Análise: Dead or School (Multi) parece de mau gosto, mas é um raio luz nesses tempos difíceis

Indie do estúdio Nanafushi ainda exibe certas deficiências técnicas que o fazem se assemelhar a um jogo de Nintendo 64, mas 20 anos atrasado.

em 25/03/2020

Em tempos tão obscuros quanto aos que passamos atualmente, o lançamento de narrativas que ilustram uma eventual ruína da sociedade fomentada por um vírus pode parecer algo insensível e de extremo mau gosto — até que olhamos para um passado bem próximo e lembramos que essa prática era extremamente recorrente e inofensiva. Dead or School (Multi), por sua vez, é apenas uma vítima no meio desse dilema (mesmo ele tendo sido lançado originalmente em setembro de 2019, antes de todo esse caos).


O indie desenvolvido pelo Studio Nanafushi é um pseudometroidvania em que a sociedade viu nos túneis do metrô o último refúgio contra a invasão dos zumbis mutantes que dominaram a superfície há setenta anos. Hisako nasceu e cresceu nesses abrigos subterrâneos e, certo dia, ela descobre a existência de um conceito chamado “escola”, um local onde os jovens se reuniam para aprender sobre a vida e fazer amizades.



Sua avó, que ainda guarda algumas poucas lembranças dos tempos pré-apocalípticos, decide dar à protagonista seu próprio uniforme escolar, que sobreviveu ao tempo, como uma forma de manter a esperança da garota viva. A menina decide ir além ao desbravar os túneis subterrâneos até a superfície, onde pretende estabelecer novamente o conceito de instituição educacional em sua própria utopia. A história se passa no mesmo universo de um doujin chamado Machine Doll Nanami-Chan, que entrou em hiato porque o autor, Mokuseizaiju, decidiu se concentrar na produção do jogo.

As primeiras impressões a respeito de Dead or School são péssimas. Tudo nele é extremamente datado, sendo que a narrativa galhofa e o fanservice de mau gosto não ajudam nem um pouco nesse primeiro baque. Quando finalmente assumimos o controle da heroína, a jogabilidade também se mostra dura, travada. Naquele momento, qualquer perspectiva já tinha ido bem rápido para o ralo.



Apesar disso, continuamos nos aventurando pelos mapas escuros e poligonais situados no metrô de Tóquio. Contra os inimigos espalhados pelos cenários, há três arquétipos de armas disponíveis: espada, fuzil e bazuca. As três podem ser utilizadas de forma alternada, a fim de encontrar a melhor estratégia para derrotar, com suas respectivas técnicas especiais, as diversas espécies de mutante. Aliás, há a possibilidade de aprimorá-las ou até substituí-las por exemplares melhores de cada tipo de equipamento.

Com o tempo, o sistema de jogo se revela como uma aplicação prática de uma jogabilidade com desenvolvimento progressivo. É um desses títulos quase injogáveis em seus primeiros momentos, mas cujo gameplay logo vai se aperfeiçoando de acordo com a evolução da personagem, que aqui pode subir de nível e ir adquirindo técnicas diferentes em três árvores de habilidades distintas. Ou seja, um sistema aparentemente falho em sua introdução que vai, aos poucos, se mostrando cada vez mais complexo e elaborado, além de continuar a exigir a capacidade técnica do jogador para ser dominado.

Independentemente, Dead or School continua sendo visualmente ultrapassado, com modelagem 3D poligonal e identidade visual que nos remete ao auge do Nintendo 64. Só que, da mesma maneira que conseguimos, até hoje, fazer vista grossa para os clássicos do console, também é possível se acostumar a todos os aspectos técnicos deficitários desse indie. A forma como passamos pelos corredores, saltamos pelas plataformas e derrotamos os inimigos evoca, principalmente aos veteranos do estilo, um verdadeiro Castlevania antigo, com similares prós e contras recorrentes da popular franquia da Konami.

Lembra-se daquela impressão negativa do início? Pois bem, ela foi embora antes mesmo de terminarmos o primeiro mapa, referente à estação de Shinjuku, para dar lugar a um gostoso e imersivo platformer com combates corpo a corpo e mecânicas de shooter twin-stick. Quando nos damos conta, estamos salvando sobreviventes, atirando nos zumbis, resolvendo alguns quebra-cabeças e coletando colecionáveis enquanto vamos descobrindo cada vez mais sobre aquele mundo pós-apocalíptico. A questão é que ele não é isento de alguns defeitos recorrentes de um metroidvania, como o backtracking e a necessidade de grinding contra os inimigos (que ressurgem no mapa) no intuito de conseguirmos enfrentar alguns dos chefes mais poderosos.



Dead or School é uma epítome de um jogo independente. Ele tem sérios problemas técnicos decorrentes de falta de verba ou incapacidade prática dos próprios desenvolvedores, embora seja perceptível, sem romantizar, que vontade e dedicação não faltaram aqui. Claro, diversos aspectos carecem de polimento, só que é possível relevar várias dessas falhas ao considerarmos o contexto de sua produção, que chegou a passar por dois financiamentos coletivos fracassados, mas que, ainda assim, conseguiu sair do papel. Condenável seria se um AAA apresentasse esses defeitos (algo mais comum do que parece, inclusive).

A verdade é que a aventura protagonizada por Hisako teria se tornado referência caso tivesse sido lançada há uns vinte anos. Infelizmente, esse não é o caso: as imperfeições técnicas às quais normalmente teríamos feito vista grossa por conta de uma inferior capacidade de hardware acabam sendo evidenciadas aqui por se tratar de um produto recente e que poderia ter se beneficiado do potencial das plataformas modernas.



Entretanto, tal como vários games daquela época ainda são revisitáveis nos dias de hoje, Dead or School consegue segurar o jogador com uma espécie bizarra de nostalgia não-intencional justamente por suas deficiências procedimentais. Ademais, há uma ironia dramática a se levar em conta: a ingênua heroína se apegar a uma ideia tão superficial, como ir à escola em tempos tão sombrios e sem esperança, seria considerado incrivelmente fútil, isto é, caso estivéssemos em uma situação menos calamitosa da nossa realidade.

Prós:

  • Jogabilidade que vai se desenvolvendo com a progressão da campanha;
  • Design de fases exemplar e que faz jus a um metroidvania;
  • Sistema de combate imersivo potencializado por uma árvore de habilidades de qualidade.

Contras:

  • Visual datado, digno do Nintendo 64;
  • Queda da taxa de quadros em determinadas situações;
  • Carece de polimento.
Dead or School — Switch/PS4 — Nota: 7.5 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Felipe Fina Franco
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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