Análise: Persona Q2: New Cinema Labyrinth (3DS) celebra a série em um ótimo RPG dungeon crawler

Os personagens dos últimos títulos da série Persona se encontram em um crossover bem trabalhado e muito divertido.

em 01/07/2019

Um dos aspectos centrais e marcantes da série de JRPGs Persona é seu foco nos personagens e relacionamentos: os laços dos heróis se fortalecem durante as aventuras e conhecemos melhor cada um deles. Persona Q2: New Cinema Labyrinth é um spin-off que explora ainda mais esse aspecto ao unir em um único jogo os elencos de Persona 3, Persona 3 Portable, Persona 4 e Persona 5.


Curiosamente, o jogo de 3DS não é somente um crossover de heróis, pois ele conta com forte presença de mecânicas da franquia de dungeon crawlers Etrian Odyssey. O resultado é um jogo que combina de maneira empolgante diferentes aspectos em um extenso RPG de exploração de calabouços. Sequência de Persona Q: Shadow of the Labyrinth, Q2 refina aspectos de seu antecessor em uma jornada ainda mais divertida e variada.

Explorando filmes labirínticos

A série Persona Q nasceu no 3DS e ela é um spin-off e crossover de diferentes jogos e franquias. De um lado temos os personagens e ambientação de Persona, de outro temos o estilo de jogo de exploração de calabouços de Etrian Odyssey. Uma descrição bem resumida da série seria “um Etrian Odyssey com cara de Persona”. No entanto os títulos conseguem ter identidade própria e se destacam por outros aspectos. O “Q” do título vem de “Sekaiju no Meikyuu” (ou “O Labirinto da Árvore do Mundo”), nome japonês de Etrian Odyssey, que comumente é reduzido para MeiQ — no Ocidente a referência se perde um pouco.

A aventura de New Cinema Labyrinth começa quando os Phantom Thieves, de Persona 5, vão para o Mementos em uma exploração de rotina. Algo estranho acontece e Morgana, em sua forma de van, fica descontrolado, o que faz o grupo atravessar um portal. Do outro lado, depois de algumas complicações, os heróis acabam em um misterioso cinema, cujas saídas estão trancadas por artefatos. Depois de investigar um pouco, os Phantom Thieves descobrem que para sair dali e voltar ao seu mundo de origem, eles vão precisar explorar calabouços dentro de filmes ao mesmo tempo em que tentam descobrir o que os levou até ali. Pelo caminho, os personagens de Persona 3, Persona 3 Portable e Persona 4 aparecem, e juntos todos vão colaborar para resolver a situação.


A progressão da jornada é feita majoritariamente ao explorar os calabouços dos filmes em mecânicas tiradas diretamente de Etrian Odyssey. Esses momentos funcionam como um dungeon crawler clássico em primeira pessoa e desbravamos locais divididos em andares. Durante a exploração, podemos desenhar um mapa por meio da tela de toque do portátil, com direito a inclusão de símbolos para pontos de interação e setas para movimentação automática do grupo. Particularmente nunca fui fã das mecânicas de cartografia de Etrian Odyssey, mas, por sorte Persona Q2 conta com opções de preenchimento automático do mapa, o que deixa essa ação mais descomplicada.

Cada andar dos calabouços funciona como um puzzle: precisamos descobrir onde estão as escadas para o próximo andar ao mesmo tempo em que tentamos evitar perigos. O desenho dos locais é complicado e labiríntico, logo construir um mapa detalhado é essencial para não se perder. Um dos maiores perigos dos filmes são os FOE, monstros extremamente poderosos que patrulham os cenários. Essas criaturas são tão letais que são capazes de derrotar todo o grupo com poucos ataques — o ideal mesmo é fugir. Sendo assim, boa parte das situações complicadas de Persona Q2 consiste em evitar os FOE, o que significa navegar com cuidado e manipular dispositivos do cenário para escapar. Os andares são longos e complexos, o que torna impossível completá-los em uma única tentativa. No entanto, atalhos facilitam a navegação em tentativas subsequentes.


Táticas, fraquezas e colaboração nas batalhas

Os calabouços cinematográficos de Persona Q2 estão infestados de Shadows e os heróis enfrentam essas criaturas em combates por turnos. Além de ataques básicos, os personagens conseguem utilizar feitiços (que consomem SP) e técnicas físicas (que consomem HP), como é de praxe do gênero. No entanto, o diferencial está em várias outras mecânicas interessantes fortemente inspiradas nos outros jogos da franquia.

Para sobreviver aos combates, é essencial explorar as fraquezas elementais dos inimigos, assim como na série principal. Ao acertar a vulnerabilidade de um oponente, o personagem entra em estado de Boost, o que zera o custo de todas as suas técnicas no próximo turno. Além disso, caso todos os inimigos sejam derrubados por ataques elementais, é possível ativar o All-Out Attack, um golpe poderoso que atinge todos os monstros. Só é importante ficar atento ao fato de que o contrário também é válido: caso um herói seja atingido por um ataque no qual é vulnerável, ele perde a ação daquele turno.


O combate é sobre focar em usar os tipos de ataques certos, mas existem vários outros detalhes a ser considerados. Há muitas opções de estratégia por meio de estados negativos, como diminuir atributos dos inimigos, golpes paralisantes e veneno, o que permite ir além de somente explorar vulnerabilidades continuamente. Em muitos momentos, por exemplo, tive dificuldade ao enfrentar certos grupos de monstros, contudo consegui derrotá-los ao adotar estratégias distintas, principalmente aquelas que saem do lugar comum. É extremamente importante dominar os sistemas, pois o combate é difícil — até mesmo inimigos básicos são capazes de destruir completamente o grupo de heróis.

A grande variedade estratégica também é proporcionada pela extensa quantidade de heróis disponíveis: 28 diferentes personagens podem ser utilizados, cada qual com particularidades específicas. O sistema de Sub-Personas está de volta e permite que cada herói equipe uma criatura adicional com habilidades diferentes, o que é perfeito para abrandar fraquezas ou aumentar a variedade de opções disponíveis em combate. Como é de praxe, as Personas podem ser fortalecidas e fundidas em versões mais poderosas.


Em comparação com o jogo anterior, Persona Q2 introduz algumas novidades. O Baton Pass (vindo de Persona 5) permite transferir o Boost de um personagem para outro, já as técnicas Unison faz com que dois ou mais heróis executem em conjunto um ataque poderoso, alguns monstros têm barreiras contra fraquezas elementais, e mais. Além disso, houveram mudanças no balanceamento geral, como diminuição da quantidade de tipos de dano, maior facilidade de executar os All-Out Attacks e mais maneiras de recuperar as forças do grupo rapidamente. No geral a sensação é que o jogo ficou mais balanceado, mas sem deixar ser bem difícil.

As alegrias e os terrores dos filmes

Calabouços interessantes e combate intenso são motivos que tornam Persona Q2 uma experiência imersiva. Explorar os labirintos nos filmes me trouxe sentimentos conflitantes. Por um lado, a progressão é mais fluída em razão de mapas mais simples e com caminhos mais diretos — mesmo que você explore pouco, há sensação de que se está avançando. Em contrapartida, os puzzles se tornaram triviais: a porta está fechada? Volte naquela bifurcação e aperte um botão para abri-la. Um FOE está impedindo a passagem? Vá até a sala anterior e ative o interruptor para apagar as luzes e paralisá-lo. O ritmo é melhor, porém senti falta dos puzzles elaborados e complicados do jogo anterior e de Etrian Odyssey.


Uma novidade bem-vinda e que ameniza a questão da simplicidade dos mapas são as Special Screenings, ou missões opcionais. Nelas, exploramos versões alternativas dos calabouços e precisamos fazer objetivos diferentes, como resolver um enigma de lógica, derrotar inimigos específicos, procurar itens, modificar elementos dos cenários e mais. Depois de um tempo as tarefas começam a se repetir, no entanto essas missões ajudam bastante a quebrar o ritmo da aventura principal.

Já o combate continua conceitualmente simples, mas muito empolgante, principalmente por causa da dificuldade acentuada e inúmeras opções de táticas. Me diverti demais montando times diversos a fim de testar novas estratégias — claro, também dei preferência aos meus personagens favoritos, como o Joker, protagonista de Persona 3 Portable, Yukiko, Makoto e Akechi. Também é muito recompensador derrotar um FOE: esses oponentes formidáveis exigem muita destreza e preparação para serem superados em combate. Algo que apreciei bastante é que agora é um pouco mais fácil treinar os heróis que usamos pouco e o jogo incentiva trocar a configuração da equipe constantemente com novos tipos de inimigos.


Explorando os laços de amizade

A série Persona é conhecida por explorar os laços de amizade e pela atmosfera estilosa, e Persona Q2 explora esses aspectos na forma de um crossover. Confesso que boa parte da minha diversão com o jogo foi ver tantos personagens legais interagindo e lutando juntos — para aproveitar completamente as conversas é essencial conhecer os títulos anteriores, pois não são exibidos detalhes complexos dos heróis. O tom é leve, como se fosse um encontro de amigos, contudo a trama não deixa de explorar questões mais sérias, como o conceito de identidade e não conformismo em relação às regras absurdas de grupos e da sociedade.

New Cinema Labyrinth tem foco no elenco de Persona 5, com Joker representando o jogador. Mesmo assim, houve cuidado para dar espaço para todos os inúmeros heróis, por mais que alguns deles sejam reduzidos a estereótipos — algo natural, afinal são quase 30 personagens, é impraticável explorar todos eles profundamente. Em especial, achei muito acertada a inclusão da protagonista feminina de Persona 3 Portable: sua personalidade energética e cativante traz alegria às interações, e é interessante a maneira como ela se relaciona com o protagonista masculino de Persona 3 e seus companheiros.


As interações entre os heróis é, de longe, meu elemento favorito no jogo. É bastante divertido ver tantos personagens excêntricos conversando ou participando de atividades curiosas, principalmente por causa dos ótimos diálogos bem-humorados, com direito a referências à cultura pop. Futaba, por exemplo, sempre referencia termos do mundo dos jogos ou faz comentários metalinguísticos. Já Elizabeth é doida de pedra e está sempre atazanando os outros personagens, principalmente seu irmão Theodore. Há diálogos até mesmo no menu principal, quando os heróis estão relaxando no cinema.

O ponto alto são as missões paralelas que colocam personagens de diferente jogos para realizar as tarefas. Em uma delas, Yosuke decide ajudar Yukiko a “liberar seu potencial artístico”, o que resulta em situações malucas envolvendo o desenho de um caracol pré-histórico. Já em outra missão, Chie e Ann se unem a fim de aprenderem uma com a outra — a garota de Persona 4 deseja ser graciosa, já a modelo de Persona 5 quer aprender golpes de kung-fu. Em outro trecho os esquentadinhos Ryuji e Kanji são os protagonistas de uma competição de força, com direito a troca de farpas constantemente. A variedade de situações é grande, e os fãs da série vão se deliciar com tantas interações divertidas.


Um cinema charmoso e bem construído

Fora isso, a atmosfera estilosa característica de Persona está presente em New Cinema Labyrinth. A temática de cinema está presente em tudo: a interface lembra rolos de filme torcidos, a fusão de Personas acontece ao juntar a imagem de dois projetores, a base de operações é composta de quiosques de pipoca e guloseimas, e mais. Um detalhe legal é que cada labirinto explora e faz paródias de produções do mundo dos filmes: um super-herói opressor em Kamoshidaman, dinossauros inteligentes em Junessic Land (uma clara referência a Jurassic Park), uma distopia de robôs em A.I.G.I.S. O resultado é um mundo curioso e bem construído.


A representação chibi dos personagens, que os retrata com cabeças grandes, está de volta, dando um charme único ao jogo. Os heróis apresentam movimentação expressiva, o que tornam as inúmeras cenas de conversa bem agradáveis de se acompanhar. Além disso, há também algumas cenas animadas em trechos importantes da trama, o que enriquece a narrativa — o momento em que os protagonistas de Persona 5 e Persona 4 se encontram é um dos pontos altos.

Por fim, complementando o ótimo mundo de New Cinema Labyrinth, temos uma trilha sonora excepcional. A música do jogo conta com remixes de faixas antigas e muitas composições inéditas. Os destaques, naturalmente, são as músicas cantadas, como o tema de abertura “The Road Less Taken” e a faixa do cinema “Cinematic Tale” (que fica mais elaborada conforme encontramos mais personagens). Por ter Persona 5 como foco, a música tem uma pegada meio acid jazz, no entanto os jogos anteriores também estão representados. Em especial, gostei bastante dos temas de batalha, que dessa vez são quatro, um para cada protagonista, pois conseguem trazer para Q2 a atmosfera dos jogos originais: o baixo marcante e piano acid jazz em “Invitation to Freedom”, a pegada pop de Persona 4 em “Remember We Got Your Back”, o hip-hop de Persona 3 em “Wait and See”.

Um “filme” que vale a pena

Persona Q2: New Cinema Labyrinth acerta ao combinar as melhores características dos jogos que usa como inspiração. O spin-off é um sólido RPG dungeon crawler com exploração interessante, combate diversificado e desafio moderado. O que faz o jogo ser excepcional é a presença do carisma e estilo da série Persona: é muito divertido ver tantos personagens cativantes juntos, principalmente por causa das ótimas interações.

Há muitas melhorias em relação ao título anterior, o que resulta em uma aventura mais variada e ágil. No entanto, o preço é a simplicidade de alguns aspectos — os mapas dos calabouços, por exemplo, não são muito inspirados. E com tantos heróis é impossível desenvolver a personalidade de todos, o que os reduz a estereótipos em alguns momentos. Isso não chega a ser um grande problema, afinal o jogo é direcionado aos fãs da série, por mais que seja possível se divertir mesmo sendo novato na franquia.

No fim, Persona Q2: New Cinema Labyrinth oferece uma experiência imersiva e profunda, um jogo imperdível para fãs de RPGs, dungeon crawlers e Persona.

Prós

  • Ótima interpretação do gênero RPG dungeon crawler;
  • Sistema de batalha robusto e com muitas opções de estratégia;
  • A interação entre os personagens é empolgante e com diálogos bem-humorados;
  • Ambientação estilosa e variada, misturando Persona e temas cinematográficos;
  • Trilha sonora excepcional.

Contras

  • Alguns labirintos têm mapas simples e desinteressantes;
  • Personalidade de alguns heróis reduzida a estereótipos pode incomodar.
Persona Q2: New Cinema Labyrinth — 3DS — Nota: 9.0
Revisão: Vladimir Machado
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator
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é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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