Análise: Raji: An Ancient Epic (Switch) traz uma sólida jornada embalada pela cultura indiana

Primeiro projeto do estúdio Nodding Heads Games transforma o jogador no protagonista de um embate entre divindades da mitologia hindu.

em 01/09/2020



Enquanto jogamos videogame, é comum aprendermos sobre a cultura de outros países. Muitas pessoas conheceram as personalidades de diversos deuses gregos na franquia God of War, ou então, perceberam como era a vida na época feudal do Japão com Ghost of Tsushima. Estes são apenas dois recentes exemplos de inúmeros outros títulos que, de uma maneira ou outra, nos colocam em contato com civilizações que têm tradições e costumes bem diferentes dos nossos.


Foi justamente a possibilidade de me aproximar de uma cultura que eu pouco conhecia que despertou minha atenção para Raji: An Ancient Epic. O projeto é o primeiro trabalho da Nodding Heads Games, empresa com sede na Índia, e tem a Super.com como distribuidora. Mais do que contar uma boa história com as divindades da mitologia hindu, o jogo traz uma sólida aventura que mescla elementos de plataforma e hack and slash. Tal mistura resulta em um interessante cartão de visitas do promissor estúdio.

Uma mortal entre os deuses

A narrativa acompanha os passos da garota Raji e seu irmão mais novo, Golu. A dupla vive na companhia de um grupo de artistas e aproveita de talentos únicos para sobreviver. Enquanto a moça tem habilidades circenses para executar acrobacias, o menino retrata lendas antigas através do teatro de sombras. Durante uma apresentação que acontecia como outra qualquer, algo inacreditável ocorre: um bando de demônios invade o reino dos humanos e leva Golu como prisioneiro. Raji, que ficou desacordada durante o ataque, acorda algum tempo depois e precisa partir em busca do irmão.
Levante-se Raji
Conforme avança na jornada, ela descobrirá que o responsável pelo sequestro é Mahabalasura. O lorde maligno tem planos terríveis que envolvem a criança e sua cobiça só poderá ser interrompida por Raji, que terá ajuda de outros deuses, como Vishnu e Durga, para enfrentar o inimigo. No caminho para resgatar seu familiar, a personagem deve superar desafios de plataforma e também combater hordas compostas por variados tipos de demônios, no entanto, nunca os dois problemas aparecerão simultaneamente.

Isso porque o game separa as seções de saltos e escaladas dos combates. Todas as fases são compostas por pequenos trechos em que Raji precisa correr, passar por buracos ou subir pelas paredes. Neles, nunca haverá inimigos para te atrapalhar. Ao prosseguir, o jogador chegará em pequenas arenas fechadas, onde batalhas com grupos de demônios se desenrolam. Só será possível seguir em frente depois de acabar com todos os adversários. Os dois estilos de gameplay são intercalados constantemente, evitando assim repetições que tornariam a campanha enjoativa.
Pronta para combater Mahabalasura

Habilidades circenses

É bastante inteligente a maneira como Raji: An Ancient Epic explora o passado da protagonista durante sua missão de resgate. A garota é extremamente ágil, capaz de executar longos saltos e até mesmo caminhar pelas paredes por alguns segundos. Todos esses movimentos exigem elevado grau de habilidade e seria estranho ver uma jovem comum os executando, isso se ela não fosse apresentada como artista circense já nos minutos iniciais. Saber que a personagem treina seu corpo constantemente torna bem mais fácil de aceitar o que ela é capaz de fazer no game.

Essa ampla variedade de possibilidades é beneficiada por controles que respondem muito bem. Todas as vezes que errei algum salto durante minha experiência com o jogo, tive plena convicção que foram por falhas minhas. Além disso, é possível dominar completamente os movimentos de Raji com poucos minutos de gameplay. Isso muito por conta da simplicidade dos controles, ou seja, mesmo a garota executando ações diversas, não são necessárias longas e complexas sequências de botões para realizá-las. No entanto, são nas seções de combate em que os controles realmente se destacam.
Trechos de plataforma exigem muitos saltos e escaladas
Raji possui dois ataques básicos, sendo um fraco e o segundo um pouco mais forte. Porém, ela efetua diferentes combos a partir deles. É possível escalar a parede, dar um salto e aterrissar com uma poderosa pancada no chão; rodar em volta de pilastras para atacar inimigos com golpes circulares; ampliar o alcance das armas depois de pulos; entre diversos outros. Como se já não fosse o suficiente, a lista de movimentos é completamente alterada com base na arma utilizada — sendo que existem quatro equipamentos únicos ao longo do game.

Com tanta diversidade, os combates se tornam bastante divertidos e é gratificante ver a garota usando combos variados para acabar com os demônios. Para enriquecer ainda mais essa mecânica, é grande a lista de inimigos existentes no jogo, cada um com seu próprio padrão de ataque. Alguns deles levam vantagem no corpo a corpo, enquanto outros são mais fortes em combates à distância. Conhecê-los e usar a melhor estratégia contra cada um é uma das chaves para avançar com tranquilidade na campanha.
Nos combates, uma linha branca surge no chão para delimitar a arena de batalha
O sistema de combates é aprimorado por uma árvore de habilidades. Durante as fases, Raji encontra orbes para melhorar suas armas, as fortalecendo com golpes de fogo, gelo ou elétricos. Apesar de simples, saber aproveitar esses poderes pode facilitar a jornada. O grande empecilho desta mecânica é o seu menu, com letras pequenas e difíceis de ler quando o Switch está no modo portátil.

A evolução do jogador no game é colocada à prova nos embates diante de chefes, que, apesar de poucos, são grandiosos. É necessário sempre usar tudo o que foi aprendido para superar esses desafios, com exceção do último. Confesso que acabei me frustrando um pouco na batalha final, sentimento causado pela arma recebida antes da luta. O equipamento é tão poderoso que drena toda a emoção do momento ápice da história.

Um conto épico

Da mesma maneira que a profissão de Raji é usada no game para justificar as habilidades da personagem, o trabalho de Golu não é deixado de lado. As cinemáticas entre uma fase e outra para avançar a trama são feitas com teatro de sombras. Esse estilo de contar a história proporciona um charme bastante especial para o enredo, mas não é o único aspecto narrativo que se destaca. A jornada de Raji é vista por uma câmera posicionada no alto, como se o jogador fosse um dos deuses observando o crescimento da garota.
Entre uma fase e outra, o teatro de sombras avança a trama
Essa sensação de estar entre as divindades se torna ainda maior pelos dois narradores: Vishnu e Durga. Eles frequentemente comentam o que está acontecendo na tela e conversam entre si, debatendo se Raji conseguirá ou não deter Mahabalasura. Eu realmente me senti no panteão hindu ao lado de dois importantes deuses, assistindo a odisseia daquela pequena e persistente mortal. No entanto, a visão isométrica não é constante e em alguns momentos a câmera faz movimentos cinematográficos, seja para se afastar e mostrar grandiosidade de uma paisagem ao fundo, seja se aproximando de Raji durante uma cena mais introspectiva da garota.

O jogador não tem controle algum sobre a câmera e isso não faz falta em nenhum momento do game. O único problema é que, geralmente, a visão fica tão afastada que Raji acaba se tornando bem pequenininha na tela. Particularmente, eu preferiria vê-la mais de perto e também apreciar os detalhes dos cenários de maneira mais próxima.
É comum a câmera se afastar para mostrar a grandiosidade dos cenários

Mitologia indiana

Raji: An Ancient Epic conta com uma mecânica muito interessante para os jogadores que têm interesse em mergulhar na cultura hindu. Existem espalhados pelas fases diversos painéis com pontos de ação diante deles. Ao interagir com as pinturas, Vishnu e Durga contarão lendas daqueles deuses que estão ali retratados. Isso é algo completamente opcional e não interfere em nada na campanha principal, mas confesso que não consegui passar por esses painéis sem escutar o que eles tinham para ensinar.
Vishnu e Durga narram alguns contos hindus
A compreensão dessas histórias se torna ainda mais fácil pelo fato de o título estar localizado para o português do Brasil. A qualidade das legendas é excelente e sem erros gramaticais, porém é necessário entrar no menu principal do game para mudar do inglês para o nosso idioma. Além do contato com a mitologia, o game nos aproxima da Índia de outras maneiras. A arquitetura retrata bem o estilo de construções daquele país, com linhas curvas e paredes construídas com muxarabis (tijolos vazados) para proporcionar uma iluminação bastante única. Isso sem mencionar a trilha sonora, com músicas que desempenham papel fundamental para esse mergulho na cultura indiana.
Detalhes dos muxarabis, tradicionais tijolos vazados da arquitetura indiana

Queria um pouco mais

O título pode ser finalizado em pouco tempo, entre quatro ou cinco horas. A duração da campanha está na medida certa, sem tornar o game entediante ou repetitivo. Porém, eu não acharia ruim se ele fosse um pouquinho maior, principalmente, levando em consideração que o ato final é bastante apressado. Eu realmente esperava algo grande para a conclusão da viagem de Raji, mas a última fase é muito pequena se comparada com todas as demais.

Para deixar a experiência maior, sem mexer na quantidade de estágios, o game poderia ter aproveitado de alguns conceitos que foram pouco utilizados. Um deles é a exploração dos cenários, que apesar de grandes, não escondem grandes segredos. A progressão é extremamente linear, sendo que em poucos pontos há orbes escondidas para serem usadas nas melhorias das armas da protagonista. Em pouco tempo, eu preferi apenas continuar seguindo em frente e não procurar mais por esses itens, por entender que não se trata de recompensas tão interessantes.

Outro ponto que deixa um pouco a desejar são os puzzles. Existem alguns poucos durante o game, que acabam se repetindo algumas vezes. Fazer o mesmo estilo de quebra-cabeças três ou quatro vezes passou a sensação que faltou um pouco de criatividade na elaboração de desafios diferentes.
Um dos puzzle que mais se repete durante o game

Peso da inexperiência 

O título sofre com alguns problemas técnicos bastante aparentes, sendo o principal deles a taxa de quadros por segundo extremamente instável. Há momentos em que o game roda de maneira adequada, porém, de repente, fica bastante lento com a queda abrupta do fps. Não é algo que chega a interferir diretamente no gameplay, mas que atrapalha sim na experiência de maneira geral.

Há ainda algumas texturas muito simples ao lado de outras melhor acabadas. Essa disparidade acaba empobrecendo a beleza visual de diferentes cenários. As animações de Raji também se tornam estranhas em determinados pontos, principalmente, quando ela sobe ou desce escadas e parece estar flutuando sobre os degraus. Já durante os combates, não existem indicativos gráficos de quando o inimigo levou ou não dano. Assim, é preciso acompanhar a redução da barra de vida dos demônios para ter certeza de que eles estão sendo derrotados.

A hud do jogo é limpa e sem informações. Apesar de tal decisão colaborar para o aspecto cinematográfico do game, eu senti que faltaram detalhes sobre as condições da personagem. A vida de Raji é uma flor ao redor dela, que perde pétalas a cada ataque sofrido. Além disso, existem três esferas brilhantes próximas da garota que indicam a quantidade de golpes especiais disponíveis. Ao usar esse ataque poderoso, uma das bolas de energia desaparece. Porém, no meio de lutas mais aceleradas, fica praticamente impossível enxergar quantos especiais ainda restam.
A vida de Raji é a flor ao seu redor

Uma viagem que vale a pena

Minha curiosidade sobre a cultura indiana foi recompensada por um divertido título que mescla plataforma e hack and slash. São vários os elogios que o game merece, como controles simples que permitem a execução de diversos movimentos, combates desafiantes e recheados de combos variados, além de uma trama que prende a atenção. Mesmo com problemas técnicos e certas decisões que interferem negativamente no gameplay, essas falhas não têm força suficiente para ofuscar o brilho do jogo. Soma-se ainda o fato de que, apesar de curto, Raji: An Ancient Epic consegue provar que a mitologia hindu é uma riquíssima fonte de inspiração pronta para ser aproveitada pelo mercado dos games.

Prós

  • Bom equilíbrio entre as seções de plataforma e combate;
  • Controles simples e de fácil domínio;
  • Ampla quantidade de combos, que ainda variam conforme a arma equipada;
  • Painéis opcionais que permitem conhecer mais da mitologia hindu;
  • Ótima localização para o português do Brasil.

Contras

  • Problemas técnicos, como a inconstante taxa de fps;
  • Último chefe demasiadamente facilitado pela arma final;
  • Cenários com algumas texturas de baixa qualidade;
  • Informações importantes, como os especiais disponíveis, são pouco visíveis.
Raji: An Ancient Epic — Switch — Nota: 7.5
Análise produzida com cópia digital cedida pela Super.com

É jornalista e obcecado por games (não necessariamente nessa ordem). Seu vício começou com uma primeira dose de Super Mario World e, desde então, não consegue mais ficar muito tempo sem se aventurar em um bom jogo. Diretor de Redação do Nintendo Blast.
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