João Guimarães Rosa se notabilizou pela escrita poética e pela reflexão sobre a vida de quem está sempre em busca de um sentido para a existência. Daí afirmar, em “Grande Sertão: Veredas”, que “o real não está na saída nem na chegada: ele dispõe para a gente é no meio da travessia” (ROSA, J.G. Grande Sertão: Veredas, 19 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p.80). Diante da necessidade de alcançar um fim para a jornada, os personagens de Rosa se debatem com mais força com a necessidade de viver, e de fazê-lo entendendo o processo como o que realmente vale a pena. Far: Lone Sails é um jogo que está imbuído do mesmo espírito. Desenvolvido pela Okomotive e publicado pela Mixtvision, esse título indie foi lançado em 2018 e chega agora ao Switch, trazendo para os donos do console híbrido a possibilidade de se encantar com uma aventura em que as descobertas e o processo da viagem são o que mais importa.
Welcome to the machine
A aventura vivida em Far: Lone Sails acontece em um ambiente destruído, que lembra o mundo pós-apocalíptico dos filmes da série Mad Max. Desde o início do jogo, o clima de estranhamento é latente, já que nos vemos diante de um terreno aparentemente gigantesco, mas não conseguimos ver nenhuma outra pessoa por perto. Aliás, essa é uma sensação que o game mantém até o último momento.Quando iniciamos nossa jornada, aprendemos os comandos básicos, como segurar objetos, pular e aplicar o zoom na tela. Depois disso, nenhuma outra informação ou elemento tutorial irá aparecer. É nesse momento que nos deparamos com aquilo que parece ser o objetivo do jogo: entrar em um veículo e seguir em uma jornada. Para onde? Para fazer o quê? Não temos essas explicações. A princípio, parece ser uma estratégia arriscada, mas os desenvolvedores conseguiram criar um clima de interesse que mobiliza o jogador desde o primeiro instante. Ainda em relação aos controles, a proposta se adequa muito bem ao Switch, mesmo que, no modo portátil, algumas vezes as coisas pareçam pequenas demais. No entanto, a estratégia de zoom in e zoom out pode ser utilizada a qualquer instante, trazendo um foco direto para o protagonista, o que facilita bastante a visão do jogador.
Sobre a conexão com a máquina, é importante dizer que podemos sair do veículo e, em alguns momentos, isso será necessário para coletar itens, realizar reparos ou explorar ambientes próximos. No entanto, o jogo não permite que você avance sem o seu meio de transporte. Você poderá ir somente até um ponto próximo em que seu personagem não consegue andar mais. Assim, a única solução é voltar para o veículo e avançar. Esse mecanismo é realmente interessante porque cria uma conexão forte entre o jogador e a máquina que está à disposição.
Aprender a manipular os elementos do veículo, fazer upgrades, manutenção e entender como superar barreiras que impedem a viagem; tudo é muito intuitivo e prático. Em poucos pontos senti que estava travado, e mesmo nesses casos a resposta para o puzzle não era tão difícil assim. Os elementos necessários para a resolução estão sempre à sua mão e o desafio do jogo tem mais relação com o gerenciamento e uso correto dos recursos do que com os puzzles em si. Também não há um senso de urgência ou de ação contra o tempo. Ainda assim, não há como não ficar incomodado com possíveis demoras. Temos que seguir. Mesmo sem saber para onde, precisamos continuar.
Nos trilhos
Far: Lone Sails apresenta um ambiente de exploração. Contudo, o caminho é guiado e não existe muito o que fazer a não ser seguir o fluxo natural do percurso. Você e seu veículo se movem da esquerda para a direita e não é possível inverter o movimento. Em algumas situações é possível puxar o veículo para qualquer um dos dois sentidos, simplesmente para ajustar a posição necessária para a realização de alguma ação específica. No entanto, uma vez que você segue, não há volta. É como se esse protagonista (e, lembre, não sabemos nada sobre essa pessoa, exceto algumas pistas que podemos intuir por objetos encontrados pelo caminho) não tivesse outra possibilidade a não ser deixar para trás tudo o que conheceu. O passado não importa, e olhar para trás não é uma opção.Mesmo com o baixo nível de exploração, o jogo oferece alguns momentos empolgantes fora do veículo. Durante o caminho encontramos casas abandonadas, animais, barcos gigantescos e grandes construções. Em alguns desses lugares iremos sofrer com colisões ou encontrar barreiras e portões que impedem nosso movimento. Assim, será necessário sair e descobrir, nesses ambientes, alguma forma de seguir em frente.
Uma bela distopia
Algo que traz a concretude da distância e do tempo da viagem em Far: Lone Sails é a mudança de climas e ambientes. Você viaja durante dia e noite, às vezes debaixo de chuva, tempestade de granizos, neve... enfim, todo tipo de intempérie. Todas essas circunstâncias interferem no ritmo da viagem e no tipo de ação que precisamos fazer. Além disso, o jogo tem um visual belíssimo. Está longe de ser o melhor que o Switch tem a oferecer, mas o estilo artístico é, propositalmente, meio característico de um sonho. É verdade que se trata de um sonho distópico, no qual estar só não é necessariamente sinônimo de solidão, mas a sensação que fica ainda é a de que alguma coisa deu errado neste mundo.A música, ou a ausência dela em muitos momentos, reforça o clima de tensão controlada. Mesmo que quase nada de ruim possa acontecer com você (não há, no game, muitos lugares em que você possa morrer), quando isso acontece o clima de desespero é evidente.
Após a leitura deste texto, talvez fique a pergunta: o que vou encontrar? O melhor que posso dizer é que a resposta está em você. Afinal, a sua percepção sobre o final do jogo vai depender muito do seu estado espírito quando você chegar lá. Qualquer adjetivo que eu utilize aqui para me referir ao desfecho da jornada que acompanhamos vai atrapalhar a sua experiência. Mas uma dica acho que posso dar: entregue-se a essa viagem de coração aberto — e aproveite o caminho.
Prós
- Gráficos muito bonitos;
- Clima de descoberta e exploração constantes;
- Experiência única em termos de intimismo e reflexão.
Contras
- Puzzles simples e pouco desafiadores;
- Baixo fator replay.
Far: Lone Sails — Switch — Nota: 9.0
Análise produzida com cópia digital cedida pela Mixtvision
Revisão: Davi Sousa
Revisão: Davi Sousa