The Legend of Zelda: os elementos que deram origem a uma lenda

Baseada em histórias que atravessam gerações, a franquia criada por Shigeru Miyamoto deu luz à maior mitologia dos videogames.

em 26/05/2019

Para se entender o mundo, a sociedade e até os seres humanos, temos de conhecer os mitos que compuseram a nossa realidade por séculos. A importância da mitologia é tão grande que suas narrativas vivem até hoje, seja em estudos mais formais ou até mesmo para inspirar produtos de entretenimento como The Legend of Zelda.


A franquia faz uso constante das histórias mitológicas, além de contar com a presença de diversas outras culturas para compor o seu universo. Ao observar diferentes momentos presentes nos jogos é possível perceber, além das simples referências, uma adaptação de narrativas que fazem parte da cultura humana.

Mitos que se tornaram lenda

Em The Legend of Zelda o jogador controla Link: um garoto elfo de túnica verde que foi destinado a salvar o mundo da escuridão e somente empunhando a espada que bane o mal esse futuro pode se concretizar. De um jogo para outro a aventura de Link passa por diversas transformações, como ter que desbravar os mistérios dos céus, navegar por mares tempestuosos e correr contra o tempo para evitar a iminente destruição do mundo. Mesmo tendo as mais diferentes aventuras, uma ideia central guia toda a narrativa de The Legend of Zelda: o combate eterno do bem contra o mal.

Logo no primeiro jogo da franquia somos apresentados aos três protagonistas que fazem essa história ser incrível: Link, Zelda e Ganon(dorf). Ao longo dos anos fomos descobrindo cada vez mais sobre os elementos que compõem toda a mitologia de The Legend of Zelda, entre eles, o poder usado para conceber a terra de Hyrule: a Triforce.

Esses três personagens centrais na história foram os escolhidos para carregar essa força representada por três triângulos dourados, sendo que cada um simboliza as virtudes dos seres humanos. O fragmento destinado à princesa Zelda é a Triforce da sabedoria. Isso é compreensível pois em diversos jogos ela é representada como uma monarca perseverante que busca resolver os problemas a partir da diplomacia. O fragmento que está com o temível Ganon é a Triforce do poder, pois entre todos os habitantes de Hyrule ele é o que mais valoriza o poderio bélico para atingir os seus objetivos. Já Link, o herói das aventuras, foi designado ao fragmento que simboliza uma das virtudes mais nobres dos seres humanos, a Triforce da coragem. É possível afirmar que ele recebeu tal fragmento por sempre ser lançado ao desconhecido e enfrentar os seus maiores medos para salvar o mundo das trevas.

Escolhidos pela Triforce, a batalha de Link e Zelda contra Ganon nunca terá fim

O simbolismo em The Legend of Zelda

Os elementos que podem ter inspirado a Triforce na franquia estão presentes em diversas culturas ao redor do mundo, como a celta e nipônica.
Triskele da mitologia celta
Um dos principais símbolos da mitologia celta é o Triskele, que representa as tríades da vida: corpo, mente e espírito; nascimento, vida e morte; céu, mar e terra. Já na cultura nipônica, o regente da família imperial deve manifestar três virtudes para ser considerado digno do trono: sabedoria, poder e benevolência. Apesar dessas possíveis inspirações, a criação da Triforce pode ser relacionada com qualquer tríade das mais diversas culturas.

Nos jogos que simbolizam a essência das aventuras de The Legend of Zelda a teoria da Jornada do Herói, desenvolvida pelo mitólogo Joseph Campbell, está muito presente. O herói, Link, desperta para um mundo desconhecido e após ser auxiliado pela figura de um mentor - caracterizado pelo sábio que oferece a espada no Zelda para o Nintendo Entertainment System (NES), a Árvore Deku (Ocarina of time) e o King of Red Lions (Wind Waker) – ele segue a aventura com o conhecimento necessário para superar os obstáculos da sua jornada. No entanto, diferentemente da teoria de Campbell, em nenhum momento Link recusa o seu destino, o portador da Triforce da coragem enfrenta os seus medos para concretizar a profecia.

Os obstáculos enfrentados por Link em suas aventuras, ao longo dos diversos jogos, se passam em cantos geográficos característicos de uma épica aventura medieval: o inexpugnável vulcão de Death Mountain, o denso pântano de Southern Swamp e a misteriosa floresta de Lost Woods.


Em diversos jogos da franquia a floresta de Lost Woods é o berço da espada que bane o mal: a Master Sword. E por Link ser o herói destinado a acabar com a escuridão deve obtê-la a qualquer custo. No entanto, a jornada do herói é constituída por diversas provações de coragem e sabedoria, uma delas é adentrar a mata que aqueles que não possuem as virtudes necessárias se perderão.
Stalfo em Ocarina of Time
A floresta de Lost Woods tem sua própria mitologia para caracterizar o desafio que ela representa. Caso uma criança se perca lá, seu corpo vai se transformar em um ser brincalhão que percorre a floresta, os Skull Kids. Já um adulto que se perde tem seu corpo transformado em uma figura esquelética que está fadado a proteger as entradas de Lost Woods por toda a eternidade, os Stalfos.

O interessante é que alguns desses elementos geográficos são similares a uma história da mitologia arthuriana sobre um lugar mágico, conhecido como a floresta de Brocéliande. Nesse local sagrado se encontrava o Vale do Não-Retorno, onde a fada feiticeira Morgana aprisionava os cavalheiros infiéis às suas damas e, segundo algumas lendas, eles caminhariam pela floresta por toda a eternidade sem encontrar a saída.
Entre as histórias que compõem a mitologia celta, os meios aquáticos, como lagos e rios são muito cultuados, pois eram as moradias das fadas e seres divinos. Muitos autores acreditam que a floresta de Brocéliande é a localização de outro importante mito arthuriano, o da fada Viviane, a dama do lago. Segundo a lenda, foi Viviane quem entregou a espada Excalibur a Arthur.
A dama do lago entrega a espada Excalibur ao rei Arthur

Uma das histórias mais conhecidas do rei Arthur é a da espada na pedra (inspiração direta da franquia Zelda) em que somente o legítimo rei da Inglaterra poderia retirá-la. No entanto, essa lâmina ainda não era a verdadeira Excalibur. Anos depois de começar o seu reinado a voz da dama do lago pede para que a espada seja jogada em seu domínio, para assim elevá-la ao seu poder máximo. A partir dessa história é possível notar outra inspiração para a franquia The Legend of Zelda, em que desde os primeiros jogos como, por exemplo, A Link To The Past, há a possibilidade de lançar itens como escudos, túnicas e até mesmo a Master Sword na Fairy’s Fountain, para aumentar o seu poder.

No princípio era o Caos

A origem do universo de The Legend of Zelda apresenta uma similaridade com religiões que buscavam entender a realidade que os envolviam. Ao longo dos jogos, mais especificamente em Ocarina of Time, foi dito que em um passado muito distante haviam três grandes deusas douradas que criaram o mundo a partir do caos: Din, a deusa do poder, aquela que cultivou a terra; Nayru, a deusa da sabedoria, aquela que criou as leis do universo para o manter em ordem; e Farore, a deusa da coragem, aquela que deu vida ao mundo ao conceber os habitantes. Quando o trabalho estava feito, as três deusas partiram para os céus, deixando para trás um fragmento do poder usado para criar o mundo, conhecido como Triforce, que ficou sob a guarda de Hylia, uma divindade criada pela tríade criadora. A partir disso, foi construído a narrativa que deu origem à terra de Hyrule e aos seus habitantes.


Nas mais diversas culturas as histórias que compõem a origem do universo (cosmogonia) narram que no começo havia apenas o caos. Entre as mitologias que nós, do mundo ocidental, temos mais contato são a grega e a cristã. Em The Legend of Zelda, é compreensível notar as similaridades com ambas as crenças, em que a partir de um intermédio divino o caos deu lugar à ordem.

De acordo com a mitologia grega, no começo havia apenas um ser supremo conhecido como Caos, mas sem qualquer explicação dele surgiu uma deusa que simbolizaria a vida, Gaia. Muitas vezes confundida com o próprio planeta Terra, seu corpo seria a origem da natureza que conhecemos, ao formar a fertilidade do solo, por onde surge toda a existência. Além de Gaia, do Caos também nascem: o princípio mais primitivo da atração, conhecido como Eros e a personificação das trevas, conhecido como Tártaro. Sob a influência de Eros, Gaia passou a desejar um companheiro e para isso gerou – sozinha – Urano, o Céu Estrelado. Assim, o universo caminhava para a ordem com a organização do Tártaro nas profundezas, Gaia nas terras férteis e Urano no céu.

Já na mitologia cristã, que acredito ser mais conhecida pela maioria das pessoas, o mundo foi criado por um único Deus, que durante sete dias concebeu a luz, a terra, os mares e os seres humanos. É interessante e divertido pensar que em todas essas mitologias, seja a grega, cristã ou até mesmo a de Zelda, apesar de seguirem caminhos muito diferentes entre si, apresentam um início e fim parecidos, com o caos dando lugar para a ordem.


Com uma narrativa advinda de histórias da cultura mundial, a franquia criada por Shigeru Miyamoto faz uma combinação dos elementos que fizeram os mitos serem contados ao longo das gerações. Com isso, a eterna batalha de Link e Zelda contra Ganon transformam as alegorias do nosso mundo em uma história completamente nova, concebendo assim a maior lenda dos videogames.

Revisão: André Carvalho

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