Análise: void tRrLM(); //Void Terrarium (Switch): a vida que brota de um mundo em ruínas

Jogo que combina Mystery Dungeon com tamagotchi de humano oferece uma excelente experiência no Switch.

em 20/07/2020
Desde 2014, a Nippon Ichi Software tem realizado anualmente uma espécie de concurso interno para incentivar os seus funcionários a criar pequenas propostas que poderiam ser implementadas mais rapidamente. Na época, foi criado o jogo htol#NiQ, que colocava o jogador na pele de vagalumes guiando uma garota em um mundo pós-apocalíptico.

Planejado por Masayuki Furuya, que também trabalhou posteriormente em A Rose in the Twilight e The Liar Princess and the Blind Prince, o jogo trazia uma atmosfera sombria como um de seus pontos altos. void tRrLM(); //Void Terrarium é o mais novo título do diretor, apostando novamente na bela e trágica melancolia de um mundo em que praticamente não há mais vida.

Um misto de Mystery Dungeon e tamagotchi de humano

Após ser religado em um lixão, um robô anda a esmo por um mundo sem vida. Sem propósito, ele acaba esbarrando em uma jovem que está sendo consumida por fungos e decide salvá-la. Esse robô sem nome logo encontra outra unidade mecânica chamada factoryAI, que está presa ao lixão e decide ajudá-lo nessa empreitada.


Chamado carinhosamente de Robbie pela factoryAI, o protagonista consegue sair e explorar as ruínas da civilização em busca de suprimentos para restaurar a saúde da menina e criar um terrário onde ela poderá crescer em segurança. Com o avanço da história, é possível sentir que os personagens criam uma espécie de família artificial e o roteiro conduz essa relação emocional muito bem.


Com isso, é fácil se envolver na trama, que é fortalecida pela atmosfera pós-apocalíptica melancólica. A sensação de que o mundo está em ruínas é palpável nos seus cenários soturnos e marcados pela presença de muitos entulhos. Outro elemento fundamental é a trilha sonora, que incentiva a exploração e torna os momentos de descanso no lixão mais calmos e de uma beleza efêmera.

Além da história, o gameplay também chama bastante atenção com uma combinação interessante de gêneros. Enquanto a parte de exploração segue um estilo Mystery Dungeon, cuidar da garota é uma simulação que se assemelha a um tamagotchi. É necessário que o jogador equilibre esses dois aspectos simultaneamente e o resultado é surpreendentemente simbiótico e harmônico.

Durante boa parte do jogo, é necessário explorar ruínas que funcionam como dungeons. Essas áreas são o lar de uma variedade de criaturas hostis, mas também fontes de recursos muito preciosos. Elas contam com múltiplos andares, mas a estrutura muda toda vez que o jogador tenta explorá-las, seguindo um modelo roguelike.

Para voltar à base, há duas possibilidades: o HP do robô chegar a 0 ou passar por todos os andares. Concluir a expedição implica em perder os níveis ganhos durante a exploração, mas os itens são transformados em materiais para construção. Assim, não é possível se preparar para a próxima aventura com um estoque de itens, mas tudo o que é colecionado se torna recurso para o terrário.


No aspecto simulador, ter recursos é essencial, especialmente comida, que deve ser guardada num cofre. Conseguir comida não-intoxicada é algo raro e elas têm prazo de validade. Ou seja, é necessário estar sempre repondo o estoque e tomando cuidado para que a personagem não passe mal. Ela também pode adoecer porque o terrário está sujo ou ficar muito entediada, ambas coisas que podem ser nocivas e que avançam de acordo com os turnos gastos na exploração.

Para acompanhar o status da garota, o jogador conta com um aparelho chamado Pet Nanny (um tamagotchi). Ele monitora a fome da personagem e a limpeza do terrário, e apita quando é necessário realizar alguma ação. Para limpar o quartinho da criança, é necessário gastar energia, que também é necessária para realizar skills e explorar a dungeon sem tomar dano. Brincar com ela também ocasiona custo, sendo necessário avaliar a importância de realizar essa ação. Caso ela precise de alimento, é possível até mesmo se suicidar para voltar rapidamente e entregar-lhe comida.
 
Além de alimentos, podemos encontrar outros itens pelas dungeons, como baterias para restaurar energia, bombas, itens de buff/debuff, objetos que teleportam o jogador ou criam armadilhas, armas e escudos variados, e receitas que podem ser usadas para criar mobília para o terrário. Tirando o último item, todos os outros são eliminados ao fim da dungeon, reduzidos a recursos amorfos que podem ser utilizados para criar novas peças com efeitos permanentes.

A mobília, por exemplo, não só serve de enfeite para o terrário; ela traz benefícios, como mais ataque/defesa ou fazer com que a garota demore mais a ter fome. Também é possível comprar “classes” e habilidades. Junto com os outros elementos já mencionados, existe uma sensação de que tudo foi muito bem amarrado e funciona de forma orgânica, o que é auxiliado pela liberação gradual das mecânicas.

As builds do robô, crashes e autosave


Assim como a exploração segue um modelo roguelike, o próprio protagonista evolui pelas dungeons de uma forma semialeatória. Conforme derrotamos criaturas, ganhamos experiência e subimos de nível. No entanto, além de pequenos bônus gerais, isso implica na escolha de novas habilidades, que vão de bônus de defesa até absorção de HP ou ataques especiais indicados para situações específicas.

Se por um lado existe um fator sorte no que Void Terrarium oferece como opção, por outro existem formas de criar uma espécie de build do robô. Especialmente interessante para isso é a capacidade de adaptar os números a seu favor com os chamados Knacks, que são as classes do jogo.
Um knack altera as chances das habilidades aparecerem.

Ao transformar Robbie em um Fighter, habilidades envolvendo aumento de ataque se tornam mais comuns, facilitando a criação de uma build ofensiva durante a exploração da dungeon. Já a Medic faz com que habilidades de cura sejam mais propensas a aparecer nos avanços de nível. Para ajudar, o jogador pode também retirar um número limitado de poderes no sistema de Skill Removal e até mesmo algumas Custom Parts podem ser usadas para reduzir a probabilidade de elas surgirem.

As Custom Parts são outro elemento de build bem interessante, porque é possível comprar técnicas para começar a exploração já de posse das mesmas. Elas também podem trazer outros benefícios, como ter três opções de habilidades ao subir de nível, ou aumentar a chance de pegar duas delas ao mesmo tempo.
Com três habilidades, é mais fácil de encontrar escolhas interessantes.
Todos esses elementos contribuem para nos dar um certo controle, mas ainda oferecer um fator sorte que propicia a exploração de poderes bastante diferentes em cada tentativa de exploração. Isso é mais um fator que está muito bem integrado às outras mecânicas.


O único problema que tive durante as jogatinas foram crashes na transição entre andares. Em vários momentos, ele simplesmente fechou enquanto estava na dungeon. Usualmente em um jogo do gênero isso seria muito danoso, mas por sorte Void Terrarium conta com um sistema de autosave.
Pouca vida, hora de passar rápido... Uma monster house?
Apesar de existir a opção de salvar manualmente quando se está na base de operações, é feito um autosave toda vez que o jogador avança de um andar para o outro. Com isso, toda vez que o jogo fechou, eu apenas repeti o último andar ao invés de perder a minha exploração inteira por conta disso.

Esse sistema também pode ser explorado para reverter situações problemáticas e controlar o fluxo de jogo. Chegou no andar 15 e morreu por bobeira? Só fechar o game e você pode continuar do início do andar sem problema. É justamente por isso que normalmente títulos assim não fazem autosave, mas ter esse controle é muito bem-vindo.
De forma geral, void tRrLM(); //void Terrarium é uma obra muito especial. Com uma história de forte apelo emocional, uma atmosfera melancólica e mecânicas integradas de forma orgânica, o resultado é uma excelente experiência que demonstra muito bem a qualidade da sua desenvolvedora até mesmo no desenvolvimento de trabalhos mais simples.

Prós

  • História sobre uma família artificial com aspectos emocionais bem conduzidos;
  • Atmosfera pós-apocalíptica melancólica com excelente uso da trilha sonora;
  • Builds customizáveis, mesmo com evolução de poderes baseada em probabilidade;
  • Integração entre as mecânicas de forma orgânica;
  • Autosave constante.

Contras

  • Crashes recorrentes nas transições de andares.
void tRrLM(); //Void Terrarium — Switch/PS4 — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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