Análise: Atomicrops (Switch) é um jogo de ação disfarçado de simulador de fazenda

O que começa parecido com Stardew Valley em pouco tempo revela sua natureza roguelike bullet hell.

em 08/06/2020


Atomicrops representa a fusão de dois gêneros que vêm ganhando popularidade pelo mundo indie nos últimos anos: simulador e roguelike. Quanto ao primeiro, falo mais especificamente do gênero de simulação de fazenda criado pela série Harvest Moon, resgatado das trevas por Stardew Valley e reimaginado por títulos como Moonlighter, My Time at Portia e Graveyard Keeper. Roguelikes, da mesma forma, encontram uma base de jogadores cada vez mais dedicada graças a alguns jogos excepcionais lançados nos últimos anos, indo desde The Binding of Isaac a Enter the Gungeon e Dead Cells — por sinal, todos os jogos citados estão disponíveis no Switch, o verdadeiro paraíso indie.

Parece inevitável que alguém iria eventualmente juntar as duas ideias, mesmo elas sendo tão opostas em sua natureza. Por um lado, o simulador de fazenda preza por um gameplay lento, longo e contínuo. Por outro, o roguelike conta com partidas (também chamadas de runs) que começam e terminam em um espaço de poucas horas, tendo como ponto forte a possibilidade de jogatinas curtas, rápidas, mas sempre variadas. Será que Atomicrops consegue unir esses dois contrastantes conceitos de forma competente?

Plantar, adubar, regar, colher e… lutar?

Após um curto tutorial que explica muito pouco sobre o aspecto de fazenda do título — e essencialmente nada sobre a parte roguelike —, você já fica livre e solto para explorar as possibilidades de Atomicrops. Já que eu demorei um bom tempo para realmente entender como tudo funciona, passando por algumas runs bastante frustradas durante o processo, acho melhor tentar explicar logo no início.

Você começa com um pequeno espaço de terra para arar e quatro simples sementes de batata. Segurando o botão ZL e mirando no local apropriado, é possível arar o terreno, plantar suas sementes ou remover a grama que cresce constantemente pela "fazenda". Após algum tempo no solo, e depois da irrigação apropriada, cada vegetal colhido é enviado automaticamente para o prefeito e convertido em "dinheiro — no caso, castanhas de caju. No entanto, há uma forma fácil de aumentar o valor da sua produção: utilizando adubo "colhido" dos vários monstros que aparecem ao redor. 

Mesmo durante o momento aparentemente tranquilo de plantação e colheita, uma série de monstros surgem para atrapalhar o processo. Quase todos eles atiram — e, acredite, é realmente necessário prestar atenção a todos os tiros a cada momento — seguem exatamente na sua direção, geralmente são acompanhados por outros, e ainda percorrem uma grande distância. Derrotar esses monstros, porém, dá a você a oportunidade de coletar uma modesta quantidade de adubo, e, assim, aumentar o seu lucro diário. 



Então quer dizer que Atomicrops também segue um ciclo de dias e estações, da mesma forma que Harvest Moon e Stardew Valley? Sim e não. Ou melhor, sim, só que tudo acontece de forma bem mais rápida. As estações duram apenas três dias que passam bem rápido. No final de cada um, uma nova onda de monstros ataca a sua plantação (mesmo se nada estiver plantado no momento) e, caso você sobreviva, um helicóptero aparece para levá-lo para a cidade (um hub de compra de itens e upgrades, basicamente). Por fim, toda estação possui uma batalha obrigatória contra um chefão, que acontece na noite do terceiro dia — não adianta nem tentar escapar para outras áreas, o boss sempre irá achar você e levá-lo de volta para a plantação.

E que outras áreas são essas? Tratam-se de quatro biomas diferentes localizados ao norte, sul, leste e oeste da área principal da fazenda. A floresta e o deserto, que ficam ao oeste e ao leste, respectivamente, ficam abertos desde o começo, mas os caminhos para as outras duas estão com as pontes quebradas. Explorar esses biomas corresponde à grande parte do gameplay de Atomicrops e seu lado roguelike. A maior diferença entre os biomas são o tipo de inimigos encontrados, mas todos seguem sempre a mesma estrutura de acampamentos e monstros aleatórios que percorrem o cenário — e que tem a sua ordem alterada cada vez que você começa um novo jogo.

Cada área possui alguns camps com um número determinado de inimigos. Elimine todos para ganhar uma recompensa que vai desde algumas sementes até power ups que duram durante toda a partida. Alguns exemplos são: habilidades passivas, turrets e espantalhos que protegem a plantação, tratores com efeitos especiais e animais que assumem diversas funções pela fazenda. Saber caçar esses upgrades para sua vida de fazendeiro é essencial para alcançar o sucesso em Atomicrops, só que, ao mesmo tempo, a sorte do que irá aparecer ou não que irá determinar o quão efetiva será sua campanha. 



Por fim, vale a pena mencionar a cidade novamente. Na tranquilidade do vilarejo sem nome, lotado de animais e vegetais humanóides, é possível comprar algumas coisinhas a mais para o seu arsenal. Ao final de todos os dias, você poderá voltar e fazer coisas como comprar sementes, armas (que infelizmente só duram um ou dois dias), melhorias para essas armas, pontes e outros itens. Além disso, também é possível gastar as suas rosas, que são um outro tipo de "moeda" específica.

As rosas (que você pode achar ou plantar) são usadas tanto para recuperar sua vida quanto para presentear um dos dois NPCs presentes na cidade — e, sim, isso funciona como o sistema de amizade/casamento dos jogos de fazenda: quanto mais rosas, mais próximo você fica daquela pessoa, até, eventualmente, o casamento.

Também é importante saber que, a cada três dias (no fim da estação), você pode visitar a praça da cidade e falar com o prefeito, comprar tratores usando castanhas e alguns outros itens especiais utilizando rosas. O prefeito funciona como um avaliador da sua performance durante aquela estação, julgando o quão satisfeito ele ficou com sua oferta de vegetais e dando brindes de acordo. O que importa aqui é a quantidade total de dinheiro que foi coletada (as castanhas de caju), não fazendo diferença se você gastou parte do valor ou não. As recompensas podem ser bastante significativas e vão desde power ups gerais até animais, itens, cura de HP e, a única "moeda" que fica com você após a morte, as cornucópias — que servem para comprar upgrades permanentes que influenciam todas as partidas. 


Toda colheita passa por alguns problemas

Foi importante passar um bom tempo explicando o funcionamento do jogo porque Atomicrops nunca explica nada além das mecânicas mais básicas. No final das contas, tentar descobrir a melhor forma de jogar o título até foi um enigma interessante por si só, mas é difícil recomendar a experiência (ou querer passar por ela novamente).

O problema não é ter que descobrir o jogo sozinho, isso pode ser algo muito divertido feito da maneira correta. No entanto, eu sinceramente acredito que o título falha em preparar o jogador para o seu mundo e em ensinar as suas regras. Não lembro de ter ficado tão perdido, por tantas runs assim, em nenhum outro roguelike — e olha que eu já joguei um bom número de games do gênero.

Fica muito claro desde o início que a ideia de Atomicrops é muito boa. Como fã dos dois gêneros representados pelo título (assim como várias outras pessoas tenho certeza), os primeiros minutos de jogo foram igualmente intrigantes e empolgantes. Eu mal podia esperar para ver o que estava reservado para mim naquela aventura, mas, infelizmente, vários aspectos me impediram de só relaxar um pouco e aproveitar a experiência.



Vamos tirar algo do caminho antes de seguir em frente: muito antes de ser um simulador de fazenda, Atomicrops é um jogo de ação e, essencialmente, um bullet hell. O ritmo da área de plantação durante o primeiro dia até que é um tanto pacífico, só que, logo depois disso, o estresse aumenta exponencialmente e não acaba nunca. Ou melhor, prepare-se para lidar com tiros vindo exatamente na sua direção e inimigos tentando atropelar você aleatoriamente, de forma bastante repentina, durante quase todos os momentos do jogo.

Esse foi o primeiro aspecto que me surpreendeu. A dificuldade, e, principalmente, a curva de aprendizado de Atomicrops são bem acima da média, inclusive para um roguelike. Ser um jogo difícil não é um ponto negativo por si só. O que desaponta, no entanto, é a forma que essa dificuldade elevada se concretiza. Em geral, há um número maior do que o necessário de inimigos na tela em quase todos os momentos e os tiros desses monstros possuem um range grande demais (em especial quando comparado com a arma do protagonista). Além disso, na maioria das vezes, tantas coisas acontecem ao mesmo tempo que fica realmente difícil enxergar os tiros vindo em sua direção, o que pode ser incrivelmente frustrante porque o jogo não sabe perdoar quando você perde uma beterraba de vida — beterrabas em vez de corações fazem um trocadilho com heart beats e heart beets, batida e beterraba respectivamente.

Perder um ponto de vida em Atomicrops, principalmente durante suas primeiras runs, é quase tão doloroso quanto se machucar na vida real. As chances de recuperá-lo, na maioria das vezes, parecem totalmente aleatórias. Você pode gastar uma rosa na cidade para recuperar uma beterraba de vida, sem problemas. Quer fazer isso mais uma vez, no entanto? Agora custa 2 rosas — o que vai aumentando cada vez mais. Ah, mas também é possível ganhar vida “flertando” com algum NPC, não é mesmo? Claro, só que para fazer isso você está totalmente à mercê da sorte dessa opção aparecer na hora necessária. E matar inimigos recupera vida? Com certeza, mas adivinha só? A chance de aparecer essa cura também é 100% aleatória (e muitas vezes nem acontece). 



Isso resume bem o principal ponto fraco do título: a sorte ocupa um papel de destaque relevante demais. Mesmo que você adapte seu estilo de jogo ao nível de atenção máxima que Atomicrops pede — conseguindo sempre escapar de monstros aleatórios que correm na sua direção do nada e tiram aquele suado ponto de vida, por exemplo —, a sorte ainda irá ditar todos os itens e possibilidades que estarão à sua disposição durante aquela campanha, algo que pode arruinar seus planos facilmente.

Para piorar tudo, no meio dessa confusão toda, slowdowns graças a quedas de fps acontecem constantemente — em especial dentro dos biomas, já que são muito mais inimigos ao mesmo tempo. E indo um pouco mais além dentro do tema da lentidão, o tempo de loading quando você acaba ou começa um dia (e tem que entrar ou sair da cidade) é realmente muito longo. Sem brincadeira, deve dar para fazer uns dois miojos de tomate da Turma da Mônica nesse meio tempo.

Sem entender nada do que era para fazer (ou a ordem que tinha que ser feito), com tiros constantes ameaçando minhas poucas beterrabas, e ainda com os persistentes lags e loadings gigantes, não é exagero falar que eu não me diverti tanto durante as primeiras tentativas de acabar o ano em Atomicrops. 

Uma experiência frustrante, mas que tem os seus momentos

Entretanto, a esperança é a última que morre. Progressivamente, quanto mais eu entendia sobre as mecânicas do jogo, mais longe eu chegava durante aquele primeiro ano. De repente, decidi me tornar o jogador perfeito que Atomicrops queria que eu fosse. Sem nunca levar um tiro e me esforçando cada vez mais para agradar o prefeito no fim dos três dias, parecia ser possível manter uma boa quantidade de vidas e seguir em frente. Da mesma forma, mesmo chegando de forma consistente até o inverno todas as vezes, ainda faltava algo e a batalha contra o chefe final era apenas frustrante.

Então eu decidi colocar a fazenda mais de lado e focar na parte do combate. Algo realizado simbólica e literalmente pela troca para o segundo personagem jogável — que em vez de ajudar mais na plantação, possui habilidades passivas referentes a troca de tiros. Ainda acho que a sorte teve grande importância naquele momento (e os meus novos reflexos treinados especialmente para o game, é claro), mas essa inversão de foco, da fazenda para a porradaria, enfim resolveu o meu problema. Eu finalmente consegui concluir tanto a luta final do inverno quanto a verdadeira batalha contra o último chefão, e sem perder nenhuma beterraba de vida.



Sobre as boss battles, todas seguem uma estrutura bastante previsível e típica de jogos de ação, com exceção da luta final durante o inverno nuclear. Os outros quatro confrontos até que são interessantes o bastante, variados entre si na medida do possível e desafiadores na medida certa para apresentar um desafio válido sem muita frustração. No entanto, só o último chefe revoluciona as mecânicas desses confrontos, e é uma pena que isso tenha sido usado tão pouco. A única forma de causar dano no inimigo final é colhendo vegetais que você tem que plantar ali na hora — no meio de uma bela confusão de vegetais voando e balas sendo disparadas por todo o lado. Uma ótima ideia e algo que combina muito com a proposta do jogo, mas dura pouco e aparece só no finalzinho. 

É impossível dizer que eu não me diverti nem um pouco durante o meu tempo com Atomicrops porque isso não é verdade. Entretanto, a dura e fria realidade é que, durante vários momentos, eu quase desisti de tudo. Uma questão de honra e dever me manteve continuando, mesmo com todo o sofrimento envolvido — e não acho que um bom jogo de videogame tenha que ser assim. Entretenimento é o ponto chave, e é algo que pode existir em perfeita harmonia com a dificuldade. Esse não é o problema. O problema está em algumas escolhas que o jogo faz. 

Acabando o primeiro ano, foi muito decepcionante perceber que o segundo não vem logo em seguida, assim como nos simuladores de fazenda. Você simplesmente "acaba" o jogo, perde todo o progresso (afinal, roguelike) e abre uma nova dificuldade: a número dois de dez. Quer dizer que a ideia da longevidade de Atomicrops para os seus desenvolvedores (além das leaderboards online que ainda nem foram implementadas) é esperar que eu jogue sempre o mesmo jogo, mas uma versão um pouco mais difícil? Não só eu não vou fazer isso, como acho que a maioria dos jogadores não vão ter resiliência nem para querer acabar o primeiro ano. 



Atomicrops não é um jogo ruim. Por exemplo, os gráficos em pixel art são lindos e acompanhados por animações realmente fluidas que dão vida a um elenco bastante carismático de personagens (incluindo os adoráveis vilões e até mesmo os vegetais da horta). A trilha sonora não é intrusiva ou intensa demais e complementa muito bem o que acontece na tela, seja em momentos de calmaria na cidade ou durante batalhas de chefe.

A estrutura da jogabilidade, colocando você em uma posição constante de decisão entre plantar ou explorar o mapa também é superinteressante e definitivamente bem implementada. Embora o combate em si não seja dos melhores, com uma mira pouco responsiva e nenhuma opção de movimento rápido (como um dash ou uma 'roladinha'), as opções de armas me surpreenderam: tem um rifle sniper, uma shotgun rápida e uma lenta, uma metralhadora e até uma arma que atira castores voadores. O jogo nunca se leva totalmente a sério e, com isso, um mundo realmente engraçado e cheio de personalidade foi criado.

Ainda, a experiência passou longe de ser perfeita em Atomicrops. Eu não acho que vou jogá-lo de novo tão cedo e acredito que poucas pessoas vão sequer testá-lo. Mas, no final de tudo, boas lembranças vieram de um jogo, no mínimo, criativo e inovador. Talvez se o título não me apressasse tanto com cada pequena coisa e não exigisse tanta atenção a toda hora, ele poderia se tornar um clássico. Um pouco mais de "fazenda", e um pouquinho menos de roguelike, teria sido ótimo. Jogue por sua conta e risco, só cuidado com as beterrabas.

Prós

  • Gráficos, design de personagens e animações excelentes;
  • Ideia criativa e original;
  • Bom humor e irreverência a todo minuto.

Contras

  • Problemas de performance;
  • Dificuldade e, principalmente, curva de aprendizado acima do necessário;
  • Loadings muito longos;
  • Combate truncado e um tanto impreciso.
Atomicrops - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão:  João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela Raw Fury
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