Análise: One Step From Eden revive um fantástico sistema de batalha no Switch

O roguelike inspirado nos combates de Megaman Battle Network não desaponta.

em 02/04/2020


Jogos indie constantemente entram no hábito de preencher as lacunas que foram deixadas vazias pelos grandes estúdios. O sucesso estrondoso de Stardew Valley e Undertale, por exemplo, que atuam meio que como sucessores espirituais, respectivamente, de Harvest Moon e Earthbound, são bons exemplos recentes dessa tendência.

A intenção não é falar mal da prática, pelo contrário. Resgatar ideias e mecânicas consagradas, muitas vezes de formas diferentes, só pode fazer bem para o nosso mundo dos games. Tenho certeza de que muita gente vem há anos esperando que alguém traga de volta o sistema de batalha da série Mega Man Battle Network, clássico RPG do Game Boy Advance — e em 2020, em meio a uma crise mundial sem precedentes, pelo menos o desenvolvedor Thomas Moon Kang e sua equipe realizaram esse desejo com One Step from Eden.

E se Battle Network fosse um roguelike?

Para quem não conhece, Mega Man Battle Network, lá em 2001, pegou tudo o que a gente sabia sobre o robozinho azul e mudou por completo. O jogo se tornou um RPG no qual você controla um garoto no mundo real, e Mega Man é apenas um programa de computador, como um tamagotchi (um PET, como é chamado no jogo). Em vez de sair atirando por aí em um ambiente estilo plataforma, Megaman navega pela internet (literalmente andando e explorando a internet) e, apenas em alguns momentos, participa de batalhas que mesclam uma jogabilidade action RPG com card game.

Infelizmente, a franquia Battle Network, após durar alguns anos, morreu junto do seu particular e bastante agradável sistema de combate — deixando os fãs da série totalmente órfãos do gênero criado pelo spin-off do blue bomber. Aí que entra One Step From Eden. Basicamente, o principal do que o jogo tem a oferecer (em questão de gameplay) é a mecânica de combate importada diretamente de Battle Network: uma área em um grid de 8x4 (maior do que o 6x3 de Mega Man) em que você batalha com inimigos a partir da sua metade do cenário e utiliza diferentes cartas no processo.



Além da área maior, as batalhas são consideravelmente mais intensas do que em Battle Network. Não é à toa, já que One Step From Eden elimina elementos desnecessários como uma história e um overworld para focar 100% nos combates dentro do grid. Neste ponto que a comparação com o fantástico game roguelike de cartas Slay the Spire pode ser traçada (também disponível no Switch). One Step coloca você para fazer uma série de batalhas, em sessões de mais ou menos 15 a 40 minutos, que a cada vez que você jogar, a maioria das coisas mudam. Cartas disponíveis, artefatos a serem coletados, fases e inimigos são diferentes a cada sessão de jogo, ou run. O simples mapa lembra bastante Slay the Spire: você escolhe o caminho que quer seguir após cada batalha e vai traçando o seu destino até o chefe daquele mundo.

As opções de confronto são: batalhas normais (e o ocasional ícone vermelho, que aponta para um confronto mais difícil), hazard (geralmente um combate com elementos que afetam o mapa de maneira geral), distress (resgatar reféns em uma fase simples), miniboss, lareira (onde é possível curar alguns pontos de vida), baú do tesouro (para pegar um pouco mais de dinheiro), loja (para gastar o dinheiro em novas cartas, artefatos, melhorar cartas, tirar cartas do deck ou aceitar pactos que dão benefícios em troca de debuffs temporários) e, no fim de cada uma das nove áreas, um boss (que pode ser um entre dois diferentes para cada tipo de fase: terra, planta, gelo e fogo).



É essencial traçar bem o seu caminho até o chefe (e depois dele). Por exemplo, uma estratégia comum é planejar ir até a loja para pegar novos itens, melhorar cartas que você já tem e garantir um pacto vantajoso enquanto os inimigos ainda não estão tão fortes. Ou talvez seja melhor passar primeiro pela fogueira para ter certeza que será possível recuperar alguma vida (algo que não vem fácil durante o jogo), ou até seguir pelo caminho com a maior quantidade de batalhas possível — para ganhar mais XP e adquirir novas cartas e artefatos durante o processo.

Já em relação à estratégia após o boss, é essencial conhecer bem todos os chefes (o que demora algum tempo, não se preocupe) e pensar para qual área será melhor viajar em seguida — você tem três opções aleatórias após cada confronto com um chefão. Lembre-se que, naturalmente, o game vai ficando mais difícil de acordo com o seu progresso (e bota difícil nisso) e os chefes evoluem da mesma forma. Por exemplo: O Gunner (boss da área de fogo) da fase 0 é muito mais simples de ser derrotado do que sua versão do estágio 3. A ideia é tentar enfrentar os chefões que você tem mais dificuldade logo no começo e guardar os mais simples para o final.

Provavelmente, o principal ponto da sua estratégia até a vitória, no entanto, será a manutenção do seu deck e as suas escolhas em relação às novas cartas e artefatos. Após cada estágio, você pode escolher uma entre três cartas aleatórias para adicionar ao seu deck daquela run específica, ou até nenhuma delas, se preferir — a opção de remover cartas existe, mas é melhor sempre pensar bem antes de escolhê-las. 





O número de cartas é bem grande e são vários tipos, efeitos e sinergias diferentes. O ideal é tentar manter seu deck consistente em relação às mecânicas, ou pelo menos escolher um bom número de cartas fortes e relevantes. Você abre cada vez mais cartas enquanto aumenta o seu nível geral da conta e pode demorar um bom tempo para se acostumar com todas elas, mas eventualmente tudo fica mais claro. Além disso, toda vez que você sobe um nível durante a run, é possível escolher um novo artefato — um efeito passivo que acompanha você até a morte (literalmente).

Todos esses são pontos importantes e podem ser resumidos no seguinte: é preciso realmente conhecer o jogo para ter sucesso em One Step From Eden. A experiência de jogo não é fácil e não pode ser encarada de qualquer jeito sem um certo nível de zelo e concentração. O número de cartas, inimigos e mecânicas diferentes é vasto e o jogo faz muito pouco para ajudá-lo a navegar este novo mundo — o que é um dos maiores problemas do título.

Uma bela confusão

Após um curto tutorial que não explica quase nada, One Step From Eden deixa você com um baralho na mão, uma enorme quantidade de inimigos logo à frente e ainda manda um: "se vira aí, irmão". Os primeiros minutos (na verdade, as primeiras runs) são tão confusos que você meio que só segue o fluxo e espera o melhor. Logo de início, já é preciso decorar umas dez cartas e definitivamente não é tão fácil parar e ler o que elas fazem — sem falar que elas estão cheias de keywords que não são explicadas em lugar nenhum: flow, trinity, frost, poison, haste e várias outras. 



Depois do choque inicial, pode ter certeza que vários outros acontecem. O jogo nunca explica nada sobre os tipos de estágios ou os inimigos, chefes, progresso, como a loja funciona... absolutamente nada. Por um lado, pessoalmente, eu até gostei de jogar algo que não segura tanto a mão do jogador para variar (algo raro nos dias de hoje). Mas por outro lado, cruz credo One Step From Eden! Ajuda um pouco o jogador, na humildade. É um fato, infelizmente a curva de aprendizado do título acaba sendo muito mais alta do que o necessário, e a confusão do início com certeza vai afastar muitos potenciais fãs.

Entretanto, após algum tempinho, e algumas runs frustrantes sem saber de nada, de repente, a experiência se torna bastante agradável. Aprender como este mundo funciona com certeza faz parte do progresso de One Step From Eden, e faz sentido penar para entender um jogo tão complexo e difícil por natureza. A falta de informação não destrói completamente o que o título constrói com tanto carinho, mas com certeza atrapalha. Algo como um simples guia no menu principal do jogo, explicando os conceitos básicos por escrito mesmo, já ajudaria muitíssimo.

 


Quando ignoramos (ou superamos) esse ponto, One Step From Eden se mostra um roguelike focado em um sistema de combate específico que é lotado de conteúdo. São nove personagens ao todo. Oito deles são destraváveis (os próprios chefes que você enfrenta no jogo), e todos são bastante diferentes um do outro em relação à jogabilidade. Cada um possui seu próprio kit inicial de cartas e poder passivo e ativo específicos, e alguns têm mais do que um desses pacotes para você escolher. Além disso, algumas novas roupas podem ser habilitadas, novas níveis de dificuldade, e, como já foi dito, um grande número de cartas — algo que altera cada run de forma considerável e gradual, sempre mudando um pouco o gameplay

E não acaba por aí, ainda há um modo co-op local pra você jogar o jogo normalmente com algum amigo, um modo versus pvp local e uma considerável lista de conquistas bastante específicas para serem realizadas. Nada mal para um jogo quase sem história que não explica nada sobre seu funcionamento, não é mesmo? Sem falar que os gráficos são extremamente agradáveis, com um uso de pixel art não-genérico, cheio de personalidade e animada com fluidez e suavidade. Os personagens, mesmo com a narrativa simples, exalam criatividade e estilo. E pode ter certeza que as músicas, marcadas por beats eletrônicos dançantes tão frenéticos quanto o ritmo do gameplay, irão grudar na sua cabeça por dias. 



One Step From Eden é rápido, intenso, desnecessariamente confuso e chega a ser tão difícil quanto as batalhas mais ferrenhas de Megaman Battle Network. Mas também é bastante viciante e super bem-feito. O game realmente parece ter sido desenvolvido com amor e atenção, mesmo que ainda possa melhorar um tanto. Os fãs de Battle Network já devem ter o jogo na biblioteca do Switch desde o lançamento, mas se você for um entusiasta de roguelikes, card games ou apenas de jogos indies polidos e divertidos, não tenha medo de dar uma chance para o título. (só se prepare para ter que aprender uma coisa ou outra).

Prós

  • A volta triunfante das batalhas de Megaman Battle Network, só que de forma potencialmente infinita;
  • Parte visual de primeira e trilha sonora no ponto;
  • Gameplay viciante e divertido;
  • Modo multiplayer.

Contras

  • Curva de aprendizado alta;
  • A falta de tutoriais apropriados torna a experiência desnecessariamente confusa e complicada;
  • Incrivelmente difícil em alguns momentos;
  • Pouco a oferecer além do foco principal: o interessante sistema de batalha.
One Step From Eden - Switch/PC - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão:  Vladimir Machado
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Publishing
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