Análise: Overland (Switch) — Uma jornada apocalíptica

Tente sobreviver em um mundo inóspito e desesperador.

em 30/09/2019


Overland é um jogo publicado pela Finji que apresenta uma perspectiva próxima do que já vimos muitas vezes em filmes e livros que tratam de um mundo pós-apocalíptico. Sem conhecer os motivos, nos vemos aqui em uma situação desesperadora, com poucos recursos e envolvidos em uma longa viagem, cheia de perigos e decisões difíceis. E assim, a aventura começa.

Road Trip

Overland é, essencialmente, um jogo de travessia. Neste game em turnos é necessário coletar recursos, reunir uma equipe e enfrentar criaturas sobrenaturais na luta pela sobrevivência. A primeira coisa que me chamou atenção quando comecei a partida é a utilização inteligente da ideia do diorama. O título se divide em uma introdução e sete etapas de viagem. Cada uma dessas etapas apresenta um número específico de fases que são geradas de maneira aleatória. Ou seja, ao repetir um determinado estágio, você encontrará outros desafios, recursos e até mesmo personagens diferentes. Cada fase é apresentada ao jogador como um pequeno mundo tridimensional com um número bem limitado de ações disponíveis. Esses dioramas são muito bonitos e, a princípio, interessantes de se explorar. No entanto, o jogo não favorece essa exploração como deveria.


No Switch não há nenhuma introdução aos controles para além do básico. Muitas coisas que se pode fazer só são descobertas depois de muitos erros, o que acaba frustrando o jogador e tornando o processo de perder ainda mais penoso. Por exemplo, durante as partidas possuímos uma quantidade limitada de movimentos, e alternamos as ações com as dos inimigos. No entanto, ao convidar alguém para a sua viagem (pode ser um humano ou cachorro), possuímos mais turnos de ação. Mas isso não fica claro o suficiente, e é possível que alguém desperdice algumas oportunidades até aprender a movimentação correta. Outro erro recorrente que cometi foi entrar no carro e imediatamente ligar a ignição. Isso era problemático, porque o som carro atrai os monstros e dificulta o processo de escapar da área. Só depois entendi que posso entrar no veículo sem ligá-lo, o que me poupou muitos problemas. Enfim, esses são alguns exemplos, e nem todos os jogadores terão as mesmas dificuldades, mas acho importante pontuar que a ausência de um tutorial prejudica a experiência do usuário.

Sobre as fases, vale dizer que depois de passar por uma delas, não é preciso jogá-la novamente. Ao iniciar uma nova partida, você poderá ir para a etapa seguinte no mapa. E isso é um alívio, já que elas são incrivelmente difíceis e desbalanceadas.


Um mundo sem esperanças

Falar sobre a dificuldade de um jogo é sempre algo difícil. Afinal, essa pode ser a experiência que os desenvolvedores propõem e não necessariamente um problema no game. Não acho que esse é o caso aqui. Overland é realmente desbalanceado. Em algumas partidas teremos um carro à disposição, gasolina e recursos suficientes para escapar sem muito esforço. Em outras, a quantidade de inimigos será gigantesca e a escassez de itens nos levará a uma morte certa. É realmente frustrante reiniciar e sentir que o seu sucesso depende menos da sua capacidade de entender as mecânicas e dominar as estratégias, e mais dessa aleatoriedade na organização dos estágios.

Isso não significa que não se possa aprender nada com as ações e utilizar esse conhecimento para tomar melhores decisões. Mas isso acontece com menos frequência do que deveria. Um agravante aqui é a má utilização de elementos básicos do game, como a interface do jogo, os controles e a câmera. Como comentei anteriormente, os controles não são claros o suficiente. No entanto, pior do que isso é o fato de que não há uma sinalização dos locais em que é possível buscar itens ou alguma indicação do que se pode coletar durante as fases. Além disso, ao pegar um novo objeto, é difícil identificar para quê ele pode ser utilizado. E como cada personagem, principalmente no início, carrega um número limitado de coisas, não saber se determinado recurso é importante gera um prejuízo enorme. No que se refere à câmera, a impressão que passa é que ela é mal posicionada. Não é possível fazê-la se mover em todas as direções, e alguns cantos do cenário ficam escondidos. O único meio de contornar isso é acionar o modo de fotografia e, aí assim, girar para todos os lados e direções que quiser. Não dá para entender porque os desenvolvedores não incluíram essa funcionalidade dentro do ritmo natural das partidas.


Ode ao egoísmo

Algo bacana em Overland é o fato de que o jogo oferece um pequeno background dos personagens: quem eles eram antes do mundo se tornar o que é, o que gostavam de fazer, características de suas personalidades etc. A princípio, imaginei que isso poderia ser desenvolvido, mas como se trata de um roguelike, é impossível atrelar os personagens à narrativa. No entanto, o que me pareceu realmente problemático foi o fato de que não há incentivo a essa conexão entre essas pessoas. Claro, jogamos com todos eles ao mesmo tempo, mas em alguns momentos, o game praticamente nos obriga a escolher alguém e deixar os outros pra trás. Sim, talvez isso tenha a ver com a tentativa dos desenvolvedores de nos colocarem em situações de escolhas realmente difíceis. Contudo, o gosto amargo desse tipo de ação não favorece o jogo, pelo contrário.

O mesmo pode ser dito sobre a exploração. Procurar itens durante os estágios pode ser desastroso. Depois de determinado tempo, independentemente do que se faça, os monstros irão nos notar, e o caminho para sair do cenário será tortuoso, senão impossível. Na maior parte do tempo, parece mais vantajoso apenas buscar o necessário e ir embora.



Overland tem uma ótima proposta, e faz um bom trabalho de ambientação. Apesar dos problemas, a sensação que fica — e isso é difícil de explicar — é a vontade de jogar mais uma vez. No entanto, a falta de balanceamento e a ausência de uma interface mais agradável acabam eventualmente eliminando esse desejo de insistir. As falhas são pequenas, e eventualmente poderiam ser corrigidas pelos desenvolvedores. Mas, hoje, Overland é um misto de frustração e encanto. Algo tão inexplicável quanto o próprio mundo que o título retrata.

Prós

  • Clima de tensão constante;
  • Gráficos e trilha sonora muito bem acabados;
  • Possibilidade de avançar por estágios sempre precisar reiniciar toda a viagem.

Contras

  • Câmera deslocada e pouco funcional;
  • Jogo desbalanceado, penalizando demais o jogador;
  • Partidas repetitivas, apesar da inserção de elementos novos.
Overland — Switch — Nota: 7.0
Overland está disponível na Loja Nintendo
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo
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Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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