Super Mario 128: como uma demonstração técnica do bigodudo deu origem a Pikmin

Conheça o projeto que instigou fãs da Nintendo durante uma década e que inspirou diversos grandes games da empresa.

em 23/08/2020

Com quase 20 anos de idade, a série Pikmin tornou-se uma das mais relevantes franquias da Nintendo contemporânea. Apenas quatro títulos lançados para GameCube, Wii – dentro da linha de ports New Play Control! –, Wii U e Nintendo 3DS foram suficientes para que muitas pessoas se apaixonassem pelas criaturinhas coloridas e seus jogos cheios de gameplay estratégico. Tanto que o anúncio de Pikmin 3 Deluxe para Nintendo Switch deixou vários fãs ansiosos para retornar ao planeta PNF-404.


Porém, se os Pikmin devessem sua popularidade a alguém, provavelmente seria a um encanador que já está em cena há bastante tempo: Mario. Mas não somente a um único Mario. Mais precisamente, a 128 deles. A franquia foi fruto de Super Mario 128, um dos projetos mais misteriosos da Big N, o qual deixou jogadores curiosos por praticamente dez anos. Saiba como uma proposta de sequência de Super Mario 64 (N64) e uma demonstração técnica de GameCube se transformaram em mecânicas para vários games durante os anos, entre eles o primeiro da série Pikmin.

1997 a 2000: Super Mario 64 (vezes 2)

A primeira vez que o termo Super Mario 128 foi proferido publicamente foi em janeiro de 1997. O Nintendo 64 estava no mercado japonês há apenas seis meses e, no norte-americano, há três. Com grandes títulos em sua biblioteca, como Super Mario 64, Mario Kart 64, Wave Race 64 e Pilotwings 64, o console estava próximo de receber mais um importante jogo: Star Fox 64.

Em busca de mais informações sobre a nova aventura de Fox McCloud, a saudosa revista dos EUA, Nintendo Power, entrevistou o produtor do jogo e prestigiado designer Shigeru Miyamoto. Ao ser perguntado sobre os motivos que o levaram a reutilizar a história de Star Fox (SNES) para esta nova produção em 64-bits, Miyamoto falou pela primeira vez o nome que iria seguir os fãs por anos a fio.
Nintendo Power: Por que você fez de Star Fox 64 um remake do Star Fox original?

Miyamoto: Nós queríamos produzir um design de jogo interessante, em vez de uma nova história. Às vezes eu me pergunto se deveríamos continuar com essa abordagem. Por exemplo, deveríamos continuar tentando colocar todas as novas tecnologias em cada novo jogo de Mario? O que vem depois? Super Mario 128? Na verdade, isso é o que eu quero fazer.

Shigeru Miyamoto. Entrevista para a Nintendo Power, janeiro de 1997
A partir desse momento, a ideia sobre uma sequência de Super Mario 64 se tornou cada vez mais certa. Durante a E3 de 1997, em junho, o criador do personagem bigodudo afirmou que estava nos estágios iniciais do desenvolvimento do jogo e, no fim daquele ano, começou a dar algumas pistas sobre o que estava planejando.
Miyamoto demonstrando o Nintendo 64 com Super Mario 64 na Space World 1995.

Dois elementos pareciam ser cruciais para desvendar o enigma dessa nova edição do jogo de plataforma: Luigi e o apetrecho 64DD. Miyamoto afirmava que o título estava sendo desenvolvido para o periférico, que viria a permitir o uso de discos magnéticos (a mesma tecnologia empregada em disquetes) em conjunto com os cartuchos de N64, podendo acrescentar conteúdo a jogos já lançados ou armazenar criações feitas pelos próprios usuários. O aparelho também possuía um relógio interno que podia ser usado nos jogos e trazia conexão à internet ao console, com compartilhamento de conteúdos e e-commerce.

Além de dizer que gostaria de aproveitar as capacidades de armazenamento do 64DD, Miyamoto também declarou que estava trabalhando em um sistema em que Mario e Luigi poderiam coexistir e ser controlados pelos jogadores. Apesar de inicialmente afirmar que um modo multiplayer para dois jogadores não estava completamente definido, o desenvolvedor mais tarde confessou sua vontade de fazer um título da franquia que pudesse ser aproveitado por mais pessoas ao mesmo tempo.
O Nintendo 64DD; sequência de Mario estava planejada para o acessório que ficou restrito ao Japão.

Em 2009, após a Big N ter anunciado New Super Mario Bros. Wii (Wii), o primeiro título da série com multiplayer para quatro jogadores simultâneos, ele afirmou que houve um experimento em Super Mario 64 em que os dois irmãos corriam juntos pelo cenário 3D e a câmera se aproximava e se afastava da ação conforme a distância entre eles. Tal modo nunca foi implementado devido às limitações do hardware do N64, as quais podem ter sido decisivas para a primeira mudança de plataforma do projeto Super Mario 128.

Alguns registros na internet mostram que, em 1998, Miyamoto já cogitava transferir a sequência para o próximo console. Em uma entrevista creditada à Nintendo Power, ele teria alegado que o jogo poderia ser algo que funcionaria em um sistema completamente novo. Além disso, vale lembrar que o 64DD não emplacou no mercado japonês, fazendo com que vários softwares planejados para o acessório fossem readaptados para cartuchos regulares, cancelados completamente ou movidos para o novo hardware que estava sendo desenvolvido pela Nintendo. Essa última opção foi o destino de Super Mario 128, que entrou nos anos 2000 assumindo sua face mais conhecida pelo público.

2000 a 2005: a demonstração técnica e o jogo misterioso

O ano era 2000. Sony, SEGA e a novata Microsoft já haviam mostrado suas máquinas para a próxima geração de consoles de mesa. Para apresentar ao mundo sua nova plataforma, a Nintendo realizou, no mês de agosto, uma edição de seu antigo evento Space World, no Japão. Em um palco cheio de luzes coloridas, fumaça e música, o Nintendo GameCube foi oficialmente apresentado.

Para mostrar o poder de seu novo console, a Big N preparou uma série de vídeos e demonstrações técnicas que hoje fazem parte da história da empresa, como o vídeo de The Legend of Zelda com estilo gráfico realista, o show de Meowth’s Party e teasers de jogos que nunca foram lançados, como um novo Banjo-Kazooie e Donkey Kong Racing. Entre essas exibições estava Super Mario 128.

Na demo apresentada ao vivo, um sprite 8-bit de Mario aparece andando na tela, com o tema musical de Super Mario Bros. (NES) ao fundo. A câmera se aproxima e revela que cada pixel do personagem é, na verdade, um cubo. Todos os cubos encontram-se agora em cima de uma espécie de tabuleiro circular. De dentro de um dos objetos, sai um Mario, que levanta um outro cubo e revela outro Mario. Aos poucos, vários Mario saem de seus cubos e vão ocupando o tabuleiro. Um contador na parte de cima mostra quantas cópias do encanador estão presentes, até que ele para no número 128. O público agora via mais de uma centena de Mario interagindo uns com os outros, andando pelo espaço, jogando blocos e até mesmos seus colegas para fora do cenário.

O propósito da demonstração, aparentemente, era mostrar a capacidade do GameCube em renderizar uma série de personagens, cada um com sua própria inteligência artificial, sem queda de performance. Além disso, foram mostrados alguns efeitos gráficos, engines de iluminação e alterações de ambiente, com colinas e depressões. Miyamoto chegou até mesmo a falar sobre um inovador sistema de câmera, mas não se aprofundou no assunto. Porém, mesmo sendo uma tech demo, todos começaram a assumir que Super Mario 128 seria um jogo próprio, até mesmo Miyamoto. Era o início de anos de especulação.

No ano seguinte, durante a E3 2001, a Nintendo apresentou a lineup dos primeiros jogos de GameCube, que incluía Luigi’s Mansion, Super Smash Bros. Melee e o próprio Pikmin. Meses depois, na Space World 2001, esse catálogo foi ampliado com nomes como The Legend of Zelda: The Wind Waker e, em especial, Super Mario Sunshine. O first look da nova aventura do bigodudo foi bem positivo, dando a ele o título de sequência de Super Mario 64. Então este é o produto final de Super Mario 128, certo? Errado.

No final de 2002, em entrevista à revista Playboy japonesa, Miyamoto surpreendentemente reviveu o projeto. Sunshine, que havia sido lançado há alguns meses, não tinha novidades e mecânicas diferentes suficientes para aumentar as vendas da Nintendo, de acordo com o designer. Ele manifestou o desejo de fazer coisas novas e, ao ser perguntado sobre os planos para o futuro da Big N, ele disse:
“Nós estamos desenvolvendo Pikmin 2 e o Mario 128 que foi mostrado a todos em um anúncio à imprensa anteriormente. Você vai sentir uma coisa nova nesse game que não estava em Mario Sunshine."

Shigeru Miyamoto. Entrevista para Playboy Japão, dezembro de 2003
O público ficou animado, afinal seria a primeira vez que dois jogos da série principal do personagem seriam lançados para o mesmo console desde o NES. Muitas expectativas foram criadas para a E3 2003, mas nenhuma atendida. O título não apareceu na feira. Supostamente a Big N teria ficado com medo de outros desenvolvedores roubarem as ideias do game, que pelo visto nunca tinham sido implementadas em um jogo antes. Porém, Miyamoto voltou a confirmar em entrevista que Super Mario 128 e Super Mario Sunshine eram duas entidades distintas, com desenvolvimentos separados.

Nesse ponto, o projeto começou a ganhar vieses de mistério. As afirmações certeiras de que o título sairia no GameCube começaram a dar lugar para frases mais vagas. George Harrison, antigo vice-presidente sênior de marketing da Nintendo of America, afirmou, ainda em 2003, que um novo Mario estava em produção, mas não respondeu se o jogo chegaria ao cubo roxo. Já Miyamoto, no ano seguinte, deu sinais de que as ideias do game estavam sendo desmembradas em múltiplos consoles.
“Ao desenvolver, nós frequentemente olhamos para diferentes hardwares e rodamos diferentes experimentos neles e testamos diferentes ideias. Houve um número de ideias experimentais que nós rodamos no GameCube. Há algumas que rodamos no DS e há outras ideias também.

Nesse momento, eu não sei se veremos esse jogo em um sistema ou em outro.”

Shigueru Miyamoto. Entrevista para GameSpy, 25 de maio de 2004
Novamente, o título não deu as caras durante a E3 2004 e, com o fim do ciclo de vida do GameCube se aproximando, 2005 começou com rumores de que o projeto poderia ter sido movido para a próxima plataforma da Nintendo, de codinome Revolution. Ao ser perguntado sobre essas especulações, o conhecido Reggie Fils-Aimé, então vice-presidente executivo de vendas e marketing da filial americana da empresa, esclareceu que o game seria exposto na E3 2005 na forma de vídeo. O evento chegou e nada do jogo aparecer. A resposta de Reggie? “Eu só posso mostrar o que o Sr. Miyamoto me dá para mostrar”.
O Wii na época em que ainda era conhecido como Revolution. Super Mario 128 foi movido para o console.

Ao final do ano, Miyamoto pôs fim aos rumores. Sim, Super Mario 128 seria lançado no Revolution. Em entrevista à publicação Wired ele demonstrou vontade de desenvolver no novo console e, em uma conversa a uma estação de rádio do Japão, chegou a dizer que o projeto influenciou a concepção do hardware que viria a se chamar Wii. “O novo Mario vai surpreender muita gente. Confie em nós”, constatou o desenvolvedor.

2006 e 2007: Wii, Super Mario Galaxy e Pikmin

Junho de 2006. O Wii, seus controles de movimento e sua biblioteca de jogos foram detalhados pela Nintendo em sua conferência na E3. Entre os títulos apresentados, um que empolgou o público presente: Super Mario Galaxy. Na demonstração disponível no pavilhão, o encanador voava pelo espaço impulsionado por estrelas e se movimentava sobre planetas, podendo ficar de ponta cabeça, subir pelas paredes e fazer movimentos nunca antes vistos em um jogo da franquia em 3D. O título foi lançado em 2007, mesmo ano em que o quebra-cabeça que era Super Mario 128 se resolveu.

Em entrevista ao então presidente da Nintendo, Satoru Iwata, dentro do bloco de conversas Iwata Asks, Yoshiaki Koizumi, diretor de Super Mario Galaxy, afirmou que o desenvolvimento do título teve origem em 2000, justamente com a demonstração técnica do GameCube. Ele era diretor da demo e queria transformá-la em um produto real, mas acreditava ser uma tarefa quase impossível. Segundo ele, transformar o tabuleiro em que os 128 Marios andavam em uma esfera na qual o personagem poderia correr, uma vontade de Miyamoto, exigia um grande conhecimento técnico e um alto nível de motivação da equipe. Por sorte, após produzir Donkey Kong: Jungle Beat com o recém formado estúdio EAD Tóquio, sentiu que seu time estava preparado para encarar esse desafio.
Os cenários esféricos de Super Mario Galaxy nasceram em Super Mario 128.

Mas o que isso tem a ver com Pikmin? Durante a Game Developers Conference, em março de 2007, Miyamoto subiu ao palco para falar a uma plateia cheia de desenvolvedores e repórteres. Lá, além de compartilhar sua filosofia de trabalho e suas opiniões sobre a indústria, ele finalmente encerrou os 10 anos de rumores sobre Super Mario 128.
"A questão que sempre me perguntam é 'O que aconteceu com Mario 128?'... A proposta daquela demo era mostrar como a nova tecnologia no GameCube poderia mudar dinamicamente a natureza de jogos Mario. Então, quando as pessoas me perguntam o que aconteceu com ele, eu sempre fico sem saber como responder, porque a maioria de vocês já o jogou  mas vocês o jogaram em um game chamado Pikmin. Esse game apresentou um elemento de Mario 128 que permitia a um grande número de personagens operar independentemente e como um grupo – é inteligência artificial avançada. Mas, claro, se eu tivesse dito que isso foi o que aconteceu com Mario 128, vocês ficariam bem bravos."

Shigeru Miyamoto. Palestra na GDC 2007
Vendo por esse ângulo, a afirmação faz bastante sentido. Afinal, quando colocamos Pikmin e Super Mario 128 lado a lado, percebemos que os dois utilizam centenas de personagens semelhantes realizando tarefas diferentes. No caso de Pikmin, no entanto, Miyamoto aplicou uma ideia que teve ao ver uma linha de formigas trabalhando juntas e criou um jogo em que seres minúsculos carregam itens juntos para um mesmo lugar, seguindo um líder. Os seres se tornaram os coloridos Pikmin e o líder, Capitão Olimar, que, aliás, tem um nome bem parecido com Mario. Uma possível referência às origens do jogo.
Olimar pode controlar até 100 Pikmin. Praticamente 128.

Passaram-se dez anos até que o enigma de Super Mario 128 fosse desvendado. Mas, no momento, temos um outro enigma envolvendo Pikmin. Já faz quase cinco anos que Miyamoto comentou que a quarta edição da série estava quase finalizada e, até agora, silêncio. Fãs especulam sobre o estado do desenvolvimento do título e a história se repete. Vamos torcer para que não tenhamos que esperar mais cinco anos para que esse outro mistério seja solucionado.

Revisão: José Carlos Alves
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Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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