O jogo se apresenta com o mesmo agradável estilo visual (aqueles despretensiosos 16-bits com personagens "sem rosto"), uma premissa muito similar na qual uma jovem garota procura um propósito para sua vida e, naturalmente, conta com a jogabilidade base do gênero plataforma. Isso não quer dizer que Ageless seja apenas uma mera cópia de seu material de inspiração e nada além disso. No final das contas, o título até que consegue fugir com sucesso da sombra de Celeste, mas também falha em alcançar a mesma grandiosidade ou nível de polidez.
O dom de cada um
A jovem Kiara, perdida e confusa assim como muitos de nós, está à procura de um sentido para sua existência. Após um longo período em busca de um lugar específico que pode ajudá-la, a garota recebe um presente na forma de um "dom" mágico para chamar de seu — em inglês há uma pegadinha específica com a palavra gift, que pode significar tanto dom quanto presente, algo como uma dádiva dos deuses.Kiara só consegue chegar ao altar milenar dos presentes aleatórios por causa da dica do seu novo amigo, Vi. Após resgatá-la de uma grande queda, Vi aponta a direção correta para ela receber o dom e sugere uma visita subsequente ao seu vilarejo. A garota que, assim como o próprio jogador nesse ponto, não sabe o que fazer, para onde ir ou nem mesmo a funcionalidade da sua nova habilidade, decide seguir em frente, acompanhada somente por suas tórridas dúvidas e frágeis inseguranças sobre a vida.
Após um pequeno tutorial ilustrando as mecânicas mais básicas de todos os plataformas, como pulos e wall jumps, Kiara começa a descobrir aos poucos o que ela pode fazer com seu novo poder. Durante a caminhada pelas cavernas da primeira área, a jovem vislumbra o controle do próprio fluxo do tempo, ou melhor, especificamente a habilidade de envelhecer e rejuvenescer outras formas de vida. Utilizando um arco e flecha, o contato dos disparos do botão ZR avançam o tempo, enquanto os do ZL, por sua vez, retardam a idade dos alvos.
Aliado a esse poder, e complementando o gameplay central do título, o botão Y faz com que Kiara fique ageless — literalmente "sem idade", mas representando algo mais perto de "eterno". Quando nesse estado, a garota consegue parar o tempo à sua volta e ganha a habilidade de "sugar" um "nível de idade" de alguma forma de vida com a qual ela entrar em contato, lançando seu corpo na direção escolhida com um grande impulso. Da mesma forma, também é possível lançar esse mesmo ser vivo escolhendo a direção oposta à que você quer jogá-lo.
Utilizando essas mecânicas, o progresso de Ageless se dá por meio de pequenas salas em que você precisa resolver o puzzle de movimentação e chegar até o "outro lado". Esse é o verdadeiro foco do game: quebra-cabeças. A parte plataforma em si ainda é importante, mas funciona mais como o meio com o qual os puzzles são concluídos do que qualquer coisa. Cada um dos cinco mundos apresenta elementos diferentes de interação (os seres vivos que são afetados pelos poderes de controle do tempo de Kiara) e, embora sempre sigam uma lógica parecida, eles possuem diferenças consideráveis na resolução final do desafio de cada sala.
No primeiro mundo, por exemplo, com apenas uma flecha “envelhecedora”, um rinoceronte que avança raivoso em sua direção e pode quebrar uma parede no seu caminho se transforma em uma animal pesado e estático que pode destruir blocos no chão. Durante a segunda área, que possui uma temática de água, um peixinho que solta uma bolha de ar pode virar uma baleia orca controlável que sobe cachoeiras, e até uma grande baleia que age como um trampolim.
No mundo dentro de um titã místico/tecnológico, um monstrinho que segura um escudo para cima se transforma em um robô que projeta você para frente com um raio. Já na área com a temática de "mundo dos mortos", um morcego que leva Kiara para cima pode regredir à forma de um morceguinho cuspidor de convenientes teias de aranha que podem ser usadas para movimentação.
Esses são só alguns exemplos das várias possibilidades. Dependendo da sala, grande parte dos seres vivos começa em alguma idade específica, possui uma idade inicial em formato de ovo e chega até a era quatro (representada por números romanos em cima da cabeça da criatura), morrendo quando passa dessa última fase e voltando à sua fase inicial da sala.
A maioria dos puzzles irão pedir alguma combinação particular entre usar diferentes idades dos seres presentes e o modo ageless para movimentação. Além disso, existem outros elementos para o quebra-cabeça, como barreiras, zonas de teleporte, esferas de energia e até áreas onde você se torna imortal.
Uma linda aventura prejudicada por certas escolhas
Há muita inovação presente durante os desafios de Ageless, e novas formas para se movimentar e pensar uma estratégia são apresentadas gradualmente. A progressão passa por problemas, no entanto, principalmente graças ao grande número de salas opcionais que escondem runas secretas.
Esses são de longe os desafios mais penosos de Ageless e eles aparecem constantemente, misturados com o caminho "oficial" do progresso de forma bastante orgânica. Talvez até orgânica demais, na verdade. Se você estiver com pressa para seguir em frente, muitas vezes será necessário checar se a próxima sala tem uma runa ou não antes de progredir. Para os colecionadores de plantão, pegar essas runas libera aos poucos vários elementos de alguns dioramas presentes no menu de seleção de estágio, Um detalhe esteticamente legal, mas não faz muita diferença no fim das contas.
Mesmo ignorando ativamente e de forma efetiva essas salas opcionais, o progresso de Ageless pode ser bastante exaustivo e repetitivo. Quase 100% das vezes o jogo seguirá a mesma fórmula de progressão em que você visita sala após sala após sala… com raríssimas pausas (literalmente duas durante todo o jogo) graças a boss battles e uma ocasional visita à cidade. É uma pena que esse seja o caso, pois Ageless toma algumas decisões de game design muito competentes, mas não soube variar o seu gameplay. Algo a mais, como um combate ou um sistema de exploração mais rebuscado em meio à constante fritação de cérebro de alguns puzzles, seria ótimo para trazer certa leveza ao game.
Outro ponto interessante são as boss battles, as tradicionais batalhas de chefão que, dessa vez, não podem realmente ser chamadas de "batalhas". Cada mundo diversifica de forma bem interessante a personalidade, a jogabilidade e o contexto dos confrontos finais, o que é maravilhoso. No entanto, a parte final quase sempre se resume a uma amálgama de todos os elementos daquela área em forma de speedrun. Os desafios são interessantes e desafiadores o bastante, mas também falham em trazer a verdadeira variedade de gameplay que o jogo tanto precisa, caindo no mesmo ciclo infinito de salas e puzzles.
Cansa um pouco jogar Ageless por muito tempo seguido, mas isso não quer dizer que completar todos esses puzzles não seja gratificante. Dá para se sentir realmente inteligente durante as resoluções sem sofrer tanto assim no processo. Mesmo que você tenha que olhar para a mesma sala durante vários minutos ou tentar diversas alternativas mirabolantes seguidas, a resposta nunca demora tanto para aparecer — pelo menos na minha experiência.Também não é raro que você sinta que está "quebrando" o jogo ou resolvendo algo da maneira errada, e que isso acabe resultando em sucesso. Um dos melhores aspectos do game é essa sensação de que existem várias respostas para os enigmas de cada sala.
No fim das contas, Ageless simplesmente não funciona muito bem em sessões de jogo longas e constantes. Por isso, teoricamente ele seria perfeito para o Switch em modo portátil, só que esse não é o caso graças a outro grande problema inconveniente: os controles. Ter que, ao mesmo tempo, realizar alguns pulos bastante precisos, segurar ZL ou ZR para puxar a flecha e ainda mirar no local certo é tão difícil quanto parece, principalmente utilizando os Joy-Cons.
No fim das contas, Ageless simplesmente não funciona muito bem em sessões de jogo longas e constantes. Por isso, teoricamente ele seria perfeito para o Switch em modo portátil, só que esse não é o caso graças a outro grande problema inconveniente: os controles. Ter que, ao mesmo tempo, realizar alguns pulos bastante precisos, segurar ZL ou ZR para puxar a flecha e ainda mirar no local certo é tão difícil quanto parece, principalmente utilizando os Joy-Cons.
Em várias ocasiões, mesmo com o personagem estático, um Pro Controller nas mãos e uma TV grande à frente, ainda ficava difícil atingir o alvo de primeira. Para um jogo que sustenta grande parte da sua jogabilidade no arco e flecha, Ageless simplesmente não acerta nesse quesito. Ter que puxar a flecha toda vez, até para disparos rápidos — segurar o botão em vez de simplesmente apertar rapidamente — não faz nenhum sentido. Quanto à mira, é difícil explicar, mas sempre parece desnecessariamente difícil realizar os disparos mais simples. A mira ou é sensível demais, ou se move de forma mais rápida do que o necessário, ou talvez as duas opções estejam corretas.
Falando dos pontos positivos, algo em que Ageless acerta em cheio é na sua história, diálogos e desenvolvimento de personagens. A trama se desenvolve aos poucos de forma sutil, e de repente se transforma em uma grande história com algumas reviravoltas inesperadas. Suposições e intenções são anuladas e revertidas em meio a um adorável elenco de personagens e uma linda jornada pessoal de Kiara. A mensagem principal é a empatia e orbita entre pensar no peso das nossas ações e suas consequências, e no sentimento dos outros — algo que Kiara descobre de uma forma muito efetiva e agradável de se acompanhar de perto. É engrandecedor como essa personagem pixel art sem rosto, em toda sua dor e ingenuidade, está sempre disposta a ouvir, aprender e seguir em frente.
De mãos dadas com a efetividade da narrativa simples, porém poderosamente sensível, está o visual 16 bits estilizado com um certo minimalismo detalhado, que torna impossível não lembrar de Celeste. Acredito que não existiria melhor escolha visual para se contar essa história, já que as palavras cumprem sem medo a missão de colorir a emoção dos personagens humanos. Quanto às criaturas e inimigos, pequenos detalhes estéticos tratam de enchê-los com a quantidade certa de personalidade, mesmo sem o auxílio das palavras. Já em relação aos ambientes — principalmente o background dos cenários — e o design dos chefões, Ageless sem dúvida apresenta uma pixel art de primeiro nível.
A parte sonora não chama tanta atenção, e talvez essa tenha sido a intenção desde o começo. Melodias quietas e suaves de piano povoam esse mundo na maioria das vezes, flertando com o silêncio em vários momentos. Infelizmente, é normal certas áreas repetirem um mesmo loop musical infinitamente, algo que pode incomodar bastante quando você está há 15 minutos tentando resolver determinado puzzle e a mesma música está tocando sem parar.
Ageless é um lindo conto sobre empatia e propósito, vestido com uma capa tão singela quanto a sua mensagem e lotado de puzzles e mais puzzles que podem ser bem cabeludos. Existem vários acertos aqui, e o título consegue desenvolver uma identidade própria e criar uma experiência que merece ser explorada — principalmente durante esses tempos de vacas magras no Switch. No entanto, também há várias pedras no meio do caminho: o gameplay pode ser repetitivo, cansativo e simplesmente falho e frustrante.
Não é difícil gostar de Ageless e querer experimentá-lo; só lembre-se de fazê-lo em pequenas doses homeopáticas para aproveitar a jornada. O próprio jogo recorda que o tempo é cíclico, não precisa ter pressa. Vamos por uma sala de cada vez.
Prós
- História, diálogos e personagens magníficos;
- Lindo visual 16 bits que é minimalista, porém cheio de detalhes;
- Premissa interessante e diferente;
- Dificuldade no nível certo para ser gratificante, e não frustrante.
Contras
- Gameplay pouco variado e repetitivo;
- A realização de certos puzzles chega a ser mentalmente cansativo;
- Controles frustrantes em alguns momentos.
Ageless - Switch/PC- Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17