Análise: Night Call (Switch) e o diálogo com o mistério

Um jogo sombrio e tenso, para quem gosta de acompanhar dramas pessoais.

em 12/07/2020

Night Call é um jogo que parece saído de um romance de Raymond Chandler ou de um filme noir dos anos 1940. O clima, a escolha visual, os diálogos… tudo remonta a esse ambiente de mistério e tensão que acompanha muitos clássicos de investigação policial. No entanto, o game desenvolvido pela empresas Monkey Moon e Black Muffin atualiza essa ambientação para os dias atuais. Mas será que funciona?

Eram cerca de onze horas...

O nosso protagonista é um homem aparentemente comum. Um motorista de táxi, em Paris, que dirige um carro alugado. Em uma noite qualquer, contudo, algo inesperado acontece: um serial killer entra no banco de trás. Ele tenta, mas não consegue fazer seu trabalho com a eficiência usual. O motorista fica gravemente ferido, mas vivo. E, depois de alguns dias em coma e mais de um mês fora das ruas, ele volta ao táxi. Afinal, é preciso ganhar algum dinheiro para sobreviver.

O jogo começa assim. E fica difícil saber inicialmente o que vai ocorrer. O gameplay é bem simples: escolhemos um passageiro no mapa, decidimos aceitar ou não a viagem e o trajeto é feito automaticamente. Nesse caminho, conversamos com quem está no banco de trás e interagimos através de algumas opções de diálogo. Contudo, essas opções parecem falsas escolhas já que, aparentemente, não importa o que você vai escolher. O que é essencial sempre será dito. E é isso.


Mais próximo de um visual novel do que de um jogo de aventura ou ação, Night Call começa a ficar interessante a partir de uma intervenção estranha (e inverossímil). Na mesma noite em que nosso protagonista retorna ao volante, uma detetive da polícia local entra no carro e o chantageia. Ela sabe que o serial killer ainda está à solta, e sabe que o motorista é o único sobrevivente de suas ações, mas ela também sabe que o taxista é um criminoso, um fugitivo. E, portanto, ele é alguém que tem muito a perder caso essa informação se torne pública. Agora, por que ela acha que ele pode ser um bom informante, isso não fica claro. Mas é a partir desse momento que a trama ganha outro contorno.

Completando a Passidex

Em Night Call, nosso trabalho, além de gerenciar os recursos (dinheiro, gasolina, etc) é conseguir informações que nos levem ao serial killer procurado pela polícia. Cada passageiro tem uma história, e essas narrativas acabam se tornando mais interessantes do que o próprio processo de procurar pistas. O título até possui um modo automático, que acelera as conversas, tornando tudo um pouco mais curto, mas não entendo isso como uma vantagem. Como acabei de dizer, são os dramas pessoais que dão alguma cor ao ambiente preto e cinza do jogo. Na verdade, é difícil imaginar que as pessoas realmente se abram tanto para um motorista que mal conhecem, mas isso também faz parte do imaginário em torno desse tipo de trabalho. É como se cada uma daquelas pessoas encontrasse naqueles poucos quilômetros do trajeto um ambiente que favorecesse a confiança e, com isso, se entregassem, dividindo suas experiências, medos e esperanças.



As situações (ou melhor, as confissões) passam do comovente ao ridículo. A quantidade de temas é gigantesca, e o número de passageiros também – e é possível acompanhar com quem você já falou acessando uma tabela chamada “Passidex”. Infelizmente, a jogabilidade não torna o processo interessante para ser considerada como um elemento chave. A maneira como a investigação é feita e o processo de gerenciar o dinheiro e o acesso aos informantes é bem simples, mas cansativa. O jogo conta com três modos diferentes, com histórias em que o processo de investigação é mais simples ou complexo. Em cada um deles, o assassino muda a partir de um conjunto de personagens possíveis.

No final, a sensação que fica é a de um título que não é bom de jogar, mas sim de acompanhar. A história de Houssine, o taxista, é apresentada superficialmente, e isso é bem interessante. Conhecemos outros personagens ao mesmo tempo em que o conhecemos e a vontade de completar a longa lista de possíveis passageiros é o que mais me motivou a seguir.


O caminho importa

Night Call apresenta poucas mecânicas, mas histórias intrigantes. Para além da própria premissa investigativa, o que encanta mesmo são as dezenas de pessoas diferentes com quem lidamos nas noites de Paris. Essas narrativas são ótimas e fazem o percurso valer a pena. Mas, convenhamos: para um jogo isso é um grande problema. Ainda assim, quem não gostaria de espionar as conversas contadas dentro de um táxi em um mundo tenso e misterioso? Se fosse no mundo real, acho que maioria responderia “eu não”. Mas aqui, não temos nada a temer. Afinal, conhecer esses personagens nos dá a oportunidade de conhecer melhor a nós mesmos.

Prós

  • Grande quantidade de temas e narrativas;
  • A ambientação e o clima noir são intrigantes e bem construídos;
  • Personagens variados e carismáticos (alguns absolutamente malucos).

Contras

  • Algumas situações se repetem;
  • Jogabilidade simples e desinteressante.
Night Call – Switch – Nota: 7.0
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Raw Fury
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Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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