Análise: Nowhere Prophet mistura gerenciamento de recursos, jogo de cartas e roguelike no Switch

O game certamente tem muito a oferecer, mas também pede em troca bastante tempo e dedicação do jogador.

em 12/08/2020


Em um específico mundo pós-apocalíptico cibernético com fortes influências da cultura indiana, surge uma profecia sobre uma certa cripta prometida com o potencial de trazer dias melhores. Para atingir esse objetivo, é preciso que alguém lidere uma caravana disposta a trilhar caminhos sinistros, cruzar desertos tortuosos, encarar a fome e a sede, questionar a própria fé e até mesmo enfrentar grupos de bandidos, bestas e máquinas de combate durante toda a aventura.

Apenas o profeta que foi escolhido pelos céus pode realizar uma tarefa tão hercúlea. O método escolhido? Planejar cuidadosamente o trajeto do seu comboio pelo mapa, gerenciar recursos que vão desde comida e baterias até a fé dos seus seguidores, e… bom, jogar cartas no maior estilo Hearthstone e Magic: The Gathering, tentando preservar a vida do maior número de aliados possível no processo — e a sua própria, é claro. Essa é a premissa de Nowhere Prophet, o inusitado roguelike de cartas/estratégia da Sharkbomb Studios.

Não é fácil ser um profeta

No papel do profeta líder do comboio, prepare-se para ler bastante e aprender um grande número de mecânicas desde o começo. O jogo não perde tempo em lançar todo o conteúdo de uma vez em cima de você, e uma porrada de texto vem junto nesse pacote. Quanto ao tutorial em si, ele até que faz um bom trabalho em explicar a maioria dos elementos do game durante a primeira jogatina. Mas a verdade é que há uma quantidade tão expressiva de conteúdo para lembrar que alguns recursos realmente só irão fazer sentido após algum tempo jogando.

No entanto, a maior parte da leitura não será feita dentro do tutorial, e sim de forma natural durante o jogo. Tirando a parte óbvia — que são as várias cartas, seus efeitos e habilidades —, navegar pelo mapa e gerenciar o deck e os itens coletáveis é o que realmente irá colocar seus olhos e sua atenção à prova. Jogar Nowhere Prophet envolve ler um bom número de quick time events no mapa e tomar decisões a toda hora. Além disso, será preciso entender e interpretar uma grande variedade de itens, mecânicas e habilidades constantemente. Tudo isso, infelizmente, apenas no idioma inglês. O nosso bom e velho português ficou de fora dessa. 



O funcionamento do jogo em si não é assim tão complicado. Como um roguelike declarado que é, cada run (ou "tentativa de zeramento") de Nowhere Prophet possui os elementos clássicos do gênero: permadeath e cenários/batalhas gerados randomicamente. A jornada até a cripta acaba imediatamente se o líder da caravana perder todos os seus pontos de vida. No entanto, um dos maiores diferenciais de Nowhere Prophet enquanto jogo de cartas é estender essa lógica também para as unidades do seu comboio. Quando um dos seus seguidores sofrer derrota em combate, ele recebe uma ferida, que é ilustrada por um corte vermelho em cima da arte. Se ele morrer novamente após ser ferido (e não for curado no meio tempo), você perde a unidade para sempre. Pelo menos o seguidor ferido recebe um desconto de um ponto de energia para você colocá-lo em campo; por outro lado, também entra em combate com um ponto de vida a menos.

Aproveitando a deixa para explicar as batalhas, elas funcionam de forma bastante similar à base criada pelo legado de cartas físicas de Magic e cartas digitais de Hearthstone. As semelhanças são muitas: você gasta pontos de energia (a sua "mana") para colocar seguidores em campo e utilizar cartas de Líder (as "magias" ou habilidades especiais); os seguidores possuem os clássicos valores de ataque/defesa (que também atua como a vida da unidade); é preciso atacar diretamente os pontos de vida do oponente para vencer o combate; existe "enjoo de invocação" e as unidades têm habilidades como ímpeto, provocar, venenoso e grito de guerra (só que com outros nomes, claro).



Um claro diferencial nos confrontos de Nowhere Prophet é a estrutura do cenário, que se assemelha mais a um jogo de estratégia do que a um típico game de cartas. Os combates acontecem em campos de batalha de tamanhos variados e com obstáculos pré-definidos, como pedras, paredes e até tonéis explosivos. Onde você coloca as suas unidades também faz diferença. Tirando seguidores com habilidades específicas, apenas unidades que não estão obstruídas por outra unidade ou objeto podem atacar ou receber dano. Caso você queira atacar com um seguidor que não está na linha de frente, é necessário gastar um turno para movê-lo ou usar alguma carta especial.

Vale ressaltar também que o seu deck na verdade é dividido em duas partes, ou dois decks que se complementam. Cartas de seguidores (o deck do comboio) ficam à esquerda e as cartas "mágicas" de habilidades (o deck do Líder), ficam do lado esquerdo da tela. Você compra uma carta para cada mão no começo da sua vez, e é possível ainda trocar qualquer uma das suas cartas por outra aleatória até uma vez por turno. Outras habilidades ofensivas, defensivas ou passivas também podem ser adquiridas por meio de itens equipáveis.



Quanto aos cenários gerados aleatoriamente, eles implicam todo um meta game de gerenciamento. Controlar a caravana pelo mapa consiste em mover o cursor de um ponto para o outro, gastando recursos como comida e fé para poder realizar a ação. Se a sua comida acaba, algumas de suas unidades irão morrer aleatoriamente entre os turnos de movimentação pelo mapa. Já se a sua equipe ficar sem nenhuma fé, lacaios irão abandonar o seu grupo entre esses turnos. Basicamente, é de suma importância sempre manter o olho nas reservas desses dois recursos para não perder cartas de graça.

Além de você estar à mercê de eventos rápidos aleatórios a todo momento, os vários pontos espalhados pelo mapa podem conter uma série de lugares ou desafios inusitados. É possível avistar muitos mercados para compra e venda de itens/unidades, locais de cura para gastar comida e recuperar a vida do seu profeta ou dos seus seguidores, cidades que reúnem mercados, pontos de cura, eventos aleatórios e até batalhas e, por último, grandes pontos vermelhos que representam combates mais difíceis do que o normal.

Grande parte do seu tempo pelo mapa será gasto dentro dos menus, na verdade. Tarefas como fazer a devida curadoria tanto do deck do comboio quanto do deck do líder são frequentes, por exemplo. Adicionalmente, pensar bem em como você irá gastar suas baterias (o dinheiro do jogo) é extremamente necessário. Você pode comprar novos seguidores, gastá-las em eventos aleatórios com a esperança de uma boa recompensa ou comprar itens equipáveis ou usá-las para aumentar o nível do seu líder. Toda vez que o líder sobe um level você pode escolher uma nova carta de líder e ainda ganha um novo slot de equipamento de vez em quando — esse é outro menu em que dá para passar um bom tempo, por sinal.

Um projeto peculiar

Nowhere Prophet definitivamente é um bom jogo de cartas. O combate e a travessia pelo mapa são mecânicas que, salvo algumas mazelas, são bem estruturadas o bastante para entreter o ocasional jogador curioso, mas certamente serão mais do que o suficiente para os amantes de jogos de estratégia/cartas ou entusiastas de roguelikes. É difícil recomendar o título para qualquer tipo de jogador, afinal sua curva de aprendizado é bem intimidadora, assim como a dificuldade geral, mesmo no nível mais baixo.

Sem querer desmerecer Nowhere Prophet, o fato é que ele acaba pertencendo a um nicho um tanto específico. Uma comparação fácil seria com Slay The Spire, popular roguelike de cartas já disponível para o Switch há algum tempo. Só que Slay The Spire, que definitivamente não é jogo fácil, ainda é muito mais convidativo, acessível e, ouso dizer, divertido do que Nowhere Prophet. A sua aventura como o profeta de lugar algum nunca é suave, ela é densa, intrincada e cheia de camadas e mais camadas para se explorar do começo ao fim.



Realmente é quase mais fácil comparar o título com um jogo de estratégia ou até um RPG mais tradicional no qual a parte do jogo de cartas é apenas um elemento dentro de um contexto maior. Sem dúvidas, há bastante variedade nos combates. No entanto, após algum tempo de jogo, é possível perceber variáveis bem comuns que se repetem durante o progresso da maioria das batalhas.

Raramente faz sentido atrasar o jogo ou preparar o seu lado do campo com vários monstros poderosos. A moral aqui é eliminar o inimigo o mais rápido possível. Grande parte das cartas de líder são bem "diretas ao ponto" em suas funções e simplesmente dão dano, incluindo no líder adversário. Além disso, você sempre começa o jogo. O que quer dizer que muitas vezes a vantagem de ter mais seguidores que podem atacar antes será sua — já que, tirando unidades com uma habilidade específica, é preciso esperar um turno para atacar com um seguidor. Por fim, a maioria dos inimigos não têm muitos pontos de vida. Assim, depois que você coletar algumas cartas poderosas durante a jornada, será fácil se livrar dos inimigos tão rápido quanto monstros fracos em um RPG. 



Por outro lado, se você perder a vantagem inicial para as investidas do inimigo e/ou se ele tiver um grande número de pontos de vida, a situação muda por completo. Quando não é possível eliminar o inimigo rapidamente, o combate pode se estender bastante — levando um bom número dos seus pontos de vida e seguidores no processo.

Esses são os momentos mais difíceis de Nowhere Prophet. Tentar voltar quando você está para trás no fluxo do combate pode dar uma boa fritada no seu cérebro. Jogando no nível de dificuldade mais fácil, algo que eu recomendo para sua primeira run, até que dá para atravessar todas as áreas da campanha sem tanto esforço. Já a partir do segundo nível, a dificuldade escala bastante, e de uma forma meio estranha. Combates mais árduos chegam de repente e, às vezes, confrontos mais à frente não são assim tão complexos. Batalhas de chefe, no entanto, sempre são penosas.

É certo que há muito conteúdo para ser explorado no game. A natureza roguelike faz com que nenhuma jogatina seja exatamente igual e, ao longo do tempo, novidades como novos decks iniciais, personagens e até modos de jogo são destravados — só que nem tudo são flores. Embora o mapa sempre mude, a estrutura básica do cenário ainda é bem limitada e o processo certamente tende a se tornar repetitivo. E em relação ao conteúdo extra, destravar as novidades acontece de forma pouco frequente e aleatória demais para realmente prender o jogador de forma eficiente. 



Lembrando os pontos positivos, seria impossível falar de Nowhere Prophet e não elogiar o primor do seu conteúdo audiovisual. A equipe que desenvolveu o título é pequena, e esse é o projeto de longa data do game designer Martin Nerurkar. Dá para ver que o game é um produto de muito carinho e dedicação por parte de seus criadores. A arte de Anjin Anhut veste o jogo como uma luva, trazendo uma montanha de personalidade e estilo para cada ilustração. Na parte sonora, a trilha de Mike Beaton acerta todas as notas corretas com a sua versão cyberpunk da música tradicional indiana.

Vale lembrar também que Nowhere Project pode ser jogado 100% no Switch em "modo tablet" (sem os Joy-Con, só a touchscreen). Um recurso extremamente bem-vindo para um jogo do gênero e que, por alguma razão, raramente está disponível de forma efetiva no pequeno console híbrido da Nintendo. Essa foi a minha forma preferida de jogar o título, de forma rápida, dinâmica e extremamente prática. Nos combates, funciona que é uma beleza. No mapa, infelizmente, há alguns problemas de calibragem na sensibilidade de certas opções. Confirmar o próximo ponto de destino, por exemplo, demora muito mais que o necessário. Algo pequeno, mas que acabou incomodando bastante durante a experiência. 



Nowhere Prophet é um grande projeto de uma equipe pequena que resultou em um trabalho diferente, inovador, intrigante e bem-feito. Não há nenhuma falha gritante dentro do que o jogo propõe, mas sem dúvidas existem pontos que poderiam ser melhor lapidados. Adicionalmente, o próprio gênero escolhido, a grande quantidade de texto para ler e regras para aprender, a dificuldade acentuada e a alta curva de aprendizado fazem do game um jogo de nicho que passará despercebido por muita gente. Fãs de jogos de cartas e/ou de roguelikes diferentes, no entanto, talvez encontrem um novo passatempo bastante válido.

Prós

  • Interessante mistura de roguelike com jogo de cartas/estratégia;
  • Arte fenomenal e trilha sonora no ponto;
  • Bastante conteúdo para destravar e coisas para aprender, dá para passar um bom tempo com o jogo.
  • Suporte total ao Switch em "modo tablet" sem Joy-Cons.

Contras

  • Dificuldade alta, assim como a curva de aprendizado em geral;
  • Mapas gerados randomicamente, mas ainda muito parecidos entre si;
  • Gameplay loop pode acabar cansando alguns jogadores, depende do seu nível de envolvimento com as mecânicas;
  • O controle pela touchscreen é ótimo, mas tem alguns probleminhas de calibragem.
Nowhere Prophet - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão:  Jorge Neto
Análise produzida com cópia digital cedida pela No More Robots
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