Análise: Grandia HD Collection (Switch) — duas pérolas ocultas, duas jornadas inesquecíveis

Pacote traz de volta aos consoles duas aventuras imperdíveis para os fãs de um bom JRPG.

em 11/09/2019

Meu primeiro contato com Grandia (PS) se deu durante a minha infância. Um parente muito bem intencionado me presenteou com o jogo, fazendo a alegria daquele moleque que finalmente realizava o sonho do PlayStation próprio. O presente em si, provavelmente comprado às escuras, tinha tudo para ter sido um grande acerto — o moleque em questão em breve se tornaria um fã inverterado dos JRPGs. No entanto, um percalço extra se ocultava naquela caixinha tão simpática contendo dois lindos discos. O jogo estava em japonês.

Mesmo sem entender patavinas e tendo que me virar na base da tentativa-e-erro para tentar arrancar algum sofrido progresso da aventura, posso dizer que o jogo me deixou uma forte impressão. A arte expressiva, os personagens extravagantes, a trilha sonora feliz e animada, o combate acelerado (e cheio de opções incompreensíveis) — tudo aquilo parecia imensamente cativante, dando aquela sensação de nos convidar à exploração que todo grande jogo traz.

Anos mais tarde, felizmente, eu teria a oportunidade de experienciar toda a aventura de forma mais compreensiva, e constatar que felizmente a impressão positiva não fora ilusão alguma. Embora possa ser considerado um nome relativamente conhecido, principalmente entre o pessoal que aprecia os RPGs dessa época, é certo que a franquia careceu de maior visibilidade e, com o tempo, se tornou uma dessas "pérolas ocultas" do final dos anos 90 e começo dos anos 2000.

Finalmente fazendo justiça aos dois primeiros jogos da saga, Grandia HD Collection chegou recentemente ao Switch com a promessa de revitalizar essas pérolas ocultas de uma geração já distante, oferecendo Grandia pela primeira vez totalmente remasterizado em alta definição, e uma versão ainda mais retrabalhada do port de aniversário de Grandia II (Multi). Será que o pacote é a edição definitiva que a série merece, e com a qual sonham os seus entusiastas? Confira conosco!


Grandia: um garoto, um conto de aventura

Lançado originalmente para o Sega Saturn em 1997, o primeiro Grandia só chegaria ao Ocidente através de seu port para o PlayStation, já em 1999. O projeto da Game Arts, veterana dos ARPGs graças a série Lunar, visava ser uma resposta à altura ao gigante Final Fantasy VII (Multi), ainda que tenha chegado aos jogadores do Ocidente um Final Fantasy mais tarde do que o esperado.

Mesclando uma narrativa extensa e muito bem compassada com um sistema de batalhas por turnos complexo e refinado, a aventura pode não necessariamente superar o concorrente da Squaresoft, mas é certo que acabou por se provar um dos grandes títulos do subgênero na geração 32-bits, merecendo certamente ficar lado-a-lado com o respeitado rival. Mas qual seria o segredo desse sucesso?

32-bits HD

Estruturado em cima das principais capacidades e limitações do hardware do Saturn, o projeto gráfico do jogo original mistura habilmente 2D e 3D, apresentando um mundo extensivo em perspectiva isométrica e com controle livre de câmera. A remasterização da coletânea consegue trabalhar muito bem a identidade visual do título original, transpondo os cenários isométricos tridimensionais de forma totalmente fluida para o aspecto widescreen.

O trabalho de remasterização das texturas complementa a iniciativa perfeitamente, dando mais vida e nitidez a todos os cenários, em especial a alguns que sofriam de cores mais "lavadas" nas versões originais. O resultado final impressiona, tanto no modo portátil quanto no docked. O trabalho merece todo o crédito por transpor a ambientação do game para um formato em alta definição, porém sem deixar de conservar todo seu charme característico. Se felizmente estamos entrando na era do saudosismo 32-bits, esse é um dos exemplos de como fazê-lo muito bem!



Enquanto os cenários e a interface de usuário (toda refeita em alta definição) devem agradar bastante o jogador nostálgico pelo título original, a escolha da equipe de remasterização em relação aos sprites deve, no mínimo, levantar algumas sobrancelhas. A opção dos desenvolvedores foi aplicar filtros de alta definição, daqueles que trabalham convertendo sprites em batch, borrando cores e aplicando duplicatas para obter nitidez —  muitas vezes ao custo dos detalhes mais finos do trabalho original.

Mesmo eu, que não sou nada purista em relação a essas coisas, fiquei desconfiado de início em relação a ideia. Felizmente, o resultado final funciona muito bem. Muito longe do desastre visto nas "remasterizações" recentes de Final Fantasy V (Multi) e Final Fantasy VI (Multi), por exemplo, o trabalho aqui é respeitoso e cuidadoso em relação aos sprites originais, não sacrificando muito de seu charme e combinando com a unidade visual do jogo.


Ajuda bastante que as animações sejam simplesmente sensacionais. Tomando a versão do Saturn como base, a equipe de desenvolvimento se preocupou em resgatar a qualidade das animações em 2D do console da Sega —  superiores ao que o PlayStation era capaz de fazer no quesito, conforme os jogadores de games de luta da época bem devem se lembrar.

O cuidado é aparente e dá resultado: uma vez aceita a transformação dos visuais, é possível afirmar que o jogo nunca foi tão bonito como nessa versão. Tanto monstros quanto personagens são muito bem detalhados, e as animações coloridas e expressivas fluem perfeitamente. No entanto, puristas certamente poderão torcer o nariz para os filtros "forçados" sobre os sprites —  uma opção para habilitá-los ou não poderia fazer toda a diferença para essa fatia do público, e seria mais do que bem-vinda como parte de uma edição definitiva do título de qualquer forma.



Na frente sonora o trabalho de remasterização torna a ter sucesso: tanto as músicas quanto a dublagem soam muito mais limpas do que no lançamento original. Embora o trabalho de voz não seja dos melhores (mas pelo menos tem lá o seu charme trash), a opção para trocar as vozes para o original em japonês é uma adição bem-vinda como extra para a coletânea (e me propiciou matar a saudade de meu primeiro contato com a saga!).

Porém o que realmente interessa na parte sonora são as músicas. A trilha sonora, composta por Noriyuki Iwadare, é simplesmente sensacional, mesclando temas fantásticos que lembram os ares dos JRPGs da era 16-bits com batidas eletrônicas de acid jazz e até mesmo alguns inesperados ritmos latinos. Cheia de carisma, a trilha sonora complementa os visuais e a narrativa perfeitamente, e fecha muito bem o que acaba sendo, na minha opinião, a apresentação audiovisual definitiva do título.

A jornada do herói

Ao invés de embarcar em um modelo mais cinematográfico e no exame de figuras mais dramáticas, como se tornaria em breve a tendência para o subgênero, a trama de Grandia retorna aos arquétipos mais básicos do gênero: um estudo do seu enredo pode servir pra ilustrar perfeitamente a Jornada do Herói de Joseph Campbell.

Nosso protagonista, Justin, é um garoto sonhador que vive na pacata cidade portuária de Parm. Ao lado da melhor amiga e fiel escudeira Sue, ele passa seus dias a imaginar a vida de um Aventureiro e a exploração do Novo Mundo, partindo em caçadas imaginativas pelas ruas da cidade e passando tardes inteiras no museu, apreciando os artefatos da civilização arcaica e misteriosa dos Angelou.



Por uma série de acasos, acompanhamos a dupla conforme ela vai se envolvendo em uma aventura que começa como brincadeira e vai ficando cada vez mais real, com seus caminhos cruzando fatidicamente com os planos misteriosos do Exército de Garlyle, e os levando a finalmente conhecer e se aventurar pelo que há para além do oceano, literalmente até os confins do mundo conhecido.

O primeiro Grandia investe em uma estrutura narrativa mais compassada e (relativamente) alinear. Tomando seu tempo em um ato inaugural mais alongado, a introdução de Justin e Sue não poderia ser mais eficiente. Acompanhamos nossos protagonistas em sua vida de aventuras de mentirinha em Parm, de forma que quando partem em sua viagem, já nos sentimentos bastante familarizados com eles, de maneira a experienciar os novos personagens que aparecem sob sua perspectiva única.



Se é verdade que o arquétipo do jovem pueril e aventureiro pode ser considerado um clichê, raramente ele é tão bem explorado e realizado como com Justin e Sue. Justin, em especial, é a encarnação perfeita do arquétipo do herói pueril e inexperiente que se define pelo seu próprio senso de justiça e atitude positiva tanto quanto por sua jornada extraordinária em si. Há algo de brilhante na execução do personagem, que inclusive me faz lamentar pelas opções (respeitáveis na visão dos respectivos criadores, claro!) das séries Dragon Quest e The Legend of Zelda, que costumam trazer aventuras nessa toada, em nos colocar na pele de protagonistas silenciosos.

Isso porque nossa dupla principal de protagonistas apresenta uma perspectiva única muito divertida e envolvente, dando o tom da jornada de forma cativante. Com ares de um bom mangá de aventura, a história envolve o jogador do início ao fim, contando com o reforço de um notável elenco de personagens de apoio, que vai acrescentando camadas de complexidade à trama sem nunca perder o charme e a simplicidade do início.



A construção de mundo é feita de forma sutil, mas sempre constante e expansiva, no plano de fundo de uma narrativa que foca prioritariamente em seus carismáticos personagens. Sua tonalidade, na maior parte do tempo, é leve e muito bem-humorada: foram vários os momentos em que me peguei rindo de momentos hilários da história, ou mesmo de diálogos absurdos dos NPCs.

Tomando a iniciativa

Se uma boa história oferece as bases fundamentais de um bom RPG, é certo que o enredo sozinho não é capaz de fazer o verão  —  a jogabilidade também precisa ficar à altura, certo? Felizmente, Grandia consegue se garantir não apenas via exploração intuitiva e bem dosada de cenários diversos, mas principalmente ao apresentar literalmente um dos melhores sistemas de combate por turnos de que eu tenho conhecimento (lado-a-lado com The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel II (Multi), ainda que por razões diferentes)!

Começando pelo único (e pequeno) defeito no quesito jogabilidade, a navegação pelos mapas é um dos poucos aspectos do jogo que não envelheceu muito bem. Provavelmente querendo encantar o jogador com a possibilidade de girar a câmera em 360º, os cenários muitas vezes acabam com a visibilidade um tantinho complicada. Não é raro que seja necessário girar a câmera em busca de elementos "escondidos" sob um ângulo preciso.



Nas dungeons, em especial, a navegação acaba um pouquinho truncada em alguns setores carregados com elementos tridimensionais que "soterram" tanto nossos personagens quanto os monstros nos quais deveríamos estar de olho. Remediando a situação, temos uma utilíssima bússola que pode alternar entre a entrada e saída de cada mapa, bem como a bem-vinda opção, exclusiva dessa nova versão, de se girar a câmera com o analógico direito. Embora seja compreensível sua ausência, uma função de mini-mapa seria uma verdadeira benção aos complecionistas.

De resto, os desenhos dos mapas conseguem agradar e oferecer uma exploração intuitiva sob ambientes diversificados, sustentando bem a imersão da trama. Cada nova dungeon ou espaço aberto a se atravessar são divertidos e evitam todo e qualquer sentimento de grinding ou repetitividade. Mais do que tudo, isso é crédito do já citado sistema de batalhas.



As batalhas por turnos de Grandia conseguem mesclar a estratégia e o ritmo típicos do estilo com uma dinâmica acelerada que garante variedade à experiência e mantém o desafio sempre diversificado. Esse resultado é atingido sem grandes "firulas": trata-se de um sistema de batalha ativo que lembra tanto o de Chrono Trigger (Multi) quanto o ATB de Final Fantasy, com os personagens se movimentando pelo campo e alternando turnos que fazem pausar a ação para que o jogador selecione comandos.

O grande diferencial da ação é um elemento bem simples, mas que muda totalmente a dinâmica das pelejas: a barra de Initiative Points (IP). Trata-se da tradicional "linha-velocímetro" dos personagens em luta, que vai mostrando em tempo real a ordem dos turnos a seguir.

Dentre as ações ofensivas, os personagens podem lançar mão de ataques regulares (Combos, sempre atacando duas vezes), ataques críticos (Critical), habilidades individuais (Skills exclusivas de cada personagem, que consomem SP) ou Magias (Magic, aprendida de forma customizável com os Mana Eggs e consumindo MP). O IP se diferencia pela forma dinâmica como é possível manipular estrategicamente essa progressão.

A barra se divide em duas seções: uma mais longa (do marcador Wait ao marcador COM) e uma mais curta (do marcador COM até o marcador ACT). A movimentação no primeiro trecho é determinada pelos parâmetros de velocidade dos personagens, sendo que a chegada no marcador COM é o momento em que é possível dar o comando para a próxima ação.



Do comando até sua execução (marcador ACT), a velocidade passa a ser determianda pelo tempo de preparação da técnica ou magia em questão. É aí que entra em cena a escolha dos Criticals ou das Skills com atributos Cancel: caso seja atingido por um desses ataques nesse trecho posterior da barra de IP, o atacante em questão terá seu ataque cancelado.

Essa adição simples traz uma camada de complexidade muito interessante para as lutas, dando um sentido especial para o posicionamento dos personagens na tela, uma vez que a distância até o inimigo de alguém capaz de efetuar um cancelamento importante faz toda a diferença no andamento da batalha.


A prática leva à perfeição

O desafio é muito bem dosado, e a opção por visualizar os inimigos no mapa ao invés de encontros aleatórios é mais do que bem-vinda, permitindo a exploração (quase) livre das dungeons, deixando para o jogador a escolha de quando batalhar e quando (tentar) fugir. Me diverti por muitas e muitas horas explorando o sistema de batalhas, sem jamais ficar com a impressão de repetitividade ou falta de equilíbrio nas batalhas.

Outro elemento que complementa perfeitamente esse efeito é o sistema de progressão das habilidades dos personagens. Talvez na falta de uma referência mais precisa, o esquema me lembrou muito o do primeiro Disgaea (Multi): Skills, magias, afinidades elementais e habilidades com armas sobem de level conforme são utilizadas em batalha. Simples assim.

No campo dos equipamentos, temos a progressão particular de cada personagem de acordo com o uso do tipo de arma em questão: Justin utiliza tacos, espadas e machados; Sue utiliza arcos e tacos, Feena usa facas e chicotes e por aí vai. Desbloquear as Skills especiais de cada um dependem de um certo nível de habilidades com cada uma das opções em questão, o que faz com que sejamos "forçados" a experimentar todas as combinações possíveis, um elemento bem legal que também ajuda a impedir a repetitividade. Caso você tenha tido flashbacks pós-traumáticos com o infame sistema de Final Fantasy II (Multi), não se assuste: trata-se de um esquema muito bem equilibrado, e a progressão se dá de forma intuitiva e sem grinds excessivos.

Já o sistema de magias é onde a customização dos personagens se dá com maior liberdade. Com o uso dos Mana Eggs, itens raríssimos que podem ser consumidos nas lojas específicas de magia, é possível liberar determinada afinidade elemental no personagem, o que dispõe o primeiro nível de técnicas para uso em batalha, que por sua vez possibilita o treino naquele elemento.



Por exemplo, abrir o Mana Egg do elemento água libera a magia Heal para o personagem em questão. O uso consecutivo de Heal em batalha não apenas aumentará o nível da magia Heal em si, mas também aumentará o nível da afinidade elemental de água, abrindo caminho para aprender novas magias mais poderosas que requerem o elemento. Níveis mais elevados de magia exigem combinações entre duas afinidades, e cada personagem possui também Skills especiais que requerem elementos específicos  —  vale ficar de olho para priorizar essas!

No total, o sistema de batalhas consegue se manter interessante e muito divertido do início ao fim, e sem dúvidas é um complemento à altura da excelente narrativa em si. É muito divertido liberar novas técnicas, testar novas armas e mesmo refazer chefes complicados tentando vencer na base dos Cancels, ao invés de recorrer ao bom e velho grinding de sempre.

Grandia II: um sólido JRPG na virada do milênio

Se o primeiro Grandia pode ser visto como uma verdadeira gema dos JRPGs ao estilo 32-bits, Grandia II é um título que sofre de uma espécie de crise de identidade no quesito. Desta vez tendo chegado ao Ocidente no console original da Sega já em 2000, mesmo ano de lançamento no Japão, o jogo sofreu primeiro com a derrocada rápida e trágica do Dreamcast, e sucessivamente com um port desajeitado para PlayStation 2 que não fazia jus à versão original.

Assim, por uma via totalmente diferente, o jogo acabou também se encaixando na categoria de "clássico cult", conhecido mais pelos entusiastas (do Dreamcast e dos JRPGs) do que pelo público em geral. Trata-se de mais uma pequena injustiça, já que, no geral, o título consegue ficar à altura de seu antecessor. Seguindo uma remasterização de aniversário lançada para PC em 2015, a versão incluída nessa coletânea do Switch baseia-se nela para trazer o título de volta aos consoles e com dignidade pela primeira vez desde a era do VMU.


Novo fôlego, com ares de Dreamcast

Fazendo a transição definitiva para o tridimensional, Grandia II troca definitivamente o belíssimo spritework por modelos poligonais, aproveitando seu caráter stand-alone (não se trata de uma sequência direta) para imaginar um novo mundo com identidade própria, porém com algumas ressonâncias em relação à ambientação do primeiro jogo.

É interessante notar como, mesmo nessa nova remasterização, o jeitão típico dos games de Dreamcast se conserva em Grandia II. Colorido, porém em tons dessaturados, o visual investe pesado em modelos com alta contagem de polígonos e efeitos especiais de iluminação. Verdadeiras "gambiarras" que combinam vídeos sobrepostos em transparência sobre o jogo no lugar de animações propriamente ditas completam o pacote.

Se o charme visual desse jogo ou do anterior é superior e/ou envelheceu melhor, acredito ser uma questão de gosto (ou valor nostálgico). Eu confesso que sou mais parcial ao carisma do primeiro, embora ache que o segundo não deixa a desejar no quesito. Eficiente e não sem seu próprio carisma, os visuais desse jogo acabam no entanto não desfrutando do aspecto único e imediatamente reconhecível do anterior.

A transição para a alta definição consegue ser bastante eficiente também para a sequência, ainda que não seja consistente com a remasterização do primeiro título. No primeiro Grandia, toda a interface foi refeita em alta definição, o que inclui desde menus até as portraits dos personagens, passando pelas fontes do jogo, que ganharam uma nova versão mais nítida e polida. Era de se esperar que Grandia II, por ser um título com uma pegada ainda mais voltada ao cinematográfico, recebesse o mesmo tratamento  —  "Quem sabe até com portraits maiores?", sonharia um fã mais otimista.



No entanto, o que temos é justamente o contrário: a interface de Grandia II conserva muitos elementos em baixa definição, contrastando tanto com o 3D remasterizado do próprio jogo, quanto com a apresentação do antecessor nessa mesma coletânea. As portraits, centrais na pontuação das emoções dos personagens durante os diálogos, são um dos aspectos mais negativamente chamativos, ao lado da fonte. É bem estranho alternar do primeiro para o segundo jogo, e notar essa diferença tão grande nesses quesitos.

Não que seja um grande problema ou algo do tipo, mas é uma inconsistência que faz o pacote parecer menos homogêneo, e tira um pouco do valor de "edição definitiva" prometido por ele. Nós literalmente acabamos de ver o tipo de mudança que poderia ser implementada nos visuais, como é que nesse título isso fica de fora assim?



Por sorte, o talento de Iwadare volta para reforçar a sequência com uma trilha sonora igualmente memorável e que, de forma complementar às mudanças de tonalidade e ambientação, resgata detalhes da trilha anterior sob uma roupagem nova. Os temas reincidentes são significativos e muito bem aplicados ao longo da jornada, e os novos casam rapidamente com essa nova aventura.

A remasterização do som mantém o mesmo padrão do anterior, e também traz ambas as dublagens, norte-americana e japonesa, para que o jogador escolha como melhor preferir. A dublagem em inglês consegue ser superior ao visto no antecessor, mas não consegue ficar à altura do trabalho de vozes original. A possibilidade de escolha, portanto, garante o sucesso no quesito.


Síndrome de Cloud Strife

O primeiro Grandia definitivamente não seguiu as tendências de Final Fantasy VII, que representou uma deslocada de foco do modelo das aventuras mais tradicionais em direção a tramas complexas e temas mais dramáticos, demarcando para o subgênero o território da adolescência em relação ao apelo infantil e universal das aventuras de "capa e espada".

Sua sequência, no entanto, não pôde resistir: sai o alegre e inocente Justin, entra Ryudo, um protagonista que a primeira olhada aparenta ser seu diametral oposto. A narrativa geral também acompanha essa mudança: ainda que compartilhando alguns temas e estilismos, a fantasia leve do primeiro jogo dá lugar a uma trama mais sóbria que envolve temas morais e angústias pessoais (que, a bem da verdade, também deram as caras no jogo anterior) mais marcadas ao longo da narrativa.

Vale reconhecer que a escolha provavelmente não se deu (somente) por modismo. Dar sequência à aventura auto-contida do antecessor na mesma toada seria correr o risco de tentar engarrafar o mesmo relâmpago duas vezes seguidas. Ao invés disso, o título investe corajosamente em uma nova faceta do mesmo estilo, obtendo resultados muito positivos com a transformação.

Ao invés de um simples aventureiro-mirim, Ryudo é uma figura mais experiente que pertence à classe dos Geohound, espécie de mercenários que fazem serviços diversos e vivem em isolamento e às margens da sociedade altamente religiosa e moralista de Silesia. Acompanhado de seu companheiro aviário Skye, Ryudo aceita relutantemente uma missão de escolta requisitada pela própria Igreja de Granas. É atuando como guarda-costas da sacerdotisa Elena que ele acaba partindo em uma aventura que evoca forças arcaicas da batalha de Granas contra Valmar.



A narrativa de Grandia II é imediatamente diferente do antecessor, não apenas em termos da tonalidade mais sóbria, mas também em seu ritmo. Dispensando a introdução mais cuidadosa e o trabalho mais delicado de personagens e ambientação do primeiro jogo, trata-se de uma aventura que já coloca nossos personagens em plena ação desde a primeira hora.

Enquanto o primeiro game mostra o desenrolar de um mundo fantástico sob os olhos inocentes e fascinados de duas crianças, Grandia II atinge o jogador com mortes trágicas e possessão demoníaca já nos primeiros minutos de jogo. Porém esse contraste é mais em termos de estilo e apresentação: tão logo a aventura se coloca em movimento, podemos perceber já um pouco da leveza despreocupada característica da série, em especial na interação de nossos personagens entre si.



Provavelmente almejando ares mais cinematográficos, a narrativa se dá de forma mais linear do que no anterior, o que não deixa de combinar com a abordagem mais leve e econômica da série, em termos de diálogos e exposição. A construção de mundo continua a ser um elemento central da experiência, e não fica atrás do sucesso do antecessor no quesito. A veia mais propriamente dramática é muito bem explorada através de cenas que alternam a comédia e leveza com sequências mais sóbrias.

Sem dar detalhes do enredo, seu desenrolar consegue cativar com um elenco marcante de personagens e uma boa cota de revelações e histórias pessoais os envolvendo. Algumas reviravoltas podem ser previsíveis, enquanto outras pegam o jogador de surpresa em sua completa e total simplicidade. Enquanto Grandia tem ares de um épico de espada e capa, Grandia II traz um misto interessante entre a leveza do antecessor e a pegada mais introvertida e angustiosa de um anime adolescente. Diferente, porém sem perder de vista os pontos positivos que marcaram o primeiro, a sequência consegue se sair muito bem em termos de enredo.


Experimentando com a fórmula

O sistema de batalhas de Grandia II felizmente não dispensa os grandes acertos do anterior, entregando novamente uma experiência notável do tipo. É incrível pensar no quanto grandes estúdios pelejam ainda nos dias de hoje para dinamizar sistemas de batalhas por turnos, sendo que esse jogo em pleno ano 2000 tinha acertado um equilíbrio tão perfeito assim!

O sistema da barra de IP volta praticamente intocado em relação ao anterior, transportando a ação dinâmica para combates tridimensionais igualmente agitados. Com um belo e consistente framerate, a versão remasterizada não deixa a desejar no que diz respeito a manter a dinâmica da ação acelerada, resultando em mais um sistema capaz de fazer os entusiastas afundar horas e mais horas de diversão.



O esquema de combos, Criticals e magias também se mantém o mesmo: planejar Cancels e equilibrar bem as estratégias de ataque, cura e evasão é central na experiência de batalhas, determinando muito do ritmo dos combates. Os elementos e magias do anterior também retornam praticamente inalterados, o que dá um senso legal de familiaridade e continuidade entre ambos. A única coisa que quebra um pouco o fluir das batalhas são as animações em vídeo das Skills — que pelo menos, são tão maneiras quanto são datadas.

Porém, não seria uma sequência de JRPG sem que os criadores decidissem "reinventar a roda" e mudassem mecânicas centrais do jogo, certo? Se as batalhas em si mantêm a mesma dinâmica vista anteriormente, o sistema de progressão sofre algumas transformações centrais. Para minha tristeza, o sistema de progressão de habilidades via uso é dispensado em valor de um esquema mais linear e um tanto reminiscente da aventura estrelada por um certo jovem com cabelo loiro espetado e uma espada de proporções exageradas.



Ao invés de designar os Mana Eggs para cada personagem liberando sua respectiva afinidade elemental (e, consequentemente, sua árvore de habilidades única), esses itens passam a funcionar de forma semelhante às Materias de Final Fantasy VII.

Cada Mana Egg traz em si sua própria árvore de magias, que é garantida ao personagem que atualmente o equipa em seu slot. Para melhorar as magias, é necessário investir Magic Coins, um tipo de ponto de experiência específico obtido normalmente em batalhas. Já na melhora das habilidades de personagem, a coisa funciona da mesma forma, só que com Skill Points.



Complementando essas novidades, o sistema de Skill Books compensa a perda do esquema multi-armas na frente de customização. Esses livros são encontrados ao longo da aventura e funcionam de forma semelhante aos Mana Eggs: com o investimento de Coins, é possível desbloquear habilidades passivas que podem então ser equipadas livremente entre os personagens.

A diferença em relação aos Mana Eggs é o fato de que as Skills podem ser distribuídas individualmente, não estando necessariamente ligadas ao Skill Book em questão. Combinações especialmente poderosas de Skills podem entortar a balança do jogo definitivamente para o lado do jogador, em especial no que diz respeito à burlar a barra de IP. Felizmente, a opção de dificuldade extra implementada no remaster de aniversário está de volta aqui — uma adição que, por contraste, fez falta para o primeiro Grandia.



Ao mesmo tempo em que aumenta a customização no ramo das magias, a mudança resulta também em uma maior linearização da progressão dos personagens em si, que deixam de contar com a mesma variedade do sistema multi-armas (cada personagem equipa apenas um tipo de arma). A grande variedade de habilidades passivas, embora adicione uma boa camada estratégica extra, não compensa a perda da fluência e da dinâmica intuitiva do sistema anterior de habilidades.

Em comparação com o antecessor, a progressão de personagens parece mais "travada", e a impressão de grinding acaba mais pronunciada atráves do sistema de Coins. Dito isso, tenha em mente que são picuinhas vindas de um grande fã do sistema do primeiro jogo: na prática, o sistema de Grandia II é tão viciante e dinâmico quanto o do primeiro jogo, sendo que essa diferença no sistema de progressão não rouba nada da fluidez e caráter viciante dos combates em si, que continuam mais explosivos do que nunca. Também vale notar (e que meu Dreamcast não me ouça) que a ausência dos tempos de loading do disco é uma benção que deixa tudo muito mais rápido e funcional do que nunca!



No conjunto, Grandia II consegue manter o alto nível inaugurado pelo seu antecessor em todas as frentes, com uma narrativa cativante, exploração sempre interessante em um mundo rico e um sistema de batalhas excelente. Ainda que seja uma experiência menor e mais linear do que o antecessor, ele certamente agradará os fãs do primeiro game da série.



Aventuras ao vento

Em termos de narrativa  — o coração de todo RPG —  ambos os títulos dessa coletânea se destacam dentre as opções do subgênero. Embora sejam aventuras bastante diferentes entre si, elas podem ser vistas como variações de um mesmo estilo, compartilhando temas, tonalidade e, principalmente, o foco na construção de ambientações e personagens cheios de carisma.

Por sua vez, os sistemas de batalha são um destaque à parte, explorando o potencial de um combate por turnos com muito mais eficácia do que tentativas recentes de produções de alto orçamento. Cada qual com suas características próprias, ambos os jogos oferecem boas horas de diversão em batalhas animadas e cheias de variedade.



Trata-se, portanto, de uma dupla de jogos com muita personalidade  — ainda que se valham de uma boa dose de lugares-comuns, o resultado final são experiências marcantes que evitam o limbo dos clichês e merecem o status de clássicos do subgênero.

A coletânea deixa levemente a desejar tanto nos aspectos de inconsistência da remasterização da interface e ausência de opções comentada anteriormente, quanto pela ausência de quaisquer extras que justificassem a criação do pacote HD Collection, exclusivo para o Switch (essa nova versão do primeiro Grandia chegará ainda este ano para PC, via Steam).

Artworks, conteúdo adicional informativo de qualquer gênero, trilha sonora, conquistas desbloqueáveis: não faltam elementos que poderiam estar presentes aqui reforçando a chegada desses dois jogaços à geração atual.

No entanto, essas ressalvas são apenas detalhes que de forma alguma roubam o brilho do conjunto: são centenas de horas de diversão ao longo de dois títulos imperdíveis para qualquer um que aprecie um bom JRPG. Antes tarde do que nunca, e que venham mais lançamentos do tipo!

Prós

  • Dois jogos fantásticos, chegando pela primeira vez aos consoles em alta definição;
  • Grandia: um dos melhores exemplares do gênero, aventura memorável embalada por um audiovisual cheio de carisma;
  • Grandia II: explorando muito bem o que deu certo no anterior e arriscando experimentar em cima do modelo, um JRPG sólido com trama envolvente e sistema de batalha viciante;
  • Sistema de batalhas de ambos os jogos é literalmente um dos melhores combates em turnos de todo o gênero;
  • Progressão fluida e narrativa cativante de ambos os títulos garante duas experiências fantásticas — daquelas de não se conseguir largar o controle;
  • Bom humor, ambientações carismáticas e muita personalidade garantem a identidade própria da série;
  • Trilhas sonoras inesquecíveis.

Contras

  • Falta de opções de customização que seriam muito bem-vindas para uma edição definitiva: ativar/desativar os filtros e opção de dificuldade extra no primeiro Grandia, opções de som e volume em ambos os jogos;
  • Remasterização da interface de Grandia II não é consistente com a feita no primeiro título: fontes e portraits em baixa definição destoam do restante da apresentação visual;
  • Ausência de quaisquer conteúdos extras (galeria, trilha sonora, desbloqueáveis, etc) na coletânea.
Grandia HD Collection (Switch) — Nota: 9.0
Análise produzida com cópia digital cedida pela GungHo Online Entertainment America
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é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).