Quais problemas Pokémon Sword/Shield teve em comum com outros games de transição de console?

O tempo e a notável dificuldade da Game Freak em se adaptar a novos aparelhos se mostram como principais empecilhos na produção dos novos jogos.

em 22/11/2019

Pokémon Sword/Shield (Switch) chegou às lojas há algumas semanas cercado de controvérsia. Não bastasse a ausência de um grande número de Pokémon disponíveis no game, o título também foi amplamente criticado por sua qualidade duvidosa a nível técnico, com problemas que vão desde uma decepcionante apresentação gráfica à presença de bugs e outros problemas de programação e otimização.


Essa também marca a transição da Game Freak, a empresa desenvolvedora responsável, para um novo aparelho, algo que anteriormente já aconteceu três vezes (quatro, se contar Game Boy para Game Boy Color), à exceção desta. Em todas elas, nota-se que houve alguma dificuldade nesse processo de transferência. Segundo Junichi Masuda, um dos principais produtores da série, o mais difícil foi o salto para o Game Boy Advance com Pokémon Ruby/Sapphire.



De acordo com a entrevista publicada na GameInformer, o problema que Masuda alega, na verdade, dizia respeito à febre Pokémon que, naquele momento, havia se exaurido. O relato é bem interessante e inclui até mesmo declarações de que ele havia ido parar no hospital por conta de uma crise de nervosismo. Apesar da declaração de que não houve dificuldades de nível técnico, visto que se tratava de uma plataforma com mais recursos, é válido encarar que elas, de fato, aconteceram. Segundo o próprio, “[o GBA] nos permitiu realizar mais e com maior Liberdade, mas, ao mesmo tempo, era mais demorado para fazer mais coisas e nos exigia mais recursos”.

Tal informação da demora nos é útil porque nos remete a um outro dado: conforme o próprio desenvolvedor revelou em outra entrevista publicada no Gamasutra, as terceiras versões existem no intuito de colocar ideias que deveriam estar nas duas originais, mas que ficaram de fora por questões de tempo. Ou seja: a Game Freak é refém da data de lançamento dos games. É interessante chamar a atenção pelo fato de que essa afirmação dizia respeito à quarta geração, com Diamond/Pearl (DS), que teve seu lançamento adiado em praticamente um ano (de 2005 para 2006).



Dessa forma, voltando à Ruby/Sapphire, qual foi a principal crítica a respeito? A de que, naquele momento, os Pokémon não disponíveis na Pokédex regional eram impossíveis de se capturar. Eles até estavam codificados no game, mas considerando que não havia conectividade com versões anteriores, os jogadores estavam reféns dos Pokémon capturáveis apenas nos dois lançamentos originais da terceira geração. O tempo muito provavelmente deve ter sido o responsável pela ausência de uma solução dentro do próprio jogo, visto que a preferência para sanar esse empecilho foi a produção de novos títulos — os remakes FireRed/LeafGreen — para que tal buraco seja suprido. Ou seja, a preferência foi que os produtos fossem lançados com menos recursos para que outros lançamentos posteriores sanassem isso.

Paralelamente a isso, há a justificativa da necessidade de uma completa reformulação gráfica. Com o salto gráfico para o GBA, era necessário adequar o visual do jogo nos assets e sprites, sendo que absolutamente nada naquele momento podia ser aproveitado. Sword and Shield também precisou dessa mesma reformulação em outra escala. Sim, os modelos tridimensionais se mantiveram desde Pokémon X/Y (3DS), mas todo o mundo do game inteiro necessitava de uma nova composição — afinal, era inconcebível que aquelas texturas de baixa qualidade do 3DS fossem transportadas para o novo sistema em alta definição. Elas, de fato, ficaram aquém das expectativas, mas entra novamente naquela desculpa de que um novo sistema demanda tempo de aprendizado, e a Game Freak obviamente passou problemas de adaptação como já aconteceu em transições anteriores.



O estúdio sempre tem dificuldades para se adaptar a uma nova plataforma. Não apenas reféns do tempo de desenvolvimento, eles têm dificuldades de aprendizado e isso é notável tanto na transição para o DS, com Diamond/Pearl, quanto para o 3DS, com X/Y, em que houve problemas sérios de programação. Um dos mais famosos na quarta geração era o bug do tweaking, que permitia que o jogador enguiçasse o loading dos mapas caso a sua velocidade de locomoção superasse a de carregamento. Isso fazia com que o personagem na tela fosse parar numa espécie de vazio ou em outro ponto do mapa completamente diferente em relação ao local onde deveria estar.

Outro conhecido bug de programação é o infame problema do save em Lumiose. Caso o console fosse desligado logo depois de o jogo ter sido salvo nas avenidas norte e sul da cidade, o game teria um problema de carregamento assim que iniciado novamente, impedindo o que o personagem da tela se mexesse, bloqueando as ações possíveis na touchscreen e ainda falhando na exibição das texturas. A vantagem é que, naquele momento, houve certa agilidade na correção desse glitch. Hoje, tal defeito nos remete àquele de Sword/Shield em que, sob certas circunstâncias, o sistema de autosave chega a entrar em conflito com o cartão microSD do console.

Ou seja: de um modo geral, a Game Freak sempre teve seus problemas em relação à transição de hardware. O estúdio, por algum motivo particular, acaba tendo dificuldades em assimilar a arquitetura dos novos aparelhos dentro de um prazo estipulado, o que resulta quase sempre em produtos de acabamento grosseiro. A desculpa do tempo de desenvolvimento pode se aplicar dessa vez? Provavelmente, visto que há um prazo a cumprir — que muito provavelmente é culpa da Pokémon Company — que vai além da capacidade da desenvolvedora. Entretanto, a gente não isenta a empresa e também coloca outras decisões questionáveis na mesa: quem realmente ligava para Little Town Hero (Switch)?
Revisão: Kiefer Kawakami
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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