • Falta de desafios;
  • Localidades vazias;
  • Desbalanço entre história e jogabilidade;  
  • Ampla discursividade e falta de combates/dificuldades podem dispersar o jogador.
Even the Ocean — Switch/PC/PS4/XBO — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Icaro Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games


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Jornalista, colaborador no Nintendo Blast e doutorando em Comunicação Social.
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