Quem estudou administração sabe que os livros acadêmicos estão recheados de exemplos de casos de sucesso de empresas de diversos setores da economia, sendo a grande maioria delas norte-americanas. Mas, apesar de ser uma das maiores companhias de entretenimento do mundo, e ser responsável por um dos maiores impactos culturais dos últimos anos, a Nintendo raramente aparecia nos livros de faculdade. Isso mudou em 2006, com o estrondoso sucesso do Nintendo Wii. Em 2018 ela voltou aos holofotes com o Nintendo Switch. Mas por que só agora o mundo empresarial reconhece uma empresa de 130 anos que vem impactando o mercado dos games desde os anos 80?
A inovação do conservadorismo
A Nintendo não é uma empresa comum, pelo menos no conceito norte-americano de negócio. Isso porque, como todos sabem, ela é japonesa. E mais do que isso, ela é uma empresa de Kyoto. Fundada em 23 de setembro de 1889 por Fusajiro Yamauchi, a Nintendo começou fabricando cartas de hanafuda (uma espécie de baralho japonês). De lá pra cá, a empresa investiu em diversos pequenos segmentos de negócios, inclusive — pasmem— motéis! Apenas em 1960 que entrou para o ramo de brinquedos, criando seu primeiro videogame em 1970. Após ingressar no mercado de jogos eletrônicos, a fabricante japonesa passou por altos e baixos e se tornou a empresa de videogames mais influente do mundo, avaliada hoje em 37 bilhões de dólares.A famosa placa da centenária empresa de hanafuda ainda esta lá |
Sede da Nintendo, em Kyoto |
Esses contratos basicamente proibiam as empresas de software de produzir para outras plataformas, além de definir o número de cartuchos que cada uma delas poderia vender. Apesar de ser um modelo muito criticado na época, fazia sentido naquele contexto pós crash dos anos 80. Outro exemplo é sua atitude pouco expansionista. Ao contrário da Microsoft, Sony e outras empresas de tecnologia, a Big N é extremamente cautelosa em investir em novos mercados, até que tenha certeza de sua rentabilidade. É por isso que nós brasileiros sentimos falta de um apoio da gigante nipônica por aqui.
Fazer sempre a mesma coisa, mas de um jeito diferente.
Muitos amantes dos jogos eletrônicos gostam de criticar a suposta repetição da temática de jogos da Nintendo. Segundo eles, franquias como Super Mario, Pokémon e The Legend of Zelda vivem repetindo uma fórmula já estabelecida desde a sua aparição inicial. Isso pode ser verdade, mas apenas em partes. A questão é que a Nintendo se posiciona como uma Lovemark: um conceito administrativo que identifica um produto mais com seu vínculo emocional com o consumidor do que com sua utilidade.Quem não se lembra do famoso NINTENDO SISTY-FOOOOOOOOOUR? |
Assim que criou a inovação dos jogos de plataforma em meados dos anos 80 com Super Mario Bros., do storytelling eletrônico com The Legend of Zelda, e da viciante captura de monstrinhos com Pokémon, a Nintendo procurou se consolidar nos corações de seus fãs. Ao contrário de empresas como a Sega e a Sony, que sempre buscam se adaptar a novas tendências e novos públicos, a Nintendo escolheu acompanhar seus fãs durante todas as fases de sua vida, vinculando seus produtos a um sentimento de nostalgia. Não é a toa que em um mundo tão complexo e violento, o conforto de suas franquias mais famosas, aquele apelo à uma infância inocente e livre de preocupações, se transforme em rentáveis números de vendas.
Uma teimosia sem igual
E isso leva a outra característica marcante de suas franquias e seus personagens: a integridade. Apesar da atitude extremamente protetora em relação a suas propriedades intelectuais (vide o caso do processo contra os sites de emulação, em 2018), a Big N sempre consegue garantir a mesma experiência, não importa em qual geração você entre em contato com seus jogos. Isso é resultado direto desse controle, desse conservadorismo, que a empresa tem sobre suas marcas. Por isso, ela sempre esteve remando contra a maré, mantendo-se fiel ao que ela considera videogames.A Nintendo se mantém fiel ao seu conceito de games |
Eis a dificuldade de entender essa empresa tão peculiar: ao mesmo tempo que ela sempre tenta inovar, mesmo que muitas vezes falhando, ela insiste em manter suas franquias e jogos — seu mais valioso patrimônio — intactos! Você nunca vai encontrar o Mario com ataduras nos braços e nas pernas andando por aí.
New Super Mario Bros. U Deluxe contém tudo o que faz um jogo do Mario divertido |
Durante os tempos sombrios do Wii U, quando a empresa amargava prejuízos a cada ano fiscal, seus acionistas mantinham a confiança nas lideranças da Nintendo, no modo dela fazer negócios. Vários analistas de mercado viviam propondo mudanças, direcionamentos, estratégias, tudo rejeitado veementemente. A Nintendo era o que ela era! Iria fazer negócios do seu jeito, mesmo que o ambiente fosse extremamente desfavorável. E no fim das contas, ela acertou novamente.
Lá e de volta outra vez
A grande verdade é que o jeito Nintendo de ser é uma identidade, que cria vínculos emocionais nas pessoas. Por isso, temos os nintendistas, fãs que não só admiram a empresa e seus jogos, como até — nos casos mais hardcore — só conseguem jogá-los. Apesar do 4k, dos 60 frames por segundo, do fotorrealismo e dos enredos complexos, a Nintendo continua fazendo seus games com praticamente a mesma fórmula dos anos 80 e 90. O Mario continua pulando em tartarugas, o Link continua salvando a princesa! Parece que a empresa, além de manter a mesma visão de negócios há gerações, começa a causar abalos sísmicos no mercado mais uma vez.Jogos AAA e suas temáticas repetitivas vêm criando saturação no mercado |
A Nintendo salva o mercado de consoles
Foi então que a Nintendo criou o conceito de videogame híbrido, que entregaria a mobilidade dos smartphones com um hardware equivalente, que poderia ser também utilizado como console de mesa. Além disso, usou todo o apelo do jeito Nintendo de fazer as coisas para tornar seu gadget um objeto de desejo. Contrariando as previsões que indicavam jogos cada vez mais realistas e complexos, abriu as portas para as produtoras indies e entregou a nostalgia de suas franquias consagradas. Novamente, a Nintendo provou que um jogo não precisava ter gráficos de última geração para ser um ótimo game, pois a maioria deles viviam no topo das avaliações do Metacritic.Nintendo Switch: a casa perfeita para jogos indies |
Em 1985, o Nintendo Entertainment System ressuscitou um mercado praticamente extinto pelo crash de 1983. Remodelou o negócio e o conceito de jogos, que deveriam apelar para a diversão e a criatividade. Em 2017, novamente, a Nintendo chega para salvar o mercado de consoles que estava sendo tragado pelos smartphones e PC Gamers. Mais uma vez ela veio para nos lembrar o que faz um videogame ser divertido de verdade, e, se depender dela, o jeito como jogamos e nos entretemos desde meados dos anos 80 nunca morrerá.
Revisão: André Carvalho