Análise: Spirit of the North (Switch) se prejudica ao priorizar estética sobre gameplay

Game tenta surpreender por meio da beleza de sua ambientação nórdica, mas problemas de design, controle e clareza atrapalham a experiência.

em 21/05/2020

Provavelmente, não deve ter sensação pior para alguém que gosta de jogos do que o sentimento de expectativas frustradas. Você descobre um game novo, assiste a trailers e a vídeos de gameplay, se interessa pela sua proposta, acredita ser um título promissor, adquire-o, mas, em algumas horas de jogatina, percebe que os problemas que ele possui trazem mais insatisfação do que qualquer coisa. Infelizmente, um jogo que se encaixa nesse contexto é Spirit of the North.


O game de aventura em terceira pessoa é a primeira produção do Infuse Studio, empresa composta por somente dois artistas gráficos e que é especializada em criar assets de Unreal Engine 4 para demais desenvolvedores. No fim de 2019, o jogo foi lançado para PlayStation 4 e, em maio de 2020, chegou ao Nintendo Switch e PCs com a ajuda da Merge Games. À primeira vista, ele chama atenção pela sua direção de arte inspirada na cultura nórdica e pela sua intenção de ter jogabilidade e narrativa mais minimalistas, à la games como Journey (Multi) e Abzû (Multi). Porém, apesar de alguns momentos com bonitos visuais e game design razoável, o título é comprometido por puzzles repetitivos, side quests entediantes e problemas nos controles e na clareza de seus desafios.

Narrativa simples, elementos genéricos

A primeira característica marcante de Spirit of the North é que seu personagem principal não é um humano ou um ser antropomórfico, mas sim uma raposa comum. Após explorar campos nevados, ela se depara com uma raposa espiritual adormecida. Ao ser acordada, essa criatura mística oferece seus poderes à protagonista e a direciona para seu objetivo: chegar ao topo de uma montanha envolta com uma aura vermelha.
O topo da montanha é o destino final do jogo.

Se a história soou extremamente simples é porque realmente é. Não há aqui supervilões, reviravoltas no enredo, ou até mesmo diálogos e caixas de texto explicando a narrativa. Todos os acontecimentos são expressados de maneira simples, por meio das ações dos personagens, de elementos dos ambientes e da trilha sonora. Isso, somado ao fato de que os desenvolvedores não inseriram uma HUD durante o gameplay, impedindo que a tela ficasse poluída com componentes gráficos, promove uma sensação de imersão nesse mundo inspirado em lendas do folclore finlandês.
Grande parte da história é contada por meio de painéis luminosos.

No entanto, parte dessa imersão é quebrada devido a contratempos nos aspectos audiovisuais do título. Como dito, a produtora Infuse Studio é, originalmente, desenvolvedora de cenários e personagens para UE4. Isso é nítido durante o game, que apresenta um grande uso de modelos tridimensionais em mapas complexos e uma boa implementação de luzes, algo que não é comum de encontrar no primeiro título de um estúdio indie. Apesar disso, mesmo criando ocasionais situações visualmente belas, tais assets tornam-se genéricos após alguns momentos com o jogo.
Cenários são complexos e ocasionalmente belos, mas muito genéricos.

Especialmente da metade para o fim da jornada, há pouca variedade nos ambientes, tornando-se os mesmos campos gramados, as mesmas ruínas medievais e as mesmas cavernas, todos extremamente padrões e sem um diferencial artístico definido. O mesmo pode ser dito para a raposa protagonista, que não passa de um modelo comum do animal, sem expressões ou animações que se destacam.

A versão de Switch também sofre com um intenso pop-in de texturas, que são carregadas em praticamente todas as superfícies quando o jogador encontra-se muito perto delas, trazendo um certo desconforto. Além disso, é possível encarar quedas na taxa de quadros por segundos, crashes durante o jogo e alguns glitches que impedem a continuação no game.
Em modo portátil, o game fica particularmente borrado no Switch.

A implementação da trilha sonora é outro ponto que deixa a desejar. Embora as composições de Joseph Gifford sejam de qualidade, representando tanto o lado de aventura quanto o aspecto bucólico do título, elas não ficam em loop, o que já é padrão em games. Chega uma hora em que cada música simplesmente se encerra e outra começa a tocar. Em várias ocasiões, elas também não são contextualizadas e tocam independentemente do ponto do game em que se está. A sensação que fica é de se estar ouvindo uma playlist, atrapalhando completamente a imersão.

Puzzles repetitivos

Tais características narrativas e gráficas são somente a superfície de Spirit of the North e embalam um game cuja progressão é fortemente baseada em puzzles. Ao longo dos mapas lineares dos oito capítulos do jogo, há obstáculos que impedem a raposa de continuar em sua missão. Como não há textos ou diálogos com instruções, cabe ao jogador analisar o cenário e tirar suas próprias conclusões para superar esses entraves.

Para resolver os quebra-cabeças, é essencial utilizar os poderes da raposa espiritual, que podem ser ativados usando flores azuis espalhadas pelos ambientes. Ao fazê-las desabrocharem com um latido, a raposa comum fica com uma série de listras iluminadas, permitindo-a realizar ações como acender terminais, atacar estruturas malignas com um grande latido, dar arrancadas na terra e no ar e até transformar-se em um espírito para alcançar locais inacessíveis. Algumas delas, no entanto, fazem com que o animal gaste todo o seu poder, devendo reativá-lo por meio das flores.
À medida que se avança, novos poderes são desbloqueados.

Enquanto, no começo, essa necessidade de reativação não incomoda, ela pode fazer com que certos puzzles se tornem maçantes à medida que se avança no game. Alguns desafios, apesar de curtos, requerem repetição desnecessária. Por exemplo, para um portal que só fica aberto quando dois terminais estiverem acesos, é preciso encontrar uma flor azul, ativar os poderes espirituais, acender o primeiro terminal e repetir todas essas mesmas ações para o segundo. No meio do caminho, o quebra-cabeça já se tornou entediante.

O título tenta contornar isso introduzindo novas mecânicas em cada capítulo. Gêiseres que lançam a raposa pelos ares, redemoinhos que a impulsionam para a frente e plataformas que funcionam como gangorras estão entre as novidades que são acrescentadas. Inicialmente, elas trazem um certo frescor ao gameplay; no entanto, após alguns minutos, acabam se moldando ao esquema repetitivo do jogo. Também não há exemplos de grandes inovações no design dos puzzles, fazendo com que muitos passem a impressão de serem só variações de desafios anteriores.
Gêiseres são uma das mecânicas que são introduzidas em cada capítulo.

Desorientação descontrolada

Mesmo com quebra-cabeças problemáticos, talvez o ponto baixo do game esteja nos seus controles e na construção de seus mapas. Embora tenha dito acima que não é comum ver ambientes tridimensionais tão complexos em um título indie e que a falta de uma HUD aumenta a imersão, ambos, em conjunto, causam sérios problemas de orientação ao jogador.

Muitas foram as vezes em que me senti completamente perdido nos cenários, principalmente naqueles que eram mais amplos. Parte disso deve-se justamente à falta de variedade visual nos espaços, que dificulta a diferenciação de trechos no mesmo mapa. Toda vez em que decidia explorar, algo de praxe em qualquer jogo de aventura, percebia que não sabia exatamente onde estava quando queria voltar a main quest. Essa sensação de confusão afetava até mesmo os puzzles, já que a desorientação causava momentos em que não sabia exatamente o que tinha de fazer. A ausência de um minimapa ou, pelo menos, de um sistema que indicasse os pontos cardeais foi muito sentida nessas situações.
Mapas não têm diferenciais que se destacam, dificultando a orientação dentro deles.

O game até tenta ajustar esse problema utilizando uma espécie de bolinha luminosa que funciona como uma fada de The Legend of Zelda. Às vezes, ela voa pelo caminho correto a se tomar, mas isso acontece em situações muito pontuais, não se tornando útil para se guiar.

Além disso, Spirit of the North possui muitas fases que se passam em ambientes escuros. Neles, o breu é tanto que é complicado ver por onde a raposa está passando. Soma-se a isso a dificuldade de orientação e o resultado é um prato cheio para frustração, que deve ser duramente aturada até encontrar os checkpoints, única maneira de salvar o jogo e não perder todo o progresso. Ou seja, não dê rage quit, se não quiser voltar alguns bons minutos de jogatina.
Alguns ambientes são muito escuros e complicados de se navegar.

A exploração torna-se ainda mais prejudicada quando leva-se em conta os controles não tão bem programados. Cada botão dos Joy-Con realiza uma ação diferente, entre correr, pular, latir e usar as habilidades espirituais. Mesmo que sejam responsivos na maior parte das vezes, algumas peculiaridades, como a raposa mudar sua direção ao pular contra uma parede, dificultando saltos sobre diferentes plataformas, e o fato de ela sempre ativar uma animação de se secar após sair da água, impedindo que se retome o comando imediatamente, tornam os controles muito fatigantes.

O título também não faz um bom trabalho de explicar como algumas das habilidades espirituais funcionam, deixando o jogador à própria sorte, além de não oferecer informações importantes – como a quantidade de stamina que a raposa possui para correr antes de ficar cansada –, ter botões que ocasionalmente param de funcionar e possuir uma câmera que tem dificuldade de acompanhar desafios que envolvem correr em alta velocidade por espaços estreitos e com tempo limitado, algo que, infelizmente, tem de sobra nas fases.
Exemplo de side quest concluída somente com uma técnica não explicada pelo jogo: as arrancadas no ar acompanham a direção da câmera, e não o lado para o qual a raposa está virada.

Side quest monótona

Todo game de aventura que se preza precisa ter side quests que ampliam o escopo da jornada principal. Spirit of the North não foge a essa regra, mas, devido a tudo que já foi criticado anteriormente, sua grande missão secundária não é muito boa.

Espalhados pelos cenários, estão escondidos cajados e esqueletos de xamãs. O objetivo do jogador é encontrar cada um dos 28 diferentes cajados e levá-los a um xamã, libertando o seu espírito. Quanto mais espíritos forem libertados, mais cores extras para a raposa serão desbloqueadas. É uma quest opcional e que destrava recompensas puramente cosméticas. Quem não se interessa com esses desafios paralelos não precisa nem se preocupar, mas aqueles que gostam de platinar seus jogos encontram uma missão altamente frustrante.
Libertando o espírito de um dos xamãs.

Em mapas desnorteadores e com controles não muito agradáveis, encontrar esses cajados é um afazer muito laborioso. Há situações em que se pode gastar muitos minutos até achar um desses objetos e muitos outros até encontrar o xamã a quem entregá-lo, fazendo com que a atividade seja bastante monótona. Por sorte, o cajado emite uma chama que fica maior à medida que se aproxima de um dos esqueletos. Porém, mesmo com esse indicador, é necessário, às vezes, vasculhar cada cantinho ou até realizar saltos imponderáveis para cumprir essa side quest. É muito esforço para um prêmio que não vale tanto a pena assim.

Frustração

Spirit of the North é um desses games que tinham de tudo para ser uma boa história de sucesso. Afinal, além de possuir uma premissa interessante e ser visualmente atraente, é o título de estreia de uma produtora com apenas dois desenvolvedores. Porém, indo além de suas aparências, encontra-se um título frustrante, com design confuso, controles problemáticos e missões entediantes.

A esperança é que o Infuse Studio pegue toda a experiência adquirida desse título de estreia e aprimore ainda mais o seu desenvolvimento para games futuros. A técnica gráfica, aparentemente, eles já possuem. Falta somente apertar os parafusos soltos no lado do gameplay.

Prós

  • Narrativa simples, sem diálogos ou textos, aumentando a imersão;
  • Uso complexo de modelos tridimensionais e de iluminação em Unreal Engine 4, criando pontuais momentos bonitos, algo incomum para o título de estreia de um estúdio indie.

Contras

  • Falta de variedade nos elementos dos mapas tornam os espaços muito genéricos e desnorteadores;
  • Excesso de pop-in de texturas;
  • Ocasionais quedas na taxa de quadros por segundo e glitches e crashes que impedem a progressão;
  • Trilha sonora que, apesar de bonita, é mal implementada;
  • Puzzles repetitivos e pouco inovadores;
  • Controles mal programados e mal explicados;
  • Side quests entediantes.
Spirit of the North - Switch/PS4/PC - Nota: 5.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Jhonatan Rodrigues
Análise produzida com cópia digital cedida pela Merge Games
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Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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