Análise: Fate/Extella Link (Multi) é um (não-)Musou que sorrateiramente abala as estruturas do gênero

O atraente título baseado na icônica franquia da Type-Moon não foi produzido pela Koei Tecmo, mas consegue reproduzir todas as principais características do estilo com muita maestria e individualidade.

em 30/11/2019
O estilo de jogo musou diz respeito a um modelo de gameplay muito específico de beat’em up em hack and slash que consiste na tomada de territórios inimigos enquanto o personagem, controlado pelo jogador, investe contra as hordas de adversários e vai assumindo o controle das várias áreas de um mapa. Popularizado pela franquia Dynasty Warriors (Shin Sangoku Musou, no Japão), esse modelo de jogo acabou criando uma definição de gênero próprio e bem específica, tal como aconteceu com o souls-like (de Dark Souls) ou mesmo os metroidvania (palavra-valise derivada de Metroid e Castlevania).


Considerando a jogabilidade viciante em uma ambientação de pouco apelo, alguns títulos temáticos e licenciados de outras séries foram sendo produzidos, como é o caso de Hyrule Warriors (Wii U), Fire Emblem Warriors (Switch/3DS), Fist of the North Star: Ken's Rage (Multi), e o vindouro Persona 5 Scramble (PS4/Switch), cujo lançamento está previsto para fevereiro de 2020.



O que todas essas franquias têm em comum é o carisma intrínseco de seus personagens, que muitas vezes são justamente alguns dos principais responsáveis por chamar a atenção do público para suas obras de origem e por levar as suas respectivas tramas adiante. Dessa forma, nada mais justo do que pegar a série Fate/, uma das mais populares do Japão, e encaixá-la nessa modalidade em uma das poucas representações de musou que não foram de responsabilidade da Koei Tecmo, que geralmente monopoliza o gênero por ser a principal responsável por sua concepção.

Fate/, é um projeto multiplataforma desenvolvido pela companhia de mídia Type-Moon. Seu universo diferenciado conta a história de magos capazes de invocar servos, espíritos heroicos do passado — quase sempre romantizados para fins narrativos, como recebendo fortes personalidades fictícias e até mesmo uma inversão de gênero, como é o caso do Rei Arthur, conhecido como Artoria — que servem como os principais soldados na linha de frente das chamadas Guerras do Graal, artefato conhecido da mitologia cristã e que, na série, é responsável por garantir um desejo ao eventual vencedor do conflito. Surgido inicialmente com a visual novel Fate/Stay Night (PC), a série hoje se espalha por outros games, séries e filmes animados, mangás e livros e em diversas linhas cronológicas, como é o caso de Fate/Extra (PSP), que se passa em uma ramificação narrativa própria.



Nessa linha paralela, os Magos não têm mana própria para invocar seus servos e dependem de um sistema computadorizado independente — o SE.RA.PH — que dita as leis daquele universo — totalmente artificial, chamado Moon Cell — e é o principal responsável por permitir a invocação dos espíritos heroicos e a realização dos combates entre eles. É nela que também se passa Fate/Extella Link (Multi).

Após os acontecimentos do jogo anterior, Fate/Extella: The Umbral Star (Multi), o protagonista, Hakuno Kishinami, se encontra em um mundo de paz ao lado de seus servos: Nero Cláudio, uma versão romantizada e feminina do imperador romano conhecido pela anedota de que teria sido ele o responsável por atear fogo na própria capital do império; Tamamo no Mae, um espírito de raposa conhecido por possuir concubinas de imperadores no intuito de manipular e corromper suas ideias; e Altera, representação da criança que um dia foi Átila, o Huno — que aqui também trata-se de uma mulher.



Em um dia como outro qualquer, Hakuno é atacado por soldados digitais.
Charlemagne — conhecido em português como Carlos Magno — surge do nada para o resgate, mas infelizmente não consegue evitar o sequestro de Altera. O enredo, então, acaba tendo continuidade com uma busca para esclarecer as motivações por trás do misterioso sumiço de Altera e com o imperador do Sacro Império Romano-Germânico se aproximando cada vez mais tanto do personagem jogável quanto dos outros servos.

Como é de praxe para as traduções de qualquer série já tradicional para o gênero musou, diversas mudanças foram implementadas na jogabilidade para adaptar as mecânicas características da IP original nesse novo formato. Fate/Extella já faz isso ao apresentar um enredo na forma de uma visual novel que pode se expandir para uma variedade de finais diferentes, dependendo das escolhas de cada jogador — que poderiam ser bem mais elaboradas, mas considerando que o foco aqui é o combate, até valeu a tentativa.



Durante as batalhas, o tal estilo musou da Koei Tecmo é perfeitamente reproduzido em detalhes como os combos compostos por dois botões de ataque, o estado especial em que o personagem recebe um aumento momentâneo de poder e a estrutura básica que exige a captura das diferentes seções do mapa sem deixar que o oponente faça o mesmo. A diferença é que aqui foram implementados novos golpes especiais e um outro ataque supremo chamado Fantasma Nobre, especial de cada espírito heroico, que é capaz de virtualmente limpar imediatamente todos os inimigos da área e pode ser usado quando a sua barrinha correspondente acaba se enchendo. Também há o modo Link, que pode ser ativado quando há aliados na mesma seção que o jogador e rendem poderosos ataques combinados.

O que mais chama a atenção em Fate/Extella Link, mesmo que não seja seu principal atributo de divulgação, é a agilidade em relação a vários outros representantes do gênero. Isso acontece porque enquanto no caso dos demais, as seções eram ligadas por largos e compridos corredores que precisavam ser percorridos e tomavam muito do tempo de jogo. Agora, o transporte entre tais áreas pode ser feito de automaticamente por conta do próprio mundo e da atmosfera do jogo, que servem como justificativa para a implementação desse modelo. Tal mudança simples pode acabar chamando a atenção de um veterano na série Warriors que não tenha o menor interesse em Fate/ por conta da jogabilidade bem mais direta que o formato musou assume.



É claro que reproduzir o gênero de maneira tão fiel também significa trazer seus defeitos recorrentes. Mesmo com mais de vinte personagens disponíveis, cada um com um estilo de jogo diferente, a jogabilidade ainda é refém da repetição. Tudo se resume a fechar as fases (às vezes, mais de uma vez) para evoluir os servos e colecionar equipáveis capazes de melhorar seus atributos no simples intuito de enfrentar outros estágios que exigem cada vez mais poder bruto dos personagens.

Embora seja um prato cheio para os viciados nesse tipo de pancadaria — visto que além dos vinte e sete estágios do modo história (que apesar de ser bem mais elaborada para os jogos do estilo, que normalmente só trazem algumas justificativas baratas para o conflito, mas que aqui ainda fica aquém em relação às da própria série Fate/) há outros quarenta cenários diferentes com dificuldade escalonada no modo Extra Battle  —, acaba cansando aqueles que se entediam com mais facilidade. Isso é um problema generalizado ao formato, que está preso numa espécie de limbo, visto que um eventual título que promovesse mudanças mais profundas em sua coluna vertebral até poderia sanar essa questão, mas também acabaria fugindo desse gênero tão específico para se tornar outra coisa.



Talvez o caminho a se seguir seja justamente o de trazer fãs de outras franquias com esses produtos licenciados. Afinal, ainda que o estilo musou seja tão característico, vários de seus atributos clássicos podem ser pontualmente modificados em prol de uma jogabilidade mais qualificada que faça jus à série de terceiros que ele irá representar — como é o caso dos corredores ausentes de Fate/Extella Link. A qualidade cada vez melhor dos games que seguem essa linha Warriors de ser acaba pesando a favor dessa ideia no sentido de que o fã saberá que tal tipo de adaptação não se trata de um caça-níquel fajuto (como o próprio Ken’s Rage, por exemplo). E olha que Fate/Extella Link nem é produzido pela Koei Tecmo para ser considerado um musou, de fato, mas suas características inerentes foram reproduzidas com tamanha maestria que é melhor que seja considerado assim para o bem de todo um gênero.

Prós

  • Combates frenéticos e jogabilidade ágil;
  • Ampla variedade de personagens controláveis e estágios de jogo;
  • Bela adaptação das características da série Fate/ no gênero musou;
  • Apresentação gráfica bem atraente.

Contras

  • História muito aquém do que a franquia original já produziu;
  • Problemas pontuais de câmera e de trava de mira;
  • Logo torna-se repetitivo para os que não comprarem a ideia de repetição que é inerente ao estilo.
Fate/Extella Link - Switch/PS4/PC - Nota 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia física adquirida pelo próprio redator

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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