Seria a mudança de estratégia da Nintendo uma resposta à indústria do hype?

Após completar 365 dias sem um grande Nintendo Direct, a empresa segue o seu próprio caminho e parece não se importar com as expectativas do público.

em 04/09/2020
4 de setembro de 2020, esta data fecha o ciclo de um ano desde o último Nintendo Direct, sem contabilizar apresentações como Indie World e Partners Showcase, que são anúncios menores. O que teria feito a companhia japonesa adotar essa estratégia mais silenciosa? Enquanto as empresas concorrentes, Sony e Microsoft, têm disputado mensalmente a atenção do público para o início da nova geração de consoles, a Nintendo parece não se importar se os jogadores estão ansiosos pelos próximos grandes lançamentos do Switch.


Surpresa no lugar de promessas

Nos últimos meses, os principais anúncios para o Switch foram feitos por meio do perfil oficial da Nintendo no Twitter e, curiosamente, foram as séries de menor expressão que ganharam destaque nas apresentações da empresa. Parece contraditório, mas é totalmente compreensível e até faz sentido se considerarmos a motivação por trás dessa tática: surpreender o público ao invés de gerar expectativas e, por consequência, evitar frustrações.

Eu concordo totalmente que é muito mais empolgante assistir a uma transmissão ao vivo, comendo pipoca com os amigos e ser surpreendido com uma revelação de bombástica — “Metroid Prime 4 chegando ao Switch!”. Porém, é preciso admitir que os momentos de frustração foram mais frequentes que os de glória durante a maioria dos Directs. Sejam eles especiais de E3 ou não, o desapontamento do público devido a ausência de algum título muito aguardado era comum.

Se tornou mais confortável fazer anúncios esporadicamente no Twitter em vez de montar uma apresentação de 35 minutos, que eventualmente poderá decepcionar parte da comunidade. Além disso, os anúncios surpresa da Nintendo estão sendo tão eficazes quanto os tradicionais Directs, uma vez que os assuntos relacionados aos jogos mostrados ocupam os trend topics com a mesma força.

Paper Mario: The Origami King (Switch), que foi divulgado fora de um Direct, teve a melhor estreia da franquia, vendendo mais que Paper Mario: Sticker Star (3DS) e Paper Mario: Color Splash (Wii U) juntos durante a primeira semana. Claro que o método de divulgação não está totalmente relacionado ao sucesso de vendas, pois existem outros fatores, mas esse fato apenas evidencia que, na prática, mostrar um título em uma stream ou não se tornou indiferente.

Chega a ser impressionante que, mesmo sem mencionar uma palavra sobre seus planos, os debates sobre o futuro da Nintendo estão acontecendo a todo o vapor. Talvez porque a força da companhia não esteja na forma de mostrar as suas franquias, mas sim no valor que elas possuem para os fãs da empresa. Isso foi comprovado quando um simples tweet com o trailer de Pikmin 3 Deluxe (Switch) foi o suficiente para colocar o esquecido console, Wii U, entre os assuntos mais comentados do Twitter.

Indústria do hype e o consumismo

Vazam informações sobre o próximo lançamento, esses rumores criam expectativas nas massas, até que o trailer oficial é divulgado pela empresa; o público vai ao delírio e o título vende milhões de cópias. No mês seguinte, o ciclo se repete, mas com outro grande estúdio. Poderia até ser um sinônimo de consumismo, mas o hype é o principal combustível da atual geração de videogames e, de certa forma, condicionou o público a sempre esperar por mais novidades, mesmo quando não existe nada a ser noticiado.

Para discutir o que pode ter causado a mudança no marketing da Nintendo, é importante entender como trabalha a indústria hype. O objetivo desse tópico não é trazer uma discussão filosófica sobre o que é belo e moral, mas sim identificar como o mundo dos games tem funcionado nos últimos anos e porque esse ciclo vicioso nem sempre é vantajoso para o usuário de videojogos.

Tem se tornado cada vez mais comum a prática de comprar um game no dia do lançamento e já estar pensando no próximo, ou pior, abandonar um para começar outro. As pessoas esquecem de seus jogos em questão de semanas! Um dia o assunto é Paper Mario, no mês seguinte ninguém lembra que existiu. Isso gera um questionamento: será que compramos por vontade própria ou por influência do hype? Promessas, números de vendas e notas são mais comentados que a experiência de se divertir jogando. Tudo é movido pelo hype.

A expectativa exagerada é também prejudicial para as apostas mais ousadas, como jogos indies ou experimentais. A massificação de opiniões pressiona os estúdios a inovar cada vez menos para entregar cada vez mais o padrão do “gamer moderno”: gráficos de última geração, em resolução 4K e todos os caprichos tecnológicos. Quando o jogo não atende esses requisitos, ele é rejeitado e criticado logo no primeiro trailer de anúncio e, se for em uma apresentação ao vivo, será comum ouvir: “isso não merecia aparecer em um Direct”.

Por outro lado, a massificação dos videogames criou uma lacuna entre os jogadores que não se contentam com o mais do mesmo dos grandes lançamentos. Nos últimos anos houve uma grande valorização de títulos indies, entretanto, esse reconhecimento veio da própria comunidade e de forma espontânea, indo na contramão do caminho que a indústria tem tomado, que é vender promessas em vez de experiências.

Mostrar trailers cinematográficos e grandes produções sem datas de lançamento já se tornou tão banal, que nem choca o leitor como antigamente, como, por exemplo, Final Fantasy XV (Multi) ter demorado cerca de dez anos para ser produzido. A situação atual está tão crítica, que as promessas das grandes desenvolvedoras alcançaram um novo patamar: demonstrações que só podem ser baixadas se o usuário fizer a pré-compra do jogo completo. Essa política evidencia o abuso dos grandes estúdios em cima da expectativa dos consumidores.

Ou seja, desenvolver um produto duradouro e de qualidade está deixando de ser uma prioridade para a indústria. Tornou-se mais importante prometer grandezas, seja com especificações monstruosas ou vídeos de gameplay irreais, já que dessa maneira as produtoras têm obtido sucesso e, ao que tudo indica, será o rumo que as companhias percorrerão no futuro.

As consequências deste ciclo

Surgiram alguns fenômenos interessantes em razão dessas dinâmicas, como presença de rumores e fake news, que tiveram um aumento sem precedentes. Quase diariamente brota alguém que possui uma informação, supostamente privilegiada, mas que não demora muito tempo para se provar falsa. Quando não, são vazamentos intencionais, acontecimento que não é raro, já que o burburinho das discussões acaba gerando publicidade gratuita.

Em 2012 houve um caso envolvendo a Ubisoft: um vídeo mostrava as funções exclusivas de Rayman Legends (Wii U) sendo jogado na tela do Gamepad e também o multiplayer. A princípio, o conteúdo teria vazado sem o consentimento do estúdio, mas logo que a gravação se tornou viral, a empresa veio a público para declarar, em um comunicado oficial, que o vídeo era para ser mostrado apenas para os funcionários. Essa atitude demonstrou que o vazamento não foi um problema para a empresa, porque, ao invés de remover o conteúdo do ar, ela ainda ajudou a disseminá-lo.

A agitação causada pelos rumores tornou-se uma ferramenta de marketing. Mesmo o boato mais insignificante, como as possibilidades de customização em Cyberpunk 2077, abre assunto para discussão e, por consequência, divulgação. As desenvolvedoras sabem disso e muitos “vazamentos” são intencionais, porque descobrir algo que deveria ser secreto desperta a curiosidade no público de forma mais eficiente que uma notícia informativa.

Além disso, a indústria do hype deu origem a outro fenômeno cultural: o surgimento dos web analistas. Com discursos rasos, que geralmente ajudam ainda mais na desvalorização de certos gêneros, esses influenciadores conseguem se comunicar e desinformar milhares de pessoas graças à internet. Em consequência das opiniões destes, as pessoas deixam de valorizar a experiência ou a proposta de certos jogos, apenas para envolver-se no coletivo. Seja para superestimar algo medíocre, ou menosprezar uma aposta mais conceitual, os comentários questionáveis dos web analistas moldam tendências para seus seguidores.

Por incrível que pareça, boa parte da expectativa do público é gerada por influenciadores que exageram os fatos — que diversas se confirmam informações falsas. Completando o ciclo: uma informação vazou, os youtubers exageram e criam hype em cima de um rumor; a desenvolvedora toma conhecimento da expectativa do público e, para atendê-la, decide anunciar um jogo que talvez nem estava sendo desenvolvido, ou pior, não anuncia nada e ocasiona a decepção de todos. Parece loucura, mas essa é a configuração da indústria do hype.

Mas enfim, vai ter Direct?

Embora a Nintendo já tenha declarado que o modelo Nintendo Direct seja eficaz, ela optou por não utilizar o formato, talvez por ter percebido que a ideia caminhou para uma direção negativa. Provavelmente para preservar o valor da marca, ou até mesmo para evitar a frustração dos espectadores, a companhia decidiu anunciar os próximos lançamentos por meio de tweets e sem avisar a ninguém. A estratégia tem sido adequada e parece estar dando certo, significando que não há fortes razões para mudá-la.

Para o bem da sua sanidade mental, o ideal é não ficar esperando pelas apresentações digitais. Óbvio que as clássicas transmissões voltarão a acontecer em algum momento, mas, enquanto esse dia não chega, que tal manter os pés no chão e aproveitar o que já está disponível no presente? Dica do redator: joguem Animal Crossing: New Horizons (Switch), que está sensacional!

Por gentileza, compartilhe a sua opinião sobre a ausência dos Nintendo Direct nos comentários.

Revisão: João Gabriel Haddad
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