Tendo conquistado enorme sucesso nas décadas de 1970 e 1980, o gênero shoot 'em up (populares “jogos de navinha”) não acompanhou a evolução do mercado. Sem conseguir inovar ou se reinventar, esses games estão restritos a pequenos nichos atualmente. Porém, o estúdio carioca Double Dash Studios fugiu desta sina com Sky Racket. O projeto, que foi um dos destaques da apresentação Indie World do início de 2020, mescla variados conceitos para oferecer uma experiência divertida, viciante e desafiante.
A estrutura básica dos shmup é mantida com seu personagem voando pela tela, desviando de inúmeras ameaças, coletando power-ups e abatendo inimigos. Entretanto, a maneira de atacar os oponentes é totalmente diferente, sendo considerada a principal identidade do título. Ao invés de disparar projéteis do modo tradicional, nossos heróis contam apenas com uma raquete que rebate determinados tipos de tiros dos inimigos. Em outras palavras, é uma espécie de ping pong espacial.
Além de causar dano nas criaturas hostis, os disparos desviados também servem para remover blocos pelo caminho, em uma mecânica semelhante ao clássico Arkanoid. Essas seções de quebra-quebra são bastante comuns durante as fases e auxiliam muito na variedade do gameplay, evitando que a jornada se torne monótona e repetitiva. Rebater os tiros — que vão ficando cada vez mais rápidos e com trajetória difícil de prever — se revela um grande desafio que coloca à prova os reflexos do jogador.
Ping pong espacial |
Ao resgate da Deusa Capivara Santana
Raptada pelo maléfico Korrg, a Deusa Capivara Santana tem nas Sky Rackets sua última esperança de liberdade. A divindade lançou os poderosos itens no universo, esperando que quem os encontrasse aceitasse a missão de libertá-la. As armas acabam nas mãos de um garoto e uma garota, que transformados em RacketBoy e RacketGirl partem para acabar com os planos do misterioso vilão. Esse é o enredo do game, que conta com quatro mundos compostos por duas fases e mais uma luta contra o boss, além do quinto mapa que se resume ao confronto com Korrg.Praticamente todos os níveis apresentam conceitos inéditos, com isso, o jogador precisará estar em constante evolução para manter a progressão. Há desde estágios com garras de pinball que ajudam a rebater os tiros nos inimigos até uma batalha que recria o revolucionário Pong. As constantes inovações ajudam a criar um sentimento de expectativa antes de iniciar cada fase, afinal, por melhor que tenham sido os resultados alcançados na etapa anterior, a próxima sempre trará a promessa de novas características que te surpreenderão e mostrarão que ainda há muito o que aprender.
Com poucos mundos, é possível terminar Sky Racket em duas horas, mas esse tempo será maior para quem quiser assistir o verdadeiro final. Há um mapa secreto desbloqueado somente depois que diversas missões são concluídas. Esses desafios variam de terminar algumas fases do game sem sofrer nenhum dano até acumular combos de centenas de rebatidas. As tarefas exigirão que cada nível seja revisitado muitas vezes e colaboram na expansão do fator replay. É totalmente viável calcular em torno de 15 horas de jogatina para os 100%, principalmente, para quem não está com os reflexos apurados.
Cada mundo tem duas fases e um chefe |
Sozinho ou com ajuda
Sky Racket pode ser aproveitado tanto individualmente quanto em dupla no multiplayer local. Com um amigo para compartilhar a experiência, a tendência é que tudo se torne mais fácil. Isso porque no single player é game over sempre que seu personagem morre, reiniciando a fase desde o início. Por outro lado, se estamos acompanhados, ao sermos derrotados é possível apertar o botão Start e voltar imediatamente para a ação. Essa “vida extra” é única e compartilhada entre os jogadores, ou seja, se o primeiro for abatido e retornar, o segundo não conseguirá ressuscitar durante a mesma fase.Além desta chance a mais, a ajuda para rebater disparos adversários é bem-vinda. O problema é que a partir do quarto mundo, a dificuldade parece ter sido balanceada levando somente o multiplayer em consideração. Há um crescimento exponencial no desafio, com fases (e principalmente chefes) que poderiam muito bem integrar a galeria de vilões de Cuphead dado o nível extremo. No single player, o momento derradeiro do game muitas vezes deixa de ser empolgante para entrar no campo da frustração.
Essa dificuldade elevada é reforçada pela mecânica de rebatidas que utiliza o ângulo do personagem para decidir a trajetória em que os disparos desviados irão. Por exemplo, para mandar um tiro para cima, ao invés de rebatê-lo segurando o direcional nesta direção, é necessário acertá-lo por baixo e a raquetada vai mandá-lo para o topo da tela. No início do game, conseguimos aprender e dominar tranquilamente esse estilo de jogo. Porém, nas partes finais que têm um toque de bullet hell, fica praticamente impossível se posicionar corretamente sem sofrer dano. Com isso, acertar os inimigos acaba se tornando mais uma questão de sorte do que habilidade.
Prepare-se para muitos pesadelos com este rosto |
Uma explosão de 16-bits
Além dos conceitos e ideias interessantes, Sky Racket merece ser elogiado por sua direção de arte. Antes mesmo de iniciar o jogo, somos recebidos por uma belíssima animação que conta um pouco da história de RacketBoy e RacketGirl. Já durante o gameplay, a arte em 16-bits impressiona, principalmente, com a qualidade do cenário. Cheio de elementos muito bem construídos (incluindo alguns easter eggs de outras produções nacionais), muitas vezes, me peguei admirando a paisagem e esquecendo de prestar atenção na ação que se desenrolava no primeiro plano.Cada mundo conta com visual próprio, logo, minha empolgação ao derrotar cada chefe era descobrir que tipo de espetáculo me aguardava na sequência. A iluminação e jogo de luzes também são caprichados, sendo que vale destacar a animação dos inimigos. Bem trabalhadas, elas são capazes de sozinhas criarem uma personalidade própria para cada vilão — isso sem a necessidade de nenhuma fala. O título só não recebe nota 10 no quesito gráfico devido alguns elementos com cores e características semelhantes aos tiros que voam pela tela. Foram comuns os momentos que fiz confusão e tentei desviar de algo que não me causaria dano e era somente um detalhe artístico.
O cuidado visual é acompanhado pela ótima trilha sonora, com músicas que emulam com perfeição a saudosa época do Super Nintendo. Os jogadores que passaram boa parte da infância nos anos 1990, se aventurando no console da Big N, vão rapidamente se apaixonar e se identificar com a obra do estúdio Double Dash.
Um dos belos cenários do game |
Match Point
Conseguindo inovar um gênero que já foi tão explorado no passado, o game se destaca por mecânicas que são fáceis de compreender e difíceis de dominar. Trazendo elementos dos shoot 'em up, block breakers, pinball e outros jogos, o título mistura toda isso no liquidificador para criar sua própria e cativante identidade. Apesar de alguns problemas menores (como o crescimento surreal da dificuldade no final, principalmente, no single player), o grande pecado está nas decisões que interferem na ideia central do jogo. Por exemplo, uma aventura baseada em posicionamento e rebatida não tem como se desenvolver no meio de um bullet hell.Porém, mesmo com poucas bolas foras que podem ser ignoradas, Sky Racket e seu belíssimo visual em 16-bits tem tudo para estourar a bolha dos shmup e conquistar diferentes públicos com sua empolgante aventura.
Prós
- Uma ótima reimaginação do gênero shoot 'em up;
- Conteúdo para agradar tanto os jogadores casuais que só desejam chegar no final quanto os hardcore que preferem explorar todas as possibilidades;
- Campanha curta, mas com elevadíssimo fator replay;
- Visuais e trilha sonora muito bem trabalhados.
Contras
- Nível de dificuldade desbalanceado nos níveis finais;
- Conceito principal do game é prejudicado nas últimas fases;
- Alguns elementos do cenário se confundem com as ameaças em primeiro plano.
Sky Racket — Switch/PC — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pelo Double Dash Studios