PlayStation: a evolução que o Nintendo 64 rejeitou

Depois de liderar o mercado dos consoles de mesa com o NES e o SNES, a Nintendo passaria um bom tempo correndo atrás do primeiro lugar no pódio.

em 15/08/2020
Este texto é um sincero desafio, fruto de um das principais indagações de outros que, assim como eu, somos nintendistas de carteirinha. Como um colecionador de Pokémon, pedaços de coração e moedas de ouro que sou, muitas vezes me peguei refletindo sobre o porquê do Nintendo 64 (meu console de mesa favorito, diga-se de passagem) não conseguir capturar tantos jogadores e acabar perdendo a geração para uma estreante no ramo dos consoles, e a conclusão que cheguei foi bem simples:


O PlayStation é uma evolução mais natural do Super Nintendo do que o próprio Nintendo 64. Sua própria gênese o confirma. Não é mais surpresa para ninguém de que o final da parceria para o projeto do SNES CD foi o gatilho para Sony desenvolver seu próprio aparelho dedicado a jogos. Muito mais que o esqueleto, o console de 32-bits levou consigo parte da essência de seu meio-irmão mais velho.

De volta ao passado

Não espero que o leitor concorde exatamente com meu ponto de vista, mas que pelo menos o entenda e, para tanto, proponho fazermos este exercício juntos. Imagine que você é um consumidor mediano na segunda metade dos anos 90.

Você gosta muito de jogos, mas não ao ponto de se envolver na Console Wars, até tem um Super Nintendo, mas o comprou analisando o catálogo de modo geral e não, especificamente, pelos jogos da própria Nintendo. Por mais divertidos e de boa qualidade que sejam, jogos como Super Mario World, F-Zero, Donkey Kong Country ou The Legend of Zelda: A Link To The Past não são seus preferidos, e títulos como Super Castlevania IV, Chrono Trigger, Final Fantasy VI, Street Fighter II, International Super Star Soccer, Fatal Fury II, Sunset Riders, Final Fight, X-Men: Mutant Apocalypse, Megaman X2, Top Gear 3000, Axelay ou Super R-Type são seus preferidos.

A nova geração de consoles chegou, e com ela novas propostas, trazendo Jogos poligonales e ambientes em três dimensões. Por mais que goste de seu Super Nintendo, os novos sistemas estão já há algum tempo na praça, e você acha que é hora de migrar de plataforma para aproveitar os novos lançamentos. Chegado a uma loja de eletrônicos, lá estão duas boas opções.

De um lado, temos a emergente Sony que, embora já nos anos 90 era conhecida pela boa qualidade de seus eletrônicos, não tinha presença no mundo dos videogames. Do outro lado, o novo aparelho da Nintendo, a mesma fabricante do console que você tem em casa e que tanto te divertiu por alguns anos. Você dá uma olhada nos consoles, nas prateleiras de jogos dedicadas a cada um, até se impressiona vendo uma demo de Super Mario 64 (N64) rodando em uma TV. Talvez uma demo de Resident Evil (PS) em uma TV lado também, para dar aquela balanceada.


O controle

O controle do Nintendo 64 foi concebido para movimentar personagens em ambientes em 3D. A alavanca analógica tornou possível a execução de jogos de primeira linha como Super Mario 64, 007 Goldeneye, entre outros, era uma nova proposta, uma nova forma de jogar. De fato, o console da Nintendo movia polígonos muito melhor que seus concorrentes. Mas, de um ponto de vista estético e ergonômico, seu controle podia não ser o modelo mais chamativo do mundo.

Antes do Dual Analog Controller, o controle do PlayStation não trazia um sistema tão bom para este tipo de jogos. O bom e velho D-Pad estava lá em seu lugar. Os analógicos tão pouco faziam falta para os jogos da primeira safra do sistema, como Battle Arena Toshinden, Zero Divide, Wipeout ou Ridge Racer. Quando os jogos focados nos grandes ambientes 3D chegaram, logo a Sony lançou o DualShock e sanou esta deficiência.

De maneira bem resumida, a posição dos botões, o par de gatilhos de ombro e os pegadores adicionados fizeram do controle da Sony quase uma evolução orgânica do controle do 16-bit da Nintendo, que, por sua vez, apostou em uma pegada diferente, encantando muitos e afastou a outros tantos.
Olhando assim, quem parece ser irmão de quem?


Apoio das third-party

Quando a Nintendo anunciou que seu poderoso sistema de 64-bit usaria os tradicionais cartuchos ao invés da mídia de CD-ROM , muitas produtoras torceram o nariz. Não quero cair na briga dos formatos aqui, já que depois de 24 anos todos já sabemos que os cartuchos tinham melhor velocidade de leitura, eliminando as tediosas telas de loading, mas perdiam, e muito, para os CDs na quantidade de conteúdo a ser armazenado. O que nos interessa aqui é o impacto que a decisão da Big N em usá-los causou entre as outras softhouses.

Talvez o exemplo mais emblemático seja a decisão da Square de migrar seu Final Fantasy SGI para a plataforma da concorrente. Lendas à parte, o próprio Hiroshi Yamauchi, a esta altura presidente da Nintendo, ficou tão furioso com o que considerou uma traição por parte da Square, que jurou em público que o nome Final Fantasy não apareceria nunca mais em um console da Nintendo.

Nem Final Fantasy, nem nada. Segundo Hiroshi Kawai, programador da Square na época, a diretoria da Nintendo disse para nunca mais voltarem. E por anos ninguém da Square voltou a pisar em um escritório da Nintendo, situação que mudou apenas em 2002, quando a empresa já era presidida por Satoru Iwata. O resultado? Enquanto o PlayStation recebeu RPGs da melhor qualidade, como o próprio Final Fantasy VII, Final Fantasy Tactics, Xenogears, Valkyrie Profile e Vagrant Story, o console da Nintendo praticamente não recebeu nada do gênero.

Como resultado direto, o console teve um desempenho muito baixo no Japão, fazendo com que a Nintendo perdesse o mercado dentro de casa até mesmo para o Sega Saturn.

Não podemos ignorar a Capcom também nessa lista, embora a mesma tenha quase ignorado o 64-bit. Alguns jogos como Resident Evil 2 chegaram ao sistema da Nintendo, e em conversões muito bem feitas. Mas em um panorama mais amplo, a diferença de tratamento entre as plataformas é gritante. Grandes sagas como Mega Man X, Dino Crisis e Street Fighter nunca correram por estes circuitos. De todos, este último era uma perda quase inconsolável. Nem mesmo a subsaga Street Fighter EX com seus personagens poligonais deram as caras no console da Nintendo. E para os que vão argumentar sobre a falta de armazenamento, não se esqueçam que Street Fighter Alpha 3 foi portado para o Game Boy Advance.

O mesmo podemos dizer de outras produtoras japonesas como a Konami. Não estou dizendo que deveriam ter portado Metal Gear Solid (PS) para um cartucho de poucos megabytes, mas atentando ao fato de que, por exemplo, nunca existiram planos para um Silent Hill 64, ou alguma versão dos, na época, tão populares jogos da série Yu-Gi-Oh!. A Enix até trouxe projetos interessantes no início da vida do console de 64-bit, mas logo seguiu o mesmo caminho da Square.

Mesmo quando uma saga chegava, parecida que faltava algo. Não havia a mesma frequência de lançamento das séries de futebol da empresa e, além disso, não é preciso ir muito longe para ver que o Castlevania do Nintendo 64 simplesmente não estava à altura de Symphony of the Night (PS).

A lista de franquias que as empresas não quiseram levar ao Nintendo 64 poderia se estender, e muito. A Bandai com seus excelentes jogos de Dragon Ball, a Electronic Arts e o Need For Speed (quem aqui nunca imaginou um Need For Speed 64?) ou algum Medal of Honor, a Namco com Tekken e Ace Combat, a SNK com Metal Slug, Samurai Shodown, entre outras.
O suporte nativo para 4 players seria perfeito para portar jogos assim.

A estação dos jogos

A disparidade na quantidade de jogos recebidas pelas duas plataformas é um reflexo cru dos itens listados acima. Acumulando um total de 388 jogos recebidos, o 64-bit da Nintendo teve que dar seus pulos para se mostrar atrativo num mercado em que seu principal concorrente recebeu por volta de 3290 jogos. A margem de qualidade, valor de produção, variedade de gêneros e execuções de ideias que cabem no primeiro é quase dez vezes menor que no segundo.

Ainda que alguns multi-plataforma tirassem proveito das capacidades técnicas e da renderização sólida do Nintendo 64 para oferecer a melhor versão, como é o caso de Rayman 2: The Great Escape ou 007 The World Is Not Enough, não era fácil compensar as perdas.

Não se trata apenas da ausência de nomes famosos, como Tomb Raider ou Persona, mas da escassez de gêneros inteiros em seu catálogo. Quantos jogos de luta realmente bons ele recebeu? RPGs? Beat 'em ups alguém viu algum? Algum simulador de direção tão bom para bater em Gran Turismo? Mesmo os simples plataformas 2D, como The Adventure of Little Ralph (PS1), faziam falta.

Assumindo mais uma vez o ponto de vista do personagem que criamos parágrafos antes. Ainda que jogos realmente incríveis e de séries muito populares como Star Fox 64, Pokémon Stadium, Zelda Ocarina of Time, Banjo-Kazooie, Super Mario e seus diversos spin-offs fossem exclusivos de peso no console da Nintendo, no fim das contas muitas das sagas mais populares dos tempos do Super Nintendo foram parar no console da concorrência.

Ciente de que estou olhando para o passado com os olhos de futuro, dispondo de dados que ninguém poderia prever em 1995, como as vendas totais de cada plataforma, por exemplo, e não pretendendo dar uma resposta definitiva ao assunto, minha pergunta inicial encontrou uma, por hora satisfatória, resposta:

A Nintendo optou pela inovação em detrimento da evolução, obrigando-a romper com modelos que ela mesmo havia estabelecido. Rompeu também com marcas e pessoas que contribuíram para que o Super Nintendo fosse o que foi. Abriu-se um espaço, um vazio, que foi exitosamente preenchido e expandido pela marca PlayStation.



Revisão: João Gabriel Haddad
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