No More Heroes 2 (Wii): os dez anos do desespero de Travis Touchdown

A sequência do clássico do Wii completa uma década como um dos mais bem-acabados títulos do console.

em 26/01/2020
O primeiro No More Heroes chegou ao ocidente nas mãos da Ubisoft. Isso aconteceu em uma época em que a empresa ia além das próprias IPs e não se via problemas em realizar a publicação de jogos de terceiros. Essa ação foi importante para o jogo, uma vez que as vendas do ocidente salvaram o desempenho pífio que o título teve em seu local de origem. Para se ter uma ideia, uma das histórias conhecidas é que o criador e diretor do jogo, Suda 51, foi participar de um evento de lançamento onde iria autografar cópias do game. Diz-se que uma das únicas assinaturas feitas naquele dia foi a de um editor da Famitsu que precisava de alguma coisa que servisse para ilustrar a sua reportagem.


Por sorte, o game protagonizado por Travis Touchdown teve um desempenho bem positivo no ocidente. Não apenas isso, ele também recebeu elogios da crítica, que o viu como um respiro diferenciado ao que o Wii oferecia desde então. Graças a essa boa performance no mercado americano, uma sequência foi anunciada em outubro de 2008 na TGS. Um segundo trailer completo foi divulgado na E3 2009 até que, finalmente, o jogo foi lançado em 26 de janeiro de 2010.



Dessa forma, No More Heroes 2: Desperate Struggle (Wii) chegou primeiramente na América do Norte. O Japão só foi receber o game no final daquele ano, em outubro, em uma edição de luxo chamada “Hopper’s Edition”, que além da mídia em si, acompanhava um DVD com um curta chamado No More Heroes 1.5, que ajudava a entender os acontecimentos entre o primeiro e o segundo título. Vinham ainda o CD com a trilha sonora e um mangá ilustrado por Yusuke Kozaki, responsável pelo design dos personagens e também por alguns outros trabalhos na indústria cultural japonesa, como Fire Emblem Awakening (3DS) e o anime Speed Grapher.

A produção do game também teve algumas mudanças. Apesar de ainda ser desenvolvido pela Grasshopper Manufacture, Suda51 abdicou da posição de diretor para servir apenas como o roteirista da história. A trilha sonora também teve uma baixa: Masafumi Takada, que também assinou trabalhos como God Hand (PS2) e killer7 (PS2/GC), deu lugar a Jun Fukuda e a Akira Yamaoka (de Silent Hill).



Na prática, isso se traduziu em uma mudança na estrutura dorsal do título. Anteriormente, o jogador poderia percorrer toda a cidade de Santa Destroy, com acesso a alguns estabelecimentos — como a agência de empregos temporários — e aos locais diferentes onde as fases principais do game se passavam. O principal problema disso era que se tratava de um ambiente tridimensional muito grande, mas com poucos pontos de interesse que o justificassem. Uma verdadeira cidade deserta que só ocupava espaço na mídia e tempo do jogador (e dos desenvolvedores).

Além disso, por mais que a cidade estivesse cheia de colecionáveis como as camisetas, as cartas de luchadores e as bolas de Lovikov (que liberavam poderes novos para o protagonista), o tempo necessário para percorrê-la entre os poucos pontos de interesse apenas inflaram artificialmente a duração final do jogo. Isso sem falar da péssima jogabilidade da Schpeltiger, a motocicleta que teoricamente deveria agilizar nossa locomoção por Santa Destroy.



Em No More Heroes 2, o mundo aberto foi completamente abolido e deu lugar a uma espécie de menu onde era possível selecionar diretamente o próximo destino, como as lojas de roupa e os empregos temporários, que também sofreram mudanças: agora, quase todos eles foram reduzidos a minigames pixelizados que resgatavam certos clássicos do passado dos games — ideia que hoje vemos que serviu de embrião no conceito geral de Travis Strikes Again: No More Heroes (Switch).

Outra mudança sentida é o aspecto visual. A evolução nesse quesito é imediatamente perceptível, uma vez que NMH2 ameniza consideravelmente a estética cel-shaded característica do primeiro game para evidenciar modelos e texturas melhor trabalhados. A qualidade dos modelos é tão exemplar que o port do primeiro título para PlayStation 3 — chamado de No More Heroes: Red Zone no Japão, mas conhecido como Heroes’ Paradise no ocidente — utilizou alguns deles sem qualquer modificação como oponentes bônus.


A história dessa sequência também assumiu um tom levemente mais soturno e agressivo, mas sem abdicar de várias características do antecessor, como o humor. Aqui, Travis Touchdown retorna a Santa Destroy após um período ausente em que conseguiu se desvincular de toda a história dos rankings de assassinos. Contudo, um chamado o faz retornar e, eventualmente, ele vê seu melhor amigo, Bishop Shidux, o dono da locadora, se tornar uma vítima de um grande empresário querendo vingança.

O interessante é que tudo isso é consequência de uma missão paralela de assassinato cuja ideia era servir apenas para render uma grana ao personagem lá no primeiro jogo. Com isso, vingança gera vingança e é a vez de Travis querer a cabeça de Jasper Batt Jr. O problema é que ele é o primeiro colocado de um novo ranking de assassinos, que agora conta com cinquenta e um nomes.



Essa informação, aliás, criou alguma expectativa que não chegou a se concretizar, visto que ela não significou necessariamente cinquenta e uma batalha de chefes. Mais especificamente, as detentoras das posições que vão da quadragésima nona à vigésima sexta eram as líderes de torcida do astro do futebol americano Charlie Macdonald — e elas se juntam a ele para formar um único robô gigante. Além disso, é notável como alguns dos outros assassinos foram mortos em offscreen, sem direito a uma luta digna.

De forma prática, a jogabilidade permanece quase a mesma do primeiro jogo, em que é possível alternar entre os movimentos de espada e de luta livre, sendo que os golpes de finalização utilizavam os sensores de movimento e era necessário chacoalhar o controle de acordo com a direção indicada na tela. Além disso, houve um ou outro ajuste, como é o caso do modo Dark Side, power up que antes era ativado aleatoriamente após derrotar inimigos e agora depende de um medidor próprio de êxtase que vai sendo preenchido à medida que os oponentes vão sendo abatidos.



Outra novidade de destaque é a adição de novas Beam Katanas — como os sabres de luz são chamados nesse jogo. Além do retorno da Blood Berry (o modelo padrão) e da Tsubaki MK-III (aqui renomeada Carmellia MK-III), No More Heroes 2 conta com a adição da Peony, cuja lâmina se torna maior e mais mortal, embora bem mais pesada e, consequentemente, lenta, de acordo com a barra de êxtase; e do conjunto Rose Nasty, composto por dois sabres gêmeos.

Aumentando a variedade do gameplay, foram implementadas algumas fases em que era possível controlar Shinobu e Henry, personagens que retornam do primeiro jogo e eram anteriormente não-jogáveis. A garota samurai assume o protagonismo em duas fases e tem como principais diferenciais as suas habilidades de salto e de disparo de projéteis com a própria lâmina. O irmão gêmeo do protagonista, por sua vez, é jogável apenas em uma sequência de sonho, mas também consegue disparar projéteis e é capaz de realizar um sidestep muito mais eficaz do que a esquiva simples.



A questão é que, apesar de ser um jogo com uma polidez inquestionável, é notável também que ele sofre de alguns erros a nível conceitual. Por exemplo, sem aquele mundo aberto para estender artificialmente sua duração, a experiência curta de jogo agora é perceptível, o que faz com que aquela ilusão de que seriam cinquenta chefes tenha um peso maior. Outro ponto é que alguns dos assassinos são diretamente reciclados do anterior, como o Million Gunman, que não passa de um clone do Dr. Peace.

A própria narrativa também, ao tentar adquirir um tom mais complexo, acaba introduzindo alguns conceitos que, na prática, não serviram para nada, a exemplo da ideia dos Akashic Points que demonstraram um baita potencial inexplorado. Isso sem falar do próprio Jaspet Batt, que não mostra o mesmo apelo de outros chefões, como é o caso de sua antecessora direta, Alice Twilight (o que é irônico, porque a consistência do elenco de assassinos, como um todo, não chega aos pés da do primeiro título).



De um modo geral, no fim das contas, No More Heroes 2 é um marco. É um marco para o Wii, que tem em seu catálogo verdadeiras pérolas hardcore em meio ao estigma casual do console. O fato de ser uma sequência só ajuda a consolidar essa ideia, uma vez que ela só saiu porque o primeiro título demonstrou poder contar com seu próprio nicho — que, aliás, também foi bem servido com outros games com uma pegada similar, como Madworld e Red Steel.

Agora, com um terceiro título vindo aí, seria pertinente apresentar os dois primeiros às novas gerações, não?

Revisão: André Carvalho
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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