Prévia: Cadence of Hyrule (Switch) e toda a virtuosidade de The Legend of Zelda

Casamento entre a franquia da Nintendo e o indie Crypt of the Necrodancer será provavelmente um dos crossovers mais inteligentes da história dos games.

em 09/06/2019

A política da Nintendo em relação à cessão de suas propriedades intelectuais para terceiros mudou bastante nos últimos anos. Primeiro veio a parceria com a Koei Tecmo e o surgimento de Hyrule Warriors (Wii U), que atrelou The Legend of Zelda à jogabilidade repetitivamente viciante de Dynasty Warriors. Seu sucesso, inclusive, rendeu vários relançamentos posteriores em outras plataformas e ainda ajudou a conceber Fire Emblem Warriors (Switch/New 3DS).


Em seguida, foi a vez da Ubisoft que ousou ao unir os Rabbids e os personagens do universo Super Mario em Mario + Rabbids Kingdom Battle (Switch). Um fato que torna essa união ainda mais surreal é que o título se trata de um game de estratégia tática, algo incomum na história das duas séries em questão. A relação de proximidade entre as ambas empresas permitiu também o aparecimento dos personagens de Star Fox na versão de Switch de Starlink: Battle for Atlas (Multi).



De quebra, ainda seria possível citar a Bandai Namco que pegou Tekken e vestiu-o de Pokémon ao produzir Pokkén Tournament (Wii U), mas é válido lembrar que o licenciamento da marca fica a cargo The Pokémon Company, que sempre teve uma política um pouco mais diferenciada nesse assunto se comparada à Nintendo.

Depois de percorrido, esse caminho agora volta novamente à sua origem, com Zelda dando novamente as caras em outra propriedade intelectual. A bola da vez é um casamento com o popular indie Crypt of the Necrodancer (Multi). Concebido pelo estúdio canadense Brace Yourself Games, ele mistura a ideia por trás dos jogos de ritmo musical (como Guitar Hero) e de exploração de dungeons presente em títulos pertencentes a um gênero comumente chamado de roguelike.


Sem música, Zelda seria um erro

Não é de hoje The Legend of Zelda tem uma relação muito íntima com a música. O primeiro game no NES já foi responsável por presentear o público com um icônico tema principal que é reutilizado e reverenciado até os dias de hoje. Link’s Awakening (GB), por sua vez, já nos trouxe os Instruments of Sirens como elementos centrais da narrativa.

Foi com Ocarina of Time (N64), contudo, que essa relação se consolidou oficialmente. O antológico título para o Nintendo 64 revolucionou o ato de se contar histórias utilizando um jogo. A introdução de um sistema que faz com que os botões correspondam a diferentes notas emitidas pelos instrumentos tocados acabou servindo de modelo para outros jogos posteriores da franquia. A Ocarina, inclusive, apareceu novamente na sequência Majora’s Mask (N64) e teve um papel importante na narrativa como o instrumento principal responsável por impedir a queda da lua no terceiro dia.

Assim, ele se repetiu já em The Wind Waker (GC), em que o personagem utiliza uma batuta de orquestra para controlar os ventos e seguir viagem à vela com o King of the Red Lions. O elemento musical de Twilight Princess (GC/Wii), por sua vez, é a capacidade virtuosa de Link uivar para a lua em diferentes notas e, assim, invocar um espírito de um guerreiro ancestral responsável por ensinar a ele novas técnicas.

Skyward Sword (Wii/Wii U) contava com a Goddess’s Harp, utilizada para revelar os segredos escondidos no mundo sob as nuvens. Spirit Tracks (DS) já tinha a Spirit Flute como elemento central, responsável por liberar novas localidades em New Hyrule. Mesmo os jogos que não introduzem elementos musicais diretos, a chamada primeira arte ainda se faz presente de alguma maneira impactante, como foi com Breath of the Wild (Wii U/Switch).


Um Casamento Perfeito

Crypt of the Necrodancer, por sua vez, traz a história de uma garota chamada Cadence, que se depara prisioneira em uma cripta controlada pelo NecroDancer, o vilão cuja alcunha é palavra-valise para Necromante, nome dado ao feiticeiro cuja especialidade é a manipulação dos mortos, e Dancer, dançarino em inglês. A moça acaba tendo seu coração enfeitiçado pelo vilão e, para sobreviver, precisa adequar suas ações ao ritmo da música — que também dita os seus batimentos cardíacos.

O gameplay central do game exige certa dedicação por parte do jogador. Isso acontece porque ele não se trata de uma narrativa corrente pautada por acontecimentos sequenciais. A ideia principal é que cada fase seja realizada incontáveis vezes no intuito de aprimorar as habilidades da personagem principal aos poucos até que o estágio em questão possa ser superado e outro é desbloqueado.

Cada um desses níveis se dá em um calabouço temático diferente com três andares cada, progressivamente mais complicados. Para que o jogo se mantenha interessante e ofereça um fator replay consistente, é válido lembrar que eles são procedimentalmente gerados. Isto é, o design do mapa dessas dungeons mudam toda vez em que elas são jogadas, fazendo com que elas se tornem imprevisíveis e tornando cada jogatina única — assim como Pokémon Mystery Dungeon, por exemplo.
Nos trechos mais tardios de Crypt of Necrodancer, a tela fica tão cheia que acaba exigindo boas doses de estratégia, além de coordenação motora para seguir o ritmo.
O principal diferencial de Crypt of the Necrodancer para outros roguelikes é a sua jogabilidade completamente atrelada à questão musical. Assim, o jogador precisa se atentar ao compasso da música, representado visualmente por uma espécie de metrônomo na parte inferior da tela (para a eventualidade de ser necessário jogar sem som ou ainda tornando o título relativamente acessível para deficientes auditivos) e cadenciar seus movimentos de acordo com o ritmo ditado por ele.

Dessa forma, é notável como muito do jogo desenvolvido pela Brace Yourself Games já tinha muito em comum com a popular franquia da Nintendo, como a questão de ambos terem a exploração de dungeons como uma espinha dorsal na estrutura do jogo e a utilização de diversos itens para superá-las. Sob tal ponto de vista, é muito interessante o cruzamento entre ambas as franquias, já que, apesar de contarem com jogabilidades essencialmente diferentes, as duas acabam se cruzando tematicamente com uma surpreendente harmonia.


Trabalhando com a Nintendo

Inicialmente, a ideia original de Cadence of Hyrule era que ele fosse apenas um DLC licenciado do Crypt of the Necrodancer original. Contudo, ao apresentarem a ideia para a Nintendo no intuito de obterem a licença, o projeto foi tão bem-recebido que a sugestão era de que ele se tornasse um jogo completo independente.

Tratando-se de Nintendo, porém, nada é tão simples. É notável como a empresa supervisionou de perto a produção do título, principalmente em relação à construção temática e à história do jogo, visto que a intenção é preservar a mitologia da série em sua uniformidade, principalmente em relação à forma como eles trabalham o conceito místico por trás da própria Triforce.



Também é possível notar o salto visual de Cadence of Hyrule se comparado ao game original que lhe deu origem, visto que o número de artistas gráficos saltou de um para quatro. Por exemplo,  antes o personagem controlado na tela aparecia apenas com um único Sprite olhando para a frente enquanto se locomovia nas dungeons. Agora, como é possível observar já pelos trailers, os personagens se viram para as quatro direções possíveis.

Em relação às músicas, os desenvolvedores já declararam que, apesar de terem implementado uma playlist bastante eclética no game e que passa por diferentes jogos da franquia, eles acabaram dando uma atenção especial para A Link to the Past (SNES), muito provavelmente na tentativa de promover uma unidade temática por conta do visual gráfico muito similar ao game do Super Nintendo. Os arranjos, contudo, foram feitos de forma a unir o melhor das icônicas melodias de Hyrule ao batidão eletrônico dançante orquestrado pelo NecroDancer.

Ressalta-se também que a jogabilidade essencial de Crypt of the Necrodancer permaneceu a mesma, mas foi aprimorada de uma maneira a suportar várias das características que fazem Zelda ser a série que é, como a implementação de puzzles, por exemplo. Além disso, outros detalhes acerca do título ainda são um mistério, como a história que justifique esse encontro entre Cadence e o povo de Hyrule.


Como Ébano e Marfim

A intenção final da Brace Yourself Games é criar um game que consiga agradar tanto aos fãs de longa data de The Legend of Zelda quanto os que já jogaram e se apaixonaram pelo conceito brilhante (e colocado em prática com maestria, ressalta-se) do Crypt of the NecroDancer. Chega a ser interessante como essa nova política menos protecionista da Nintendo em relação às suas IPs acaba se dando na prática.

Até o momento, os resultados foram muito bem-vindos e Cadence of Hyrule (Switch) dificilmente fugirá dessa norma. A união entre Crypt of the NecroDancer e The Legend of Zelda era algo consideravelmente impensável, dada a distância de magnitude entre as duas séries, mas na prática conseguiram se entrosar lado a lado, em perfeita harmonia.
Cadence of Hyrule — Switch
Desenvolvimento: Brace Yourself Games
Gênero: Roguelike
Lançamento: Junho de 2019
Expectativa: 3/5
Revisão: Vinícius Rutes

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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