Os assinantes do serviço online do Switch agora têm à disposição uma biblioteca recheada de títulos originalmente lançados para o SNES. É a oportunidade de conhecer ou revisitar alguns dos clássicos que foram responsáveis pelo imenso sucesso da plataforma de 16-
bits da Big N. Para melhorar ainda mais sua experiência com esses games, o
Nintendo Blast está preparando uma série de matérias com detalhes e curiosidades sobre cada um dos jogos presentes no catálogo. Hoje é o dia de falarmos de
Super Mario Kart.
Na semana passada,
Mario Kart Tour chegou aos dispositivos móveis e, em 24 horas,
bateu recordes, alcançando mais de 20 milhões de downloads, tornando-se o aplicativo com a melhor estreia da história. É um número impressionante mas, quando o assunto é Mario Kart, sucesso já é algo esperado.
A série de corrida do Reino dos Cogumelos é considerada uma das mais importantes dos games, com mais de 138 milhões de cópias vendidas durante seus 27 anos de vida. De jogadores
hardcore a casuais, muitos estão familiarizados com seu
gameplay caótico, cheio de cascos e bananas voando por todos os lados da pista de corrida. Devido a essa popularidade, é difícil imaginar que já houve tempos em que o próprio conceito de Mario Kart não existia.
A responsabilidade de apresentar a franquia ao mundo caiu nas mãos de Super Mario Kart. Lançado em 1992 para SNES, o game estabeleceu a base não só para os demais títulos da série, mas para muitos outros jogos que até hoje se inspiram em suas mecânicas. E pensar que tudo isso nasceu de uma limitação de
hardware.
Uma sequência de F-ZERO?
As primeiras ideias e experimentações daquilo que eventualmente se tornaria Super Mario Kart começaram a circular dentro da Nintendo na primavera de 1990. A equipe de produção do game contou com somente oito pessoas, entre elas o produtor Shigeru Miyamoto e os diretores Hideki Konno e Tadashi Sugiyama.
|
A equipe de desenvolvimento de Super Mario Kart. |
Em entrevista concedida à época do lançamento do
Super NES Classic Edition, os dois diretores revelaram que a proposta inicial designada por Miyamoto era que produzissem uma versão de
F-ZERO para dois jogadores. O jogo de corrida futurista, que foi lançado junto com o SNES, tinha apenas modos para um jogador, apesar de o console ser compatível com dois controles. Então, uma sequência
multiplayer era o caminho lógico a seguir. Porém, a equipe encontrou problemas nesse pedido.
Segundo Konno e Sugiyama, como os carros de F-ZERO correm a centenas de quilômetros por hora, as pistas do game foram desenhadas com grandes trechos de linha reta para que o jogador sentisse essa velocidade. Mas, na hora de dividir a tela para dois corredores simultâneos, o
hardware do console não conseguia processar duas pistas compridas ao mesmo tempo sem comprometer a performance do jogo. Assim, os desenvolvedores tiveram que abandonar a ideia de um novo F-ZERO e ir por um outro caminho.
|
O circuito Mute City de F-ZERO e suas linhas retas intermináveis. |
Curvas e karts
Para fazer com que o game rodasse no SNES sem problemas, os designers criaram pistas com muitas curvas, tornando-as mais compactas e fáceis de serem encaixadas em um quadrado, ocupando menos memória. Com esse novo level design, as naves ultra rápidas de F-ZERO não eram mais adequadas e os desenvolvedores as trocaram por veículos mais lentos, capazes de lidar com essas curvas: karts.
|
Essa imagem no manual de Super Mario Kart mostra como as pistas encaixam-se em um quadrado devido às suas curvas. |
A escolha por karts surgiu não só dessa necessidade técnica. A vontade de Miyamoto, assim como revelou em entrevista publicada no guia oficial do jogo, era criar um game em que os jogadores pudessem se divertir como se estivessem dirigindo veículos em um parque de diversões. Coincidentemente, corridas de kart tornaram-se populares na época, com grandes nomes do automobilismo, como Ayrton Senna, praticando a modalidade.
Dessa forma, a produção do game focou-se em corridas de kart. Para compreender as peculiaridades de se pilotar esse veículo, a equipe chegou a participar de disputas no resort recreacional Nemu no Sato. Isso ajudou os desenvolvedores a entenderem as forças que atuam sobre o kart em movimento, além do processo de derrapagem, para que pudessem reproduzi-las no jogo.
De personagens genéricos a Super Mario
No início do desenvolvimento, os pilotos que controlavam os karts eram bem diferentes de Mario e companhia. Os diretores dizem que, antes de usarem os personagens do Reino dos Cogumelos, os corredores eram homens com macacões e capacetes, cada um com uma cor diferente e latas de óleo para fazer os competidores escorregarem. Ainda que fossem personagens originais, era muito difícil distinguí-los, principalmente de costas, que era o ponto de vista que seria mais visto pelo jogador. Logo, foi necessário utilizar algo que fosse facilmente reconhecível pelas pessoas.
A solução foi substituir os oito homens por oito personagens da série Super Mario: Mario, Luigi, Peach, Yoshi, Bowser, Donkey Kong Jr., Koopa Troopa e Toad. Cada um foi escolhido justamente pela facilidade de serem identificados de costas. A partir de então, o título tornou-se oficialmente um jogo no universo de Mario.
|
Os personagens de Super Mario Kart. Cada um tem atributos diferentes, como aceleração mais rápida ou maior limite de velocidade. |
Um elemento que foi adaptado com essa mudança foi a lata de óleo. O item não combinava bem com o mundo de Mario, então foi removido e outra coisa tão escorregadia quanto foi colocada no seu lugar: uma casca de banana, em referência a Donkey Kong Jr.. Foi o início da criação do sistema de itens, que podem ajudar o jogador a virar a corrida.
Conforme a necessidade dos produtores, um objeto dos games principais de Mario era escolhido como item. Para atingir os oponentes à frente, nada mais óbvio que os cascos de Koopa Troopa. Para fazer o kart ficar invencível, a Superestrela. Assim foi feito com cada um dos nove itens do jogo.
|
Os itens que podem ser usados pelo jogador durante as corridas. No Battle Mode, ainda há um Boo que rouba itens do adversário e torna o jogador invisível. |
Miyamoto afirma que esse sistema é um dos grandes responsáveis pela intensidade do game, já que nunca se sabe o efeito que os itens podem provocar na disputa, causando uma divertida tensão. Em certo ponto do desenvolvimento, até foi considerado deixar o jogador escolher jogar sem itens, mas a equipe confiou em seu trabalho de balanceamento, entregando itens mais ofensivos a pilotos nas últimas posições e mais defensivos àqueles na pole position.
Experimentando o game
Hoje, mais de 20 anos depois de todo esse desenvolvimento, jogar Super Mario Kart passa a sensação de se estar olhando através de uma janela para um passado em que tudo aquilo que consideramos regra em Mario Kart ainda não estava totalmente definido. O game traz mecânicas que se tornaram padrão em lançamentos futuros, mas também difere em muitos pontos que foram aprimorados com o passar do tempo.
Os modos são divididos em desafios para um ou dois jogadores. Mesmo com o foco no
multiplayer, os
designers fizeram questão de garantir que o
single player fosse divertido de se jogar, obrigando que ninguém do time testasse o game jogando com outra pessoa.
|
Corridas single player também têm a tela dividida em duas, com uma metade mostrando o mapa. Sinal de como o jogo foi criado com multiplayer na cabeça. |
Sozinho, é possível experimentar o
Mario Kart GP — uma série de campeonatos em que o objetivo é ganhar o troféu de primeiro lugar — e o
Time Trial, uma corrida contra o relógio em busca do melhor tempo. Com dois jogadores, estão disponíveis, além do Mario Kart GP, corridas individuais e o
Battle Mode, que será detalhado mais à frente. Todos esses modos estão presentes na série até hoje.
O que salta aos olhos logo na introdução da primeira corrida é o uso de efeitos para simular uma pista em três dimensões. Usando o modo gráfico
Mode 7, presente em outros jogos como
Pilotwings e o próprio F-ZERO, os
assets que representam a pista ficam em uma camada de plano de fundo, podendo ser rotacionada, aumentada e diminuída, dando a impressão de profundidade. Cada
sprite dos personagens e obstáculos possui versões em diversos tamanhos, que aumentam e diminuem conforme a proximidade. Esse efeito foi o que permitiu que Mario Kart tivesse sua câmera característica, posicionada atrás do piloto, em terceira pessoa.
|
A sensação de tridimensionalidade é alcançada com sucesso. |
Quando começa-se a correr, no entanto, nota-se algumas diferenças em relação a edições mais contemporâneas da franquia. O número de corridas por campeonato, por exemplo, é maior, sendo cinco disputas ao invés de quatro. O mesmo acontece com o número de voltas por corrida, que são cinco no SNES ao invés de três em grande parte dos outros consoles.
Tais mudanças não alteram tanto o
gameplay quanto a maneira de se conseguir os itens. Atualmente, temos caixas que, ao serem atravessadas pelos karts, liberam um item e são quase instantaneamente recolocadas. Em Super Mario Kart, é preciso passar sobre um painel na pista, que é desativado depois do item ser recebido. Isso significa que as possibilidades de atacar e se defender ficam cada vez menores a cada volta. A quantidade de painéis e seus posicionamentos são bons o suficiente para evitar a escassez de itens no final da corrida, mas é preciso ter estratégia e ficar atento para não acabar com as mãos abanando.
|
Os painéis de itens. Não deixe de passar sobre um a cada volta. |
Corrida x Plataforma
O ponto que torna Super Mario Kart realmente diferente é sua maior inspiração nas aventuras de plataforma de Mario, em especial Super Mario World. Não só as pistas possuem identidades visuais baseadas em fases do game clássico, mas algumas características do seu
gameplay fazem referência a ele.
Entre os exemplos disso, estão as moedas espalhadas pela pista, que devem ser coletadas para tornar o kart mais rápido e resistente; alguns atalhos que só são acessíveis usando o item Pena, que faz o kart dar um pulo bem alto, podendo até desviar de obstáculos; e a presença de vidas no Mario Kart GP: se o corredor ficar abaixo do quarto lugar na corrida, ele perde uma vida e, se chegar a zero vidas, é
game over.
|
Coletar moedas é importante, pois cada batida, seja em um item ou em um adversário, tira moedas do seu contador. Bater sem ter moedas significa fazer o kart girar. |
Esses elementos, apesar de serem mais fiéis à linha principal de títulos Super Mario, acabam deixando o game bem mais difícil no modo GP. Ter que administrar moedas, itens e vidas, enquanto se tenta ultrapassar os oponentes em pistas estreitas e cheias de curvas, pode ser muita coisa de uma única vez, principalmente nas dificuldades maiores.
Itens, para que lhes quero?
O aspecto que faz o jogo ser especialmente desafiador são os itens exclusivos que os pilotos controlados pelo CPU utilizam nas corridas. Ao invés de usarem os painéis, cada personagem possui um item único que pode ser usado a qualquer momento. Mario e Luigi tornam-se invencíveis; Peach e Toad lançam um cogumelo que torna o jogador pequeno e passível de ser esmagado; e Yoshi, Bowser, Donkey Kong Jr. e Koopa Troppa deixam itens na pista que fazem os karts girarem: um ovo, uma bola de fogo, uma casca de banana e um casco de Koopa Troopa, respectivamente.
Itens exclusivos para cada personagem não são algo restrito a Super Mario Kart. Outros games da franquia, como
Mario Kart: Double Dash e até Mario Kart Tour, também utilizam essa mecânica. Porém, em ambos, esses itens são recebidos por meio das caixas de itens comuns. O fato de o CPU do SNES ter um arsenal ilimitado de itens que podem ser usados indiscriminadamente faz com que todos os momentos sejam repletos de aflição. Afinal, quando menos se espera, o concorrente pode usar seu item e estragar uma corrida perfeita. E, devido às pistas sinuosas, é complicado recuperar posições com Cogumelos ou Superestrelas.
|
Esse cogumelo é exclusivo da Peach e do Toad controlados pelo CPU. Nem sonhe em usá-los, pois não tem como. |
A sensação que fica é que os itens regulares não são páreo para aqueles específicos aos CPUs. Com a quantidade de curvas, é complicado acertar um casco no piloto da frente e é bem comum ver o computador desviar de bananas saltando sobre elas. Isso, junto com o “efeito elástico” que o game possui — colocando um adversário sempre na sua cola independentemente do que acontece na corrida —, faz com que o título premie somente aqueles que têm muita habilidade no volante virtual. Todas as características de
party game tão comuns à série nos dias de hoje ficam em segundo plano. A não ser que estejamos falando de corridas individuais e do Battle Mode.
Caos divertido
Quando tiramos os personagens controlados pelo
software da jogada, o game tem muito mais a cara dos Mario Karts atuais. Nas corridas individuais
multiplayer, só há os dois jogadores humanos na pista. Então, ambos estão no mesmo nível, usando os mesmos itens após dirigirem sobre os mesmos painéis. Dessa forma, a disputa fica mais justa e é mais fácil de perceber como o uso dos itens interfere na performance do outro corredor.
Porém, o modo que brilha é o Battle. Nele, dois personagens se enfrentam em uma arena cheia de itens, com o objetivo de estourar os três balões do oponente primeiro. Jogar esse modo acaba se tornando uma brincadeira de gato e rato em que rapidamente muda-se da caça para o caçador. Por serem mapas mais amplos, há um controle maior ao se usar os cascos, Cogumelos e Superestrelas. Além disso, itens como a Pena, que tem pouco uso nas corridas, aqui são essenciais para pular sobre paredes e atrapalhar o inimigo.
|
Pegue-me se for capaz! |
A energia que o Battle Mode possui é similar ao caos divertido que a franquia tem hoje em dia. Pode-se dizer que é um modo precursor daquilo que a série viria a ser. É interessante notar que ele foi uma das primeiras coisas a serem completadas no início do desenvolvimento do jogo. Segundo Miyamoto e os diretores, a equipe deu atenção especial ao modo, pois o fato de não ter nada a ver com corridas trouxe a sensação de veículos de parque de diversões que eles queriam.
Legado para o futuro
Apesar de não ser necessariamente o game mais polido da série,
Super Mario Kart é um título importantíssimo na história dos games. Basicamente, ele criou sozinho o subgênero de corrida entre mascotes. Se hoje temos games como
Crash Team Racing,
Team Sonic Racing, ou até os mais obscuros, como
Nickelodeon Kart Racers, é porque Super Mario Kart criou os alicerces nos quais esses e outros títulos se apoiam.
Sim, tem horas em que dá vontade de jogar o controle contra a parede, principalmente quando o CPU usa seu item exclusivo pela enésima vez na última volta, arremessando o jogador para a última posição. O game pode até ser injusto em alguns momentos, mas, olhando em retrospecto, isso não é necessariamente um problema. Como dito acima, jogá-lo é olhar para uma época em que as regras de Mario Kart não estavam definidas. E é muito mais interessante reparar como as mecânicas deste primeiro jogo influenciaram suas sequências e foram aprimoradas.
As sugestões que ficam são: chame seus amigos para uma noite de corridas e batalhas
multiplayer e tenha perseverança nos campeonatos para um jogador. Acredite: é uma boa experiência para entender melhor os games de que gostamos atualmente.
Confira, logo abaixo, outras matérias dos jogos que integram o catálogo do Super Nintendo no Switch Online.
Revisão: Kiefer Kawakami