Astral Chain (Switch) e Nintendo: entrevista com Atsushi Inaba, produtor da PlatinumGames

Em entrevista, Atsushi Inaba fala sobre a constante busca pela renovação e o processo de produção da desenvolvedora.

em 10/05/2019
O relacionamento entre a desenvolvedora PlatinumGames e a Nintendo certamente tem sido muito frutífero para ambas as empresas. Desde 2014 a Nintendo publica alguns dos jogos desenvolvidos pela Platinum, como Bayonetta 2 (Wii U). Em uma recente entrevista para o Video Games Chronicle, Atsushi Inaba, um dos principais produtores da desenvolvedora, falou um pouco sobre Astral Chain (Switch), o próximo jogo a ser desenvolvido por eles e publicado pela Nintendo, além de falar um pouco sobre a relação entre as duas empresas. A tradução da entrevista está a seguir:


Atsushi Inaba
VGC: A equipe da PlatinumGames é excelente em criar novas franquias e IPs (Propriedades Intelectuais). Quais conselhos vocês podem nos dar para a nossa nova marca?


Não existe metodologia específica para a criação de uma nova IP. Se você for prestar atenção, você vai perceber que as principais diferenças são as pessoas que procuram construir uma nova IP apenas porque querem e outras porque amam fazer isso. É o segundo tipo de pessoa que tem maiores chances de sucesso, uma vez que é a paixão que  faz com que você organicamente queira trabalhar mais. É esse impulso que geralmente é o responsável por criar as melhores e mais interessantes ideias.

Então, se você pretende construir uma nova IP, você precisa focar em algo no qual você seja realmente apaixonado. Isso pode soar clichê, mas é o mantra do nosso estúdio. Se nós amamos e estamos apaixonados pelo que fazemos, então que se danem as consequências! Nós vamos com tudo.

VGC:  No Oeste, parece que as desenvolvedoras independentes estão sempre no limite, sempre flertando com a falência. Entretanto, na última década a Platinum parecer ter ido de sucesso para sucesso ao mesmo tempo em que se arrisca com jogos novos e cheios de originalidade. Qual é o segredo de vocês?

Uma coisa que é possível perceber nas empresas ocidentais com o mesmo tamanho que o nosso (200-300 pessoas)  é que todo o estúdio é alocado em apenas um projeto. Ou talvez existam múltiplos projetos, mas um projeto chave acaba sendo responsável por financiar a maior parte do estúdio. E no segundo que ele se vai, então os dominós começam a cair.

Para nós, alguém pode achar que não é uma boa ideia, mas nós temos vários criadores que desejam criar muitos jogos diferentes. Então o que aconteceu de forma natural conosco é que não focamos só em um ou dois jogos: nós produzimos vários jogos ao mesmo tempo. O resultado disso é que um dos jogos pode acabar sendo um sucesso de críticas, mas não funcionou de uma perspectiva financeira. Enquanto isso, outro jogo nosso pode ter sido melhor do ponto de vista dos negócios, ainda que tenha feito menos sucesso no mercado.

Como um estúdio, nós temos muitas variações no nosso portfólio mas o que costuma acontecer conosco é que um ou dois bons jogos foram capazes de absorver financeiramente o prejuízo de jogos que não foram tão bem assim. É claro, pensar no que seríamos capazes de fazer se toda a equipe se reunisse para fazer um só jogo seria algo incrível e eu não sou 100% contra isso, mas a maneira que nós crescemos como estúdio foi tendo bons criadores trabalhando em uma variedade de jogos.

Além disso, Eu estou sempre com meus nervos à flor da pele porque não estou fazendo malabarismo só com duas bolas, mas com oito! Se uma dessas bolas caírem, então a tendência é que as outras caiam também. Então todas as equipes precisam ir com tudo e isso por si só é um desafio. É um tipo diferente de energia que você consegue ao adquirir um portfólio tão variado do que quando você é capaz de trabalhar apenas em um grande jogo.

VGC: Ainda é abril e vocês já fizeram um anúncio significativo com ASTRAL CHAIN. O quão excitante será 2019 para a Platinum?

2019 será um ano incrivelmente importante para nós. Sem falar diretamente sobre a quantidade de jogos que podemos, ou não, anunciar, eu posso dizer que vai ser um ano de grandes e novas abordagens, novos desafios e novos métodos para nós. Basicamente, nós estamos criando uma nova fundação que nos anos seguintes irá render bons frutos. Para nós, novos desafios serão muito importantes.

VGC: Essas novas abordagens foram criadas pensando em algum desafio específico que a companhia enfrentou no passado?

Não se trata de nenhum problema ocorrido anteriormente. Para ser mais específico sobre o que esses novos desafios são para nós, você pode dividí-los em duas categorias. Uma delas é da perspectiva do game design: nesse exato momento nós estamos no processo de criar algo que nunca fora criado anteriormente. Eu sei que muitas pessoas dizem isso, mas o jogo no qual estamos trabalhando é diferente de tudo. Até para o nosso variado histórico como desenvolvedores de jogos é algo que nunca foi feito antes. Então de uma perspectiva de game design, nós estamos bem animados.

O outro desafio para nós é um desafio de modelo de negócios: até agora nós temos dependido do financiamento das publicadoras para criar novos jogos. Obviamente nós falando há pouco tempo sobre a autopublicação e tudo o mais e isso vai ser um novo desafio para nós como uma companhia.

VGC: Enquanto isso, ASTRAL CHAIN é mais do que a gente espera da Platinum: um jogo de ação. Quais ambições vocês têm para esse jogo?

Para ASTRAL CHAIN existiam duas coisas na qual nós realmente queríamos focar. Nós estamos acostumados a fazer jogos de ação single-player, mas nesse jogo em particular você, como o jogador, também controla um monstro ao mesmo tempo, então você precisa dividir sua atenção entre o controle dos dois personagens. Isso é realmente uma evolução de alguns dos jogos de ações que nós desenvolvemos no passado.

Para ir de onde esse projeto começou  vários anos atrás  até agora, nós enfrentamos muitas armadilhas e desafios ao longo do caminho. Agora, entretanto, finalmente ele chegou no ponto em que se tornou uma experiência bem única e original e exatamente onde queríamos estar com a ideia central de "Ação Sinérgica". Além disso, nós realmente queríamos que esse projeto tornasse Taura-san reconhecido, porque a Platinum não é só um estúdio com um ou dois diretores. Ele precisa ser um estúdio de vários diretores, cada um com suas peculiaridades.
Astral Chain (Switch)


VGC: Essa jogabilidade com dois personagens nos recorda o cancelado Scalebound. Houve alguma influência desse projeto?

Não posso entrar em detalhes sobre como os diferentes sistemas de ASTRAL CHAIN e Scalebound funcionam, mas eles são bem diferentes. Qualquer sentimento de semelhança entre os dois projetos não é verdade. Está tudo na sua cabeça! (risos)

VGC: A Platinum tem agora uma década de vida e muitas franquias queridas. É difícil gerenciar as expectativas dos fãs nesse sentido e satisfazer tanto a demanda por sequências quanto o seu desejo de criar algo novo?

Não é como se fôssemos contra a criação de sequência, aquestão é que é preciso que exista um mercado que as favoreça. Obviamente nós já anunciamos Bayonetta 3, então nós estamos dispostos a navegar na terra das sequências caso seja necessário! Só que, novamente, na indústria dos jogos e com a venda dos jogos de uma maneira geral você precisa de muita sorte e um momento favorável. Você precisa ter a parte financeira do seu lado para ser capaz de justificar as sequências, então é um equilíbrio. Dito isso, havendo jogos que preencham todos esses fatores da maneira certa, então nós não diremos não a uma sequência.

VGC: Os direitos de IP devem tornar a situação ainda mais complicada, com a Sega tendo os direitos de algumas das suas franquias mais antigas, não é?

Sim, é absolutamente verdade que existem casos em que você quer fazer uma sequência mas você não tem os direitos da IP, então você não pode. É simples assim e, francamente, no caso de Bayonetta foi preciso muito tempo e energia até chegar no ponto em que as sequências podiam ser feitas. Não foi tão simples quanto pegar o telefone e perguntar: "Ei, podemos fazer isso?". Haviam muitas peças que precisavam se encaixar e muitas negociações que precisavam ocorrer.

Isso é complicado e dá muito trabalho. Para nós, como criadores, nós queremos chegar ao ponto onde a autopublicação nos permite ter os direitos das nossas IPs e fazer o que quisermos com elas, incluindo sequências. Então quanto mas rápido tivermos essa liberdade, melhor será para todos os criadores aqui.

VGC: Nós não podemos deixar de nos questionar se a sua experiência com Scalebound, trabalhar por anos em um projeto e ver ele ser cancelado pela publicadora, tem uma forte influência na sua filosofia atual?

Não, eu não diria que nossa experiência com Scalebound nos influenciou a pensar em autopublicação. Sendo sincero, a verdade é que tivemos vários títulos cancelados no passado: isso é comum quando se trabalha com o desenvolvimento de jogos.

Assistir os fãs ficarem irritados com a Microsoft por conta do cancelamento não foi fácil para nós, porque a verdade é que se qualquer jogo em desenvolvimento não é lançado, é porque os dois lados falharam. Eu acho que existem áreas onde poderíamos ter melhorado e também estou certo que existem áreas em que a Microsoft, como publicadora, desejava ter feito melhor. Ninguém quer que um jogo seja cancelado.

No minimo, é único para nós como título, na medida em que sentimos que não fizemos todas as coisas que precisávamos fazer como uma desevolvedora. Houve muitas lições dolorosas, mas que nos ajudaram a crescer como estúdio. Nós obviamente não podemos entrar em detalhes sobre isso porque existem algumas regras que devemos cumprir como desenvolvedores. Nós queremos ter a certeza de que a publicadora, que nos deu uma chance de fazer um jogo em primeiro lugar, não sinta que foi mal tratada. É claro que existem coisas chamadas de 'NDAs' (Nota do tradutor: Non-Disclosure Agreement, acoro de não divulgação) que ajudam! (risos)

A verdade é que não gostamos de ver Microsoft receber toda a ira dos fãs poque o desenvolvimento de jogos é difícil e ambos os lados aprenderam suas lições, com toda a certeza.

VGC: Uma das lições seria o fato do jogo ter sido anunciado cedo demais? O recém anunciado ASTRAL CHAIN será lançado nesse mesmo ano.

Talvez isso seja certo em alguns casos. Eu não sei qual é a janela de anúncio perfeita, eu só sei que todos os jogos são diferentes e nós temos que tentar adivinhar qual é o melhor período para anunciarmos.
Astral Chain (Switch)


VGC: Você parece ter um relacionamento fantástico com a Nintendo nesse momento. O que tornam as duas companhias tão compatíveis?

Nintendo é uma companhia que respeita os criadores. A partir dessa perspectiva, ela foi uma escolha natural para nós. Entretanto, compreenda que eu a conheço pessoalmente por cerca de 20 anos e a Platinum tem conversado com eles durante muito tempo, então esse foi um relacionamento forjado ao longo dos últimos 20 anos.

Não é como se nos últimos dois anos eles batessem na nossa porta dizendo: "vamos fazer todos esses jogos!". Nós tínhamos um bom relacionamento durante um longo tempo a durante esse período criamos uma confiança entre as companhias, compreendemos melhor como ela funciona e isso abre a porta para muitas novas oportunidades com o passar do tempo. Então, as duas companhias simplesmente têm bastante confiança uma na outra.

VGC: Com certeza não deve doer o fato de que o Nintendo Switch está indo tão bem no mercado, especialmente no Japão, não é?

Absolutamente, isso deixa os dois lados felizes porque se você faz um jogo e é para uma plataforma que não vai muito bem, então nenhum lado fica feliz. Ser capaz de criar jogos para um hardware que vai bem deixam os dois lados satisfeitos.

Sem dúvida o Switch tem uma grande importância no crescimento do mercado japonês no momento. Mas além disso, existem mais jogos de computador no Japão do que antes e a audiência está começando a jogar jogos com temáticas mais ocidentais do que antes: coisas como FPS e Battle Royale. Os jovens jogadores do Japão não são tão resistentes à novidades.

VGC: Battle Royale... Isso parece combinar com vocês.

Sim, é um gênero bem interessante. Sendo sincero, eu acho que seria interessante ver qual tipo de abordagem nós poderíamos ter nesse tipo de jogo. Nós não faríamos algo que seria só atirar. Com Apex Legends a concorrência está tão alta que nós não gostaríamos de ir nessa direção. Tentar encontrar algo que fosse do nosso gosto dentro desse gênero seria bem interessante.

VGC: Você disse recentemente que a companhia está mudando sua abordagem para desenvolvimento com Bayonetta 3. Poderia elaborar?

Com Bayonetta 1 e 2 nós tívemos processos de desenvolvimentos bem ortodoxos, pelo menos para nós. Nós fizemos o estágio um, então o estágio dois e três e então criamos todo o drama e ritmo cronologicamente. Com Bayonetta 3, nós podemos dizer que aprendemos o suficiente com os últimos dois jogos para mudar o nosso processo de forma que seja diferente do que acabei de descrever.

VGC: Se trata de uma mudança que será percebida pelo jogador ou é mais um caso de eficiência de produção?

Talvez os jogadores também percebam isso também. Essa é a única dica que você vai receber!

VGC: O diretor de Bayonetta 2, Hashimoto-san, saiu da companhia recentemente. O que isso significa para o terceiro jogo?

Platinum possui muitos diretores talentosos e que estão sempre procurando pro projetos diferentes. Como mencionei anteriormente, nós fazemos muitos jogos diferentes ao mesmo tempo. Portanto, sem dúvida existem talentos o suficiente aqui para preencher o cargo que Hashimoto-san representou.
Bayonetta 2 (Wii U, Switch)


VGC: O que o seu desejo de retormar o controle de sua IP significa para o seu histórico de trabalhar com IPs de outras companhias, como Metal Gear, Star Fox, etc? Essa estratégia acabou?

Sinceramente, o que isso significa é que nós temos muitas escolhas sobre como queremos fazer jogos. Ainda vão haver jogos onde teremos uma parceria com publicadoras para fazer coisas grandes com grandes IPs. Pode haver algumas opções de co-publicação onde vamos fazer a nossa parte e eles vão fazer a parte deles para criar um jogo ainda maior e vão haver situações onde autopublicaremos jogos grandes, também.

VGC: Uma parceria recente de vocês foi Square Enix com NieR: Automata, que foi um grande sucesso comercial. Como esse jogo mudou a companhia, caso tenha mudado?

Essa série é, com certeza, ideia de Yoko Taro. Quando começamos a conversar sobre fazer esse projeto juntos houve muita ansiedade, porque criadores com desesjos intensos geralmente não se misturam bem. Então inicialmente houve alguns temores na equipe, mas tivemos muita sorte que os dois lados foram capazes de colaborar.

Francamente, nós aprendemos muito com a experiência de trabalhar com a Square Enix. Nós basicamente conseguimos um giz de cera de cor diferente na nossa caixa e fomos capazes de atrair um estilo diferente de demográfico que tradicionalmente não seriam fãs da PlatinumGames. Nós somos muito, muito gratos por termos colaborados nesse jogo.
NieR: Automata (PS4, Xbox One, Windows)

VGC: Como você mencionou aqui, NieR teve muitos elementos diferentes que não eram típicas de um jogo da PlatinumGames, como características de RPG e mundo aberto. Esse sucesso encorajou vocês a explorar mais gêneros?

Nós podemos ser conhecidos por jogos de ação mas não desejamos fazer só esse tipo de jogo. A realidade é que quando você tem um sucesso, as publicadores vêm até você e dizem: "vocês podem fazer um jogo como Bayonetta e com um estilo visual diferente?". Agora que NieR: Automata é um sucesso, muitas publicadores estão vindo até nós e perguntando: "você pode fazer um jogo como NieR: Automata?"

As pessoas buscam aquilo que elas acreditam estar mais livre de riscos, mas nós não queremos ser uma desenvolvedora de um estlo só ou estar em uma posição onde teremos que copiar outro jogo, ainda que seja o nosso jogo. Nós sempre gostamos de manter nossas opções abertas no que se trata de explorar gêneros diferentes e nunca nos limitamos a um só.

VGC: Platinum está na ativa há uns 12 anos. A recepção do escritório de vocês contém uma bela exibição de todos os jogos em que vocês trabalharam. Como vocês querem que essa recepção esteja daqui a 10 anos?

A realidade é que não tem mais espaço naquela recepção! (risos)

Felizmente, daqui a 10 anos seremos bem sucedidos o suficiente para estar em outro lugar com uma recepção maior e capaz de prestar homenagem a todo o trabalho duro que dedicamos aos diferentes jogos.

VGC: E talvez um corredor inteiro para o Battle Royale de vocês?

(risos) Parece bom! 



Astral Chain é o novo jogo da PlatinumGames com lançamento agendado para 30 de agosto desse ano, exclusivamente para o Nintendo Switch.



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Apaixonado por JRPGs e pela arte de traduzir. SMT e Disgaea são algumas das suas franquias favoritas.