Análise: Is It Wrong To Try To Pick Up Girls In A Dungeon? Infinite Combate (Switch) insulta o gênero RPG

Tão sem graça quanto a animação, o jogo é voltado apenas aos fãs da obra na qual foi baseado. Talvez, quem sabe, a jogadores despretensiosos também. Ou os dois.

em 30/08/2020

Is It Wrong To Try To Pick Up Girls In A Dungeon? (Dungeon ni Deai o Motomeru no wa Machigatteiru Darou ka?, no original japonês), também conhecido popularmente como DanMachi, é um jogo recém-lançado para Switch e outras plataformas baseado na série de light novels homônima e que, posteriormente, ganhou uma série animada. Com esse nome gigantesco, a história gira em torno de Bell Cranel, um aspirante a aventureiro de 14 anos que decide explorar o calabouço subterrâneo da cidade de Orario.


Sob a proteção da deusa Hestia, em uma de suas explorações, o jovem aventureiro é atacado por um minotauro. Porém, antes de virar comida de monstro, é salvo por Aiz Wallenstein e, envergonhado (e coberto de sangue), sai correndo do local. Bell, então, toma uma decisão importante: ele quer se tornar mais forte para não precisar mais ser protegido. Como é comum no gênero da obra original, ele acaba tendo uma queda por Aiz.

Mais parece que Bell mergulhou em uma piscina de tinta vermelha...

Caso você tenha caído aqui de paraquedas, por favor, não me crucifique. O resumo acima é o enredo todo de DanMachi, um título que não mede esforços quando o assunto é fanservice. E o jogo, que tinha de tudo para ser interessante, até mesmo devido ao gênero no qual se encaixa, é apenas uma adaptação em forma de visual novel da animação.

O problema da versão de animações para os jogos

Não é fácil traduzir a cultura geek para os videogames. Muitas vezes o jogo acaba sendo apenas uma reprodução de cenas já vistas na animação original, desapontando jogadores que procuravam por gameplay, como aconteceu com Dragon Ball Z: Kakarot; em outros casos, apenas alguns elementos são levados em consideração, como personagens e ambientações, mas o conteúdo narrativo do jogo decepciona, sendo bons exemplos Fairy Tail e Dragon Ball FighterZ. Esses dois últimos só fazem mais sentido para quem já acompanha as séries originais e carregam uma grande dose de spoilers em seus gigabytes.

A mesma cena na animação, mas vista por outro ângulo
Em suma, podemos resumir este impasse como “oito ou oitenta”, uma vez que não consegue chegar a um meio-termo para agradar tanto a fãs quanto a jogadores — e nem mesmo o queridinho Naruto escapa disso. Lembro-me de quando estava no Ensino Médio e joguei um dos jogos de luta da série criada por Masashi Kishimoto na casa de uma amiga, junto com outros colegas. Como nunca li o mangá (e muito menos tive paciência para me engajar na animação), precisava perguntar aos meus amigos a origem dos golpes e quem eram os personagens; afinal, eu só conhecia Rock Lee, Naruto, Sakura e uns outros poucos mais famosos.

DanMachi entra no primeiro grupo mencionado neste tópico. Assim como dito na introdução, o RPG estilo dungeon crawler possui a mesmíssima história da animação. Não há nenhum conteúdo inédito, pois até mesmo o pós-jogo é baseado nas original video animations (OVAs).

Calabouços = exploração? A resposta é não

De dungeon mesmo, só a palavra no título gigantesco. E de crawler, nada. Quando falamos em dungeon crawlers, logo nos vem à mente a ideia de explorar calabouços e, aos poucos, desvendar o mapa dos locais, caindo em armadilhas e chegando a becos sem saída. DanMachi, no entanto, vai na contramão do gênero e dá aos jogadores o mapa pronto. Qual é a graça, então, de explorar calabouços e masmorras, algo que todo aventureiro que se preze faz? Nenhuma.

Eu preferiria descobrir o mapa sozinha

Mesmo que o gênero não seja muito atrativo para a maioria dos jogadores, uma vez que é tido como “tedioso” e complexo, se um entusiasta de dungeon crawlers experimentar DanMachi, com certeza sentirá que se trata de um baby game. Em inglês, esse jargão significa “jogo que não apresenta desafios” e resume muito bem o tipo de experiência que temos aqui.

Se o motivo para investir no jogo é o gênero (inexistente aqui, por sinal), recomendo outros títulos, como Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk ou até mesmo Tokyo Mirage Sessions #FE.

Simplicidade, uma faca de dois gumes

DanMachi não é um ótimo jogo, mas conseguiu alguns pontos de redenção comigo. Por mais que possa ser chamado de baby game, a simplicidade chega a ser algo positivo e pode ser uma boa introdução aos jogadores que não tiveram contato com RPGs de ação.

O jogo não possui sistemas complexos e o manual, além de trazer um resumo da história, também explica (de maneira satisfatória, vale ressaltar) como jogar, o que são suportes e outros detalhes. Se o jogador o ler — importante: deveria ser a primeira coisa a ser feita — antes de iniciar o jogo, é possível economizar um tempo precioso ao pular o tutorial.

Um dos poucos pontos positivos do jogo é o manual e vale a pena lê-lo

Por outro lado, os elogios acabam aqui. Sinceramente, DanMachi poderia ser um título melhor aproveitado no Nintendo 3DS, dado que todos os botões usados no Switch existem no portátil da Nintendo e, em jogos do gênero, a segunda tela geralmente serve como suporte para o mapa dos calabouços — Unchained Blades e a franquia 7th Dragon são ótimos exemplos disso. A possibilidade de jogar em 3D talvez pudesse gerar mais imersão na hora de explorar os calabouços, mas aqui já é opinião minha.

Não é ruim, mas também não é bom

Ora jogando como Bell, ora como Aiz, a exploração de calabouços se dá em terceira pessoa. Seja controlando o aventureiro ou a espadachim, usa-se o analógico esquerdo para mover os personagens, os botões A e X para atacar (golpe fraco e golpe forte, respectivamente), Y para lançar magias (quando possível) e B para executar esquiva ou dash. O D-Pad serve para consumir os itens que estão no inventário, quatro no total, um para cada direção (cima, direita, baixo e esquerda). O mapa pode ser aberto e fechado com o botão - e o + é uma espécie de “pausa”, com um menu no qual é possível rever o objetivo da missão ou desistir dela.

Todos esses comandos poderiam ser executados no 3DS

Ao derrotar monstros, são obtidos Magic Crystals, que são convertidos em Valis (a moeda de Orario) ao completarmos o calabouço com sucesso. Os oponentes, além de concederem skill points que podem ser usados para adquirir novas habilidades, também deixam cair itens que servem tanto para vender quanto para aprimorar armaduras e equipamentos. Quanto mais forte forem os monstros, mais pontos Bell e Aiz ganham.

Existem ainda as Treasure Bags, que contêm itens aleatórios; isto é, só é possível saber o que foi recolhido após completar a dungeon. Se o jogador optar por desistir de explorar o calabouço, independentemente do motivo, uma porcentagem dos skill points é retida, mas os Magic Crystals e os itens das Treasure Bags são perdidos.




O jogo até tenta “complicar a dificuldade” com um sistema de elementos e a possibilidade de aprimorar habilidades, mas acaba sendo bem mais simples do que parece. Como cresci jogando Ragnarök Online (tenho mais de 10 anos investidos nele no meu “currículo gamer”), MMORPG no qual habilidades e elementos fazem bastante diferença em termos de jogabilidade, confesso que esperava mais complexidade na mecânica apresentada em DanMachi.

Não que não seja interessante experimentar essas mecânicas, mas nem mesmo os tipos de armas (adagas, espadas e espadas largas) fazem diferença na hora de enfrentar monstros. Voltando ao paralelo com Ragnarök Online, as armas possuem penalidades de acordo com os inimigos que são enfrentados: adagas, por exemplo, são menos efetivas contra monstros de tamanho “grande”, mesmo se o personagem possuir a habilidade Perícia com Espada maximizada.


Não é bem Perícia com Espada, mas também aumenta o dano com adagas


A única diferença de dano que senti em relação ao uso de uma espada comum e uma espada larga ao jogar com Aiz provavelmente se deve ao fato de que não investi pontos em Large Sword Skill na skill sheet dela. Experimentar os elementos chega a ser divertido, mas não acaba sendo uma necessidade como ocorre em Ragnarök Online.

O sistema de suporte é interessante e, conforme se avança na história, é possível desbloquear personagens secundários chamados supporters. Além de garantirem habilidades passivas para Aiz ou Bell, eles também possuem dano de área elemental e é possível usar até dois supporters por dungeon, quando permitido.



Tione e Bete são dois dos supporters de Aiz
Os protagonistas também possuem habilidades próprias, uma passiva (buff) e uma ativa. Talvez as habilidades, tanto as dos personagens principais quanto as dos secundários, sejam as que mais sofrem influência dos atributos, mas nada muito gritante.

Grindfest sem propósito

Como mencionado, derrotar monstros rende skill points e itens. Porém, à medida que se desbloqueia habilidades, mais caras elas ficam e mais pontos são necessários. O mesmo ocorre com os itens e o aprimoramento de equipamentos. Além disso, quando certa quantidade de determinados itens for vendida, novas armas são desbloqueadas para compra.

Onde acho Almiraj mesmo?

Porém, as dungeons principais (e também as de missões secundárias) não são repetíveis. Isso significa que apenas alguns andares do grande calabouço de Orario estão disponíveis para grinding de itens e skill points, o que torna a jogabilidade maçante ao extremo.

As estrelas indicam a dificuldade das quests — e esta, em particular, está com a descrição incorreta: o limite de tempo é 3 minutos

Quando digo maçante, me refiro à irregularidade de renascimento (respawn) de monstros em proporção à quantidade deles nas dungeons. Qualquer RPG, especialmente um dungeon crawler, requer dedicação ao grinding — e sou extremamente paciente em relação a esse elemento, desde que ele gere um retorno aceitável. Este, infelizmente, não é o caso de DanMachi, principalmente porque o jogo não apresenta desafios satisfatórios para justificar uma caçada infinita a monstros. Touhou Genso Wanderer e o próprio Labyrinth of Refrain são melhores pedidas para quem gosta de um grindfest exagerado, mas com retorno satisfatório e aplicável, de fato, na jogabilidade.

Prioridades invertidas

Para a visual novel, todos os personagens são dublados pelo elenco original da animação. Os efeitos e gráficos são simpáticos, embora simples, e as cutscenes das habilidades são uma adição interessante.


Contudo, parte do investimento poderia ter sido aplicada na jogabilidade, fazendo com que DanMachi pudesse ser classificado como um dungeon crawler. Talvez o único “desafio” no jogo sejam as dungeons que possuem limite de tempo para serem completadas. Nem o pós-jogo se salva, mesmo com a dificuldade em relação à jogabilidade aumentando se comparada com a da história principal.

Além disso, existem alguns erros de digitação nos diálogos na porção visual novel de DanMachi e, sinceramente, o uso de honoríficos (como -san, -chan etc.) só faz sentido para quem tem um mínimo de noção em japonês. Não que não seja importante tentar manter a localização próxima à língua original, mas, em alguns casos, é importante levar em consideração o público-alvo também.


"Miss Aiz" seria uma localização aceitável e sem perda de sentido, por exemplo
A desproporção entre visual novel e ação nas dungeons é preocupante. A PQube vende DanMachi como um “RPG de ação estilo dungeon crawler”, mas mais parece uma visual novel com ação em determinados pontos — e isso se repete em Touhou Genso Wanderer; para efeitos de comparação, neste, porém, a exploração demanda mais horas e um bom gerenciamento de tempo e recursos.

Os cenários e músicas também não apresentam variações e, depois de um tempo de jogo, tudo parece um “mais do mesmo”. As lutas contra os chefes não são desafiadoras, sendo possível vencê-los com força bruta desde que o jogador possua recursos suficientes. Mesmo no modo berserker os monstros mantêm um padrão de ataques, tornando sua memorização fácil.




É errado, SIM, tentar dar em cima de garotas em um calabouço

Consumimos fanservice em tudo quanto é tipo de mídia, desde publicidade a filmes, e as animações não são exceção. Tanto as light novels quanto o desenho de DanMachi focam nesse aspecto, mesmo que a premissa seja interessante.

Embora eu já conhecesse a infâmia da obra original nesse quesito, resolvi jogar este título porque eu tinha esperanças de que a história seria original. Por mais que certos tipos de fanservice me incomodem, não vou deixar de consumir as mídias que gosto, porém, é importante problematizar quando a coisa sai do controle — e DanMachi se enquadra aqui.

A escolha de certas palavras e expressões também é preocupante

É sabido que muitas visual novels apelam para cutscenes e CGs recheadas de fanservice, mas até aí temos um contexto para elas acontecerem. Em DanMachi, no entanto, perdi a conta de quantas vezes Bell diz que alguma garota é bonita e de quantas vezes peitos apareceram na tela, sem motivo algum, só para serem enfatizados.

A roupa sempre rasga em locais muito específicos — e com um ângulo bastante sugestivo

Reconheço que a demografia, tanto da obra original quanto das suas adaptações, é um público-alvo masculino, mas isso não deveria ser uma barreira para mulheres se interessarem pelo jogo. Porém, o título em questão é uma reprodução fiel da animação, então chega, sim, a incomodar.

Duas partes em específico me chamaram bastante a atenção enquanto eu jogava, por isso achei importante falar sobre o fanservice. A primeira é a razão para Bell se tornar um aventureiro: quando mais novo, seu finado avô explicou ao protagonista que “a melhor parte de ser um aventureiro é salvar garotas em perigo e ficar próximo delas”. E o garoto, tendo seu avô como uma referência, leva isso ao pé da letra.

Começou errado...
Outro ponto preocupante é quando Eina, a gerenciadora da Guilda, diz a Bell que “garotas gostam de caras que são fortes e podem protegê-las”. Mesmo que o contexto da obra seja um cenário medieval fantasioso, adolescentes em formação que tiverem contato com DanMachi podem tomar essas palavras como verdade — especialmente se vierem de uma mulher. Se este tipo de assunto não for discutido, mesmo sabendo que o título é recheado de fanservice e voltado ao público-alvo masculino, teremos uma disseminação gratuita do machismo, problema muito alarmante na nossa sociedade.

... e continua errado
Um combate ao fanservice exagerado foi feito em uma atualização recente de Fairy Tail, mas, obviamente, não agradou ao fandom. Mesmo Fire Emblem, franquia que adoro, por sinal, e que também possui fanservice em maior ou menor grau (Fire Emblem Fates mandou lembranças), soube contornar essa situação em Fire Emblem Warriors, fazendo com que a função de armor breaker (em outras palavras, deixar os personagens apenas com roupas íntimas) seja opcional, assim como alguns visuais “apelativos” para o público-alvo masculino.


Não condeno o fanservice e até entendo que muitas obras se fundamentam nele, mas é de bom tom pararmos para pensar um pouco mais a respeito do seu uso exagerado. Problematizar é importante, até para evitar que normalizemos atitudes negativas prejudiciais para o nosso dia a dia.

Tirou as palavras da minha boca, Lili

Poderia ser melhor

Is It Wrong To Try To Pick Up Girls In A Dungeon? Infinite Combate tinha potencial para ser melhor, especialmente se fosse lançado alguns anos atrás para Nintendo 3DS. É um título que insulta dungeon crawlers e RPGs no geral, embora tenha alguns pontos positivos e seja noob friendly. No mais, em vez de recomendá-lo, julgo ser mais vantajoso pagar uma assinatura na Netflix para assistir à animação — e, de quebra, ter acesso a outros conteúdos. Tentar achar pontos positivos para redimir o jogo só me decepcionou, tal qual a animação.

Prós

  • Porta de entrada para o mundo dos dungeon crawlers;
  • Gráficos simpáticos;
  • Elenco de dublagem original;
  • Artes e cutscenes bem feitas.

Contras

  • Grinding desnecessário e injustificável;
  • Erros de grafia e uso excessivo de honoríficos nos textos;
  • Fanservice problemático;
  • Ausência de desafios, mesmo no pós-jogo;
  • Cópia da animação em forma de visual novel.
Is It Wrong To Try To Pick Up Girls In A Dungeon? Infinite Combate — Switch/PC/PS4 — Nota: 5.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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