Análise: Dusk Diver (Switch) parece Bleach, mas ele não é tão ruim quanto a comparação faz parecer

Título produzido por um estúdio de Taiwan consegue ser competente de forma estritamente funcional, mas faltou algo que o fizesse se destacar.

em 10/11/2019
De autoria de Tite Kubo, Bleach é um mangá sobre um adolescente japonês chamado Ichigo Kurosaki. Ele, capaz de ver almas daqueles que se foram, se encontra numa intrincada trama em que se torna um guardião do mundo dos espíritos após roubar, sem querer, os poderes de Rukia Kuchiki, sua antecessora em tal trabalho. Na época de seu lançamento, o enredo foi elogiado por incorporar essa temática espiritual com a contemporaneidade japonesa, mesclando a tradição com a modernidade.


Essa é exatamente a mesma ideia por trás de Dusk Diver (Multi), desenvolvido pelo estúdio JFI Games. Utilizando uma jogabilidade com uma pegada que lembra um pouco o estilo musou, ele evoca a mesma atmosfera de séries como Akiba’s Trip, Yakuza e Persona, bem como Tokyo Mirage Sessions #FE (Wii U) e The World Ends With You (DS), se utilizarmos exemplos mais próximos e familiares aos consoles da Nintendo. Além disso, Dusk Diver chama a atenção por se tratar de um game provindo de Taiwan, Estado soberano da China insular, cujo mercado de desenvolvimento, assim como o da China continental e do resto da Ásia, está aos poucos se abrindo para o ocidente.


Ximending e Youshanding

Assim como Bleach tinha o mundo humano e a Soul Society (onde os espíritos habitavam), Dusk Diver se divide em vários planos de existência: Ximending, Kunlun e a Chaos Dimension. Ximending é um bairro de Taipei, capital de Taiwan, e conhecido por ser um polo comercial que serve de abrigo da contracultura e de diversas tribos urbanas, tal como acontece com o distrito de Shibuya, no Japão. 

Kunlun é a dimensão onde os deuses habitam, enquanto a Chaos Dimension, por sua vez, é onde bestas carregadas de ódio chamadas Phantom surgem. Tanto os Phantom da Chaos Dimension quanto os deuses de Kunlun se sentem atraídos por Ximending, um local cujo vigor serve como ponto de encontro entre a modernidade líquida e a herança cultural de tempos passados.



Dessa forma, é comum que, de tempos em tempos — mais especificamente na hora do rush, ao anoitecer, por conta da energia gerada pela movimentação do local —, essas dimensões se entrecruzem, como um rádio sofrendo interferência, o que permite com que essas entidades acabem atravessando de um plano para o outro. Esse fenômeno, por fim, resulta na formação de uma última realidade que serve como um ponto de convergência entre os três mundos, intitulada Youshanding.

Por conta de certos acontecimentos misteriosos, essa passagem entre as dimensões passou a ficar instável e Yang Yumo, uma garota simples e sem nada a ver com essa história, é arrastada para essa crise enquanto fazia compras com sua melhor amiga, Liu Yusha. Atacada durante um desses momentos de interferência, ela foi socorrida por Leo, um deus-guardião provindo de Kunlun que trabalha disfarçado de humano em uma loja de conveniência local. É aí que Yumo acorda suas habilidades espirituais dormentes e consegue derrotar os Phantoms.



O problema é que, durante esse despertar, Yumo acabou absorvendo os poderes divinos de Leo, que foi confinado à forma de um pequeno e simpático leão enquanto estiver existindo no Youshanding. Por conta disso, cabe à garota assumir esse papel de guardiã de Ximending enquanto as forças do guardião ainda não retornam ao mesmo tempo em que ajuda nos trabalhos da loja de conveniência durante o cotidiano.

A partir daí, Yumo passa a transitar entre Ximending e Youshanding em dois momentos diferentes de jogo, cada um com sua jogabilidade própria. Em Ximending, é possível primariamente trabalhar na relação com os habitantes do distrito. Isso pode ser feito de várias formas: alguns moradores pedem favores no formato de sidequests, enquanto os lojistas acabam se afeiçoando à personagem caso ela se torne uma freguesa recorrente. Também é possível criar laços com outros guardiões que vão sendo introduzidos ao longo da história, como é o caso de Bahet, um Kunlun recém-chegado à Ximending cuja transformação guardiã é um pequeno morcego, e Le Viada, a deusa com status de idol e que tem um peixinho como forma original.

Realizar tais tarefas também rendem a Yumo pedaços de um mineral chamado Dragon Vein Stone Shards. Essas pedras nos ajudam no instante em que uma instabilidade entre mundos ocorre e somos transportados para Youshanding através de uma fenda dimensional. É nesse momento em que a jogabilidade muda e o jogador passa a controlar Yumo em um gameplay de ação com leves traços do estilo musou


Hipnótica repetição com sensação de satisfação

Dusk Diver é dividido por capítulos e cada um deles tem um trecho central que se passa no Youshanding. Sendo ele uma espécie de dimensão espelhada de Ximending, todos os mapas desses estágios são uma adaptação do bairro taiwanês, mas agora com barreiras que determinam o caminho a ser seguido. 

Ao longo de cada fase dentro dessa realidade, Yumo precisa ir abrindo caminho entre os diversos inimigos que surgem aos montes na tela. Para derrotá-los, ela utiliza golpes que, segundo a própria colegial, aprendeu vendo televisão. O problema principal é que ela, aparentemente, só assistiu a um único filme de artes marciais na vida, visto que os combos são extremamente limitados. Os ataques se resumem a combos básicos feitos com golpes fracos em sequência e o golpe forte serve apenas como um finalizador da sequência. Não há alternância entre as duas intensidades de ataque.



Tentando trazer (só) um pouco de variedade, é possível selecionar um dos guardiões e invocá-lo para atacar os oponentes ao custo de uma barrinha de especial. O mesmo medidor também pode ser gasto na utilização de técnicas próprias que fazem a própria Yumo incorporar os poderes dessas divindades amigas. Considerando a interação entre os personagens em batalha, as tarefas realizadas em Ximending melhoram o relacionamento entre eles, o que leva a um aumento da sinergia em Youshanding, resultando no desbloqueio de novas habilidades e no aumento da performance em combate.

Yumo também consegue realizar esquivas que, se feitas no momento certo, retardam o fluxo do tempo tal como o Witch Time de Bayonetta, fazendo com que os oponentes se mexam em câmera lenta por um tempo e abrindo uma janela de oportunidade para desferir os combos contra eles com maior facilidade. Embora tal técnica tenha um tempo de cooldown, ele pode ser diminuído ao melhorar os atributos da garota. Outras características que também podem ser aprimoradas são os próprios combos, a barrinha de vida, a de especial e o D. Arms, uma transformação que Yumo pode utilizar ao liberar temporariamente seu poder oculto — que na prática significa bater com bem mais força do que o normal.



Esse formato de jogabilidade voltado para a ação não chega a ser intenso como realmente poderia, mas ele é dinâmico e ágil o suficiente para ser divertido. Há solidez nos controles, mesmo com pouca variação. Por mais redundante que eles sejam na prática, uma vez que são sempre as mesmas ações, é notável que o level design, por sua vez, apresenta uma fluidez interessante no progresso que segura o jogador até o fim, tal como games no estilo musou, como Dynasty Warriors e seus derivados. Esse aspecto o torna tão repetitivo quanto hipnótico.

Eventualmente, os estágios apresentarão, além dos inimigos comuns genéricos, um chefão ou alguma outra dinâmica que os caracterize de forma individual, como é o caso de um em que Yumo precisa defender uma Dragon Vein Stone antes que ela seja totalmente destruída. Esse tipo de variedade, mesmo que simplista, acaba colaborando para fazer o jogador respirar alguma diversidade.


Muito estilo que poderia ter trabalhado melhor a substância

Aí entramos no principal defeito do título: Dusk Diver é repetitivo demais. Pense que todo estágio em Youshanding é basicamente um trecho diferente e cercado do mapa de Ximending com uma paleta de cores menos diversa e em tons neon. Os inimigos se baseiam apenas em uns cinco tipos diferentes em três variações de cor cada, apenas.

Se tivessem concentrado os esforços para fazer oponentes únicos que atacassem de formas diferentes em vez de apenas trocarem a cor, o game em si acabaria sendo bem mais instigante na hora de impressionar o jogador e cativar o seu interesse através da curiosidade. Em vez disso, o jogo se segura na base da dopamina, neurotransmissor responsável pelo vício e principal responsável por nos fazer continuar jogando de uma forma quase mecânica, como se tivéssemos perdido o controle da nossa vida.



Some essa falta de variedade de inimigos e de cenários à do sistema de combos e o que você tem é um produto precário que, apesar de não trazer uma sensação de incompleto, faz o jogador questionar se o que foi posto em prática nele não poderia ter ido mais além. Isso se aplica até mesmo à história, embora a ambientação geral e o pontapé narrativo sejam empolgantes e imersivos, eles são prejudicados por um final anticlimático — pior, o pós-game não tem sequer um epílogo decentemente explicado que dê uma sensação concisa da conclusão do título.

É claro que esse problema é agravado quando a tradução do jogo é péssima. Por isso, adianta-se desde já que o enredo descrito anteriormente nesta análise pode até conter algumas desinformações e imprecisões por conta da localização de qualidade questionável cujas falhas vão de erros simples de gramática a até mesmo orações inteiras completamente sem sentido.
O Switch, especificamente, também passa por certos empecilhos em relação à performance, dado que o jogo acaba engasgando na taxa de quadros quando a ação em movimento passa muito do ponto — e não se trata apenas de uma simples queda de frames ( em circunstâncias normais ele consegue rodar a estáveis 30 fps), mas daquela travada monstruosa que congela a tela por um segundo inteiro.

Os modelos também apresentam serrilhado e poderiam ser bem mais redondos do que o apresentado no console — o que é uma pena, visto que os personagens são lindos e visualmente carismáticos, algo que se estende a toda direção artística: ela é vibrante, cheia de identidade e um dos pontos que mais chamam a atenção, desses que fazem com que as pessoas parem para conhecer o game.


Como Bleach

Colocados lado a lado, Dusk Diver acaba se assemelhando bastante a Bleach. Ainda não o suficiente para ser um plágio ou sequer referência, mas a atmosfera de ambos os títulos é extremamente relacionável. Costumo dizer que Bleach tem a característica de estar sempre no limiar do quase-incrível, o que também se aplica a Dusk Diver. Há algumas coisas muito interessantes e com potencial em ambos, mas a aplicação prática dessas foi tomada por certa precariedade. Além da sinopse parecida, o final anticlimático marca as duas narrativas — e isso sem falar dos cenários neon sem graça de Youshanding, que nos lembram do pequeno problema que Bleach tinha com os planos de fundo dos quadros do mangá.

Dusk Diver é um desses games com potencial, mas precisa, de verdade, de uma sequência para aprimorar com maior propriedade tudo o que apresenta de bom. É um produto curioso que acaba viciando pelo sistema de combate beat’em up, mas a repetição inerente a ele por causa do estilo proposto, somado à ausência de variedade dos inimigos, cenários e combos, acaba decepcionando um pouco o que poderia ser ainda melhor. Por não se tratar nem de longe de um jogo ruim, a gente acaba se sentindo mais inclinado a torcer pelo sucesso dele e da desenvolvedora para que esses defeitos pontuais sejam sanados no futuro com uma continuação, em vez de simplesmente descartar o título como um caso perdido que será esquecido ao longo do tempo — o que faz com que o saldo geral a respeito de Dusk Diver acabe sendo bem positivo, no final das contas. 

Prós:

  • Jogabilidade bem direta e hipnótica;
  • Ambientação competente;
  • Personagens carismáticos;
  • Direção de arte atrativa. 

Contras

  • Repetitivo por definição;
  • Falta de variedade;
  • Tradução para o inglês de impressão amadora;
  • Problemas de performance no Switch.
Dusk Diver — Switch/PC/PS4 — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Jorge Neto
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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