Anos atrás, houve um tempo em que o gênero
survival horror era a menina dos olhos da indústria de games. A mistura entre narrativa de terror e jogo de sobrevivência deu origem a clássicos dos anos 90, como as séries
Alone in the Dark,
Resident Evil e
Silent Hill. Recentemente, o sucesso de títulos como
Resident Evil 7 biohazard (Multi) e o
remake de
Resident Evil 2 (Multi), além da grande expectativa pela nova versão de
Resident Evil 3 (Multi), mostram que esse tipo de game ainda tem lenha para queimar.
Porém, em meados da década de 2010, o gênero não era a coisa mais quente entre as pessoas. Todo o mercado se voltou para jogos de ação ao estilo Ocidental, inclusive as séries citadas acima, o que resultou em lançamentos criticados pela imprensa e pelo público. Fãs de survival horror esperavam por um verdadeiro retorno às origens deste estilo. É dentro desse contexto que encontra-se Back in 1995 (Switch).
Desenvolvido pelo estúdio
Throw the warped code out, o jogo foi originalmente lançado para PC em 2016 e chegou ao
Nintendo Switch, além dos demais consoles, em 2019 pelas mãos da
Ratalaika Games. O título se propõe a ser um novo game de terror de sobrevivência, reproduzindo todo o clima dos anos 90, incluindo gráficos, controles e
game design. Essa homenagem tinha tudo para ser o retorno que todos aguardavam. No entanto, tarefas repetitivas,
puzzles confusos, um sistema de combate entediante e visuais difíceis de se olhar fazem com que essa seja somente uma oportunidade perdida.
Retrô moderno
Os primeiros momentos com Back in 1995 são de pura curiosidade. Tudo remete aos jogos das eras dos 32 e 64
bits. A resolução 4:3, os modelos de personagens e de cenários com poucos polígonos – deixando os gráficos com aquele
look quadrado – e um filtro de imagem CRT ajustável que emula antigas TVs de tubo dão a sensação de se estar experimentando um
software do primeiro
PlayStation, do
Nintendo 64 ou até mesmo do
Sega Saturn.
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Vai uma dose de nostalgia aí? |
Esse retorno ao passado não se limita somente à estética. A jogabilidade também é similar a dos
survival horrors da época. O protagonista Kent tem movimentos lentos e limitados por meio dos chamados controles de tanque, que, como o próprio nome já diz, faz com que o personagem se mova como o veículo de guerra: com o analógico para cima, ele anda reto; para baixo, anda de costas; para a direita e para esquerda, gira em seu próprio eixo.
Outros detalhes ajudam a aprimorar a apresentação do game como um título antigo. Por exemplo, a atuação de voz para os personagens é sem emoção e forçada. De início, causa estranheza, mas faz muito sentido ao ser comparada com as atuações clássicas e lastimáveis dos primeiros Resident Evil. Afinal, para essa viagem no tempo ser autêntica, é preciso usar também os pontos ruins das peças homenageadas.
A cada momento em que esses elementos são introduzidos, é difícil não se deixar levar pela simpatia nostálgica que o game tenta criar. São poucos minutos em que tem-se a sensação de que o título utilizará os ingredientes dos
survival horrors da década de 90 de maneira criativa, levando em consideração que estamos mais de 20 anos no futuro. Porém, logo após um curto tutorial, tudo vai ladeira abaixo.
De doer a vista
Um dos aspectos do jogo que mais salta aos olhos – literalmente – são suas escolhas de estilo gráfico. Como dito, há aqui uma reprodução dos gráficos presentes durante a quinta geração de consoles. Isso não configura necessariamente algo ruim. Existem muitos exemplos de excelentes títulos que se inspiram em
sprites ou modelos de anos passados. No entanto, o problema de Back in 1995 está na maneira como emprega algumas de suas técnicas para fazer essa simulação.
A própria descrição do jogo na eShop afirma que são utilizados uma série de procedimentos para se alcançar um visual retrô, entre eles o mais errático: o
texture warping. Essa espécie de erro, presente especialmente em
softwares do PlayStation original, faz com que as texturas colocadas sobre personagens ou cenários balancem e oscilem conforme a posição da câmera.
Ao observar os jogos de PS em ação, é possível notar essa instabilidade. Entretanto, quando bem trabalhada, ela não prejudica a jogabilidade nem causa desconforto ao jogador. Back in 1995 é o exemplo oposto disso. Inicialmente, é possível notar um certo movimento nas texturas e nos modelos, algo que não atrapalha e até ajuda a criar a atmosfera do game. Mas, conforme se avança, esse movimento torna-se extremamente excessivo. Texturas do solo e de alguns objetos se esticam e se comprimem de maneira absurda conforme a câmera acompanha Kent, podendo desnortear e incomodar o usuário. Além disso, a maneira como algumas dessas texturas são aplicadas faz com que o mundo ao redor tenha uma aparência meio torta e deformada, dando um jeito desagradável a ele.
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Evite olhar muito para não ficar nauseado. |
Esses tropeços gráficos ficam ainda mais evidentes quando se desliga o filtro CRT no menu de opções. Jogar o título sem nenhum efeito de imagem deixa clara uma certa falta de polimento na parte visual. Dica: ligue o modo de TV de tubo no máximo para ter uma experiência um pouco mais suportável.
Lento e confuso
Contudo, gráficos não são a parte mais importante de um jogo. Tudo isso poderia ser relevado se o título tivesse um bom
design, que engajasse o usuário em sua história de terror. No entanto, o que temos é um game com missões arrastadas e
puzzles que podem ser confusos.
O jogo é estruturado como o primeiro Resident Evil ou Alone in the Dark, no qual o protagonista deve explorar um edifício – no caso de Back in 1995, uma série de andares de diferentes prédios, que servem como níveis –, entrar em suas salas e usar objetos e pistas encontrados nelas para desvendar enigmas. A razão para prosseguir de andar em andar está na meta final: levar Kent, um homem atormentado por voltar a uma cidade na qual participou de uma confusão, a uma torre, onde, segundo ele, toda a sua perturbação irá terminar.
No caminho, NPCs indicam a rota a seguir, incubindo o jogador com tarefas, como buscar uma série de documentos ou acionar o sistema elétrico do prédio. Tais
quests, porém, utilizam esses NPCs como recurso para alongar a duração do game de maneira artificial. Na maioria dos casos, é necessário reportar aos personagens não jogáveis o cumprimento das atividades. Ou seja, eles são os gatilhos que fazem com que parte do mapa seja liberado ou que o próximo nível se desbloqueie.
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Um dos personagens não jogáveis dando missões ao jogador. |
Isso faz com que o jogo tenha um ritmo muito vagaroso. Com uma média de duas missões por nível, é preciso fazer, pelo menos, quatro viagens até poder passar para o prédio seguinte. Tudo isso usando os lentos controles de tanque, que obrigam o protagonista a levar muitos minutos para cumprir seu objetivo. A falta de um botão de corrida é sentida, principalmente no momento de voltar para falar com o NPC. Além disso, algumas das atribuições não fazem sentido algum com o contexto do que está acontecendo. Ao mesmo tempo em que monstros estão atacando, um doutor pede que Kent saia e ligue o ar-condicionado sem explicação.
Para tornar as
quests menos entediantes,
puzzles são distribuídos pelos ambientes. São desafios simples, que envolvem coletar informações nas diferentes salas e usá-las para achar itens essenciais, como chaves para destrancar portas, ou códigos para destravar maletas. Grande parte deles se resume a anotar números encontrados em papéis ou lousas espalhados pelo cenário e, então, trabalhar com eles usando pistas obtidas nos aposentos. Nessas situações, o botão de captura de fotos do Switch é extremamente útil, pois permite registrar os dados achados e cruzá-los com facilidade. Entretanto, alguns quebra-cabeças são prejudicados pela falta de clareza em suas instruções. Enquanto uns deixam confuso o que deve ser feito, outros simplesmente possuem orientações erradas, deixando o usuário à própria sorte.
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Instrução do quebra-cabeça: levar o container verde para o portão. Mas qual container especificamente? |
Monstros, para que lhes quero?
O que seria de um jogo de terror se não houvesse monstros para derrotar? Back in 1995 também possui suas próprias criaturas grotescas feitas para assustar e atrapalhar os jogadores durante a aventura. Porém, tirando raras exceções, nenhum dos dois acontece.
Quando o assunto é o combate contra esses seres, a falta de variedade impera. No começo, os inimigos são estáticos ou bem lentos, o que combina com a devagar animação de ataque com a chave inglesa, primeira arma do game. Essa ferramenta exige que as lutas sejam mais corpo a corpo, com uma mecânica de risco (perigo de levar dano) contra recompensa (derrotar o monstro). Porém, assim que se entende os padrões de investida dos monstrengos, os embates se tornam repetitivos, previsíveis, fáceis e, consequentemente, enfadonhos.
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Depois de entender como os inimigos atacam, o corpo-a-corpo torna-se monótono. |
Após certo tempo, vilões maiores e mais rápidos surgem. Mas, neste momento, pistolas e espingardas são introduzidas. Essas armas de fogo permitem um combate de longa distância, têm mira automática nas criaturas mais próximas e bastante munição, que precisa ser encontrada pelas salas. Dessa forma, perde-se grande parte do desafio e do perigo. É possível se manter a uma distância segura e apertar o botão de disparo sem parar para sair com vida dos confrontos, até mesmo daqueles contra chefões. Há somente um tipo de monstro que estraga essa estratégia, pois anda mais rápido que o próprio protagonista, obrigando que se elabore novas táticas de ataque, levando em conta a lentidão de Kent. Inimigos assim, que fazem o jogador pensar em suas fraquezas e em suas forças, são bem mais interessantes, mas estão em falta neste aqui.
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A espingarda permite ataques à distância, diminuindo o perigo. |
No entanto, o maior antagonista do jogo é sua câmera. Inspirado no uso de câmeras fixas pelos
survival horrors de sucesso, o game utiliza a mesma mecânica, porém, em vez de serem estáticas, as câmeras acompanham o personagem principal como se fizessem parte de um sistema de segurança interna. Um mesmo recinto pode ter mais de uma câmera e, se uma delas não consegue mais seguir o personagem, corta-se para a seguinte e assim por diante. O combate é diretamente afetado por isso, pois dificulta a visualização de inimigos fora de quadro. Ao contrário de Resident Evil, em que toda a ação se limita ao espaço coberto pela câmera, Back in 1995 exige que se lide com coisas que, muitas vezes, não é possível nem enxergar. Soma-se a isso alguns ocasionais
glitches que fazem com que os monstros fiquem invisíveis e o resultado disso é frustração.
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Imagem real da câmera passando por dentro do personagem. Isso dá mais susto que muito monstro. |
O título também carece de bons instantes de susto. Somente em poucas ocasiões ele provoca sobressaltos e, em todas elas, é utilizado o recurso do
jumpscare, em que algo assustador acontece de repente. Uma das funções dos controles de tanque é justamente causar medo e ansiedade. A lentidão faz com que a expectativa sobre o que pode acontecer se torne muito maior e o próprio ato de se mover se transforma em uma ação amedrontadora. O jogo, entretanto, nunca entrega algo que atenda a essas expectativas. É como andar na casa do terror de um parque de diversões e nada aparecer para lhe assustar.
Trama ruim
Para amarrar todos esses problemas, temos uma história desinteressante e inconclusiva. Como citado, o protagonista busca chegar a uma torre para acabar com seus tormentos. Espera-se que, com o auxílio dos NPCs, mais sobre seu passado e sobre suas motivações sejam revelados, porém esses personagens são irrelevantes para o avanço da narrativa. Não há um único momento em que eles explicam o que está acontecendo na cidade ou questionam as intenções de Kent. Aliás, as interações com alguns deles são tão sem sentido e sem propósito – além de serem gatilho para próximas missões – que é complicado entender por que eles foram colocados no jogo para início de conversa.
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Grande parte da narrativa, que nunca se explica 100%, é contada por texto. |
Para aqueles que querem relembrar o que está acontecendo na narrativa ou rever o que certo personagem disse, há um
log que registra todos as conversas trocadas ou documentos lidos. Pelo menos, essa deveria ser sua função, pois ele não salva uma série de diálogos arbitrariamente, podendo deixar as pessoas perdidas nas suas jornadas. E, para finalizar todas as complicações, o
design de áudio é problemático, com músicas desagradáveis, que insistem em alongar notas para além do admissível, e efeitos sonoros que são cortados repentinamente.
Licença poética ou simplesmente ruim?
Chegando ao fim de
Back in 1995, a história começa a tomar um caminho de terror psicológico e o game dá a entender que algumas das características negativas citadas acima são propositais devido a uma revelação sobre Kent – que não será dita aqui para evitar
spoilers.
A questão que fica é se um estúdio pode tomar uma série de decisões equivocadas na hora de produzir um jogo e depois se justificar dizendo que elas fazem parte da narrativa. Francamente, a resposta é um claro e sonoro “não”, principalmente para um título que possui um
design entediante, um combate repetitivo, uma história irrelevante e gráficos desagradáveis.
A única conclusão é que Back in 1995 é ruim. Tanto hoje quanto em 1995.
- Interessante reprodução do clima dos survival horrors dos anos 90, incluindo gráficos, controles e atuações de voz típicos da época.
Contras
- Visuais desagradáveis e desnorteadores, com texturas que esticam e comprimem com o movimento da câmera;
- Design de fases maçante, que obriga o jogador a ir e voltar pela fase excessivamente e aumenta a duração do game de maneira artificial;
- Puzzles com instruções ambíguas ou erradas;
- Combate repetitivo e pouco desafiador;
- Falta de bons momentos de susto;
- Narrativa inconclusiva e confusa;
- Registro de diálogos e documentos que não funciona;
- Design de áudio ruim.
Back in 1995 - Switch/PS4/Xbox One/PC/3DS/PS Vita - Nota: 3.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vladimir Machado
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games