Criado pelos irmãos Chad e Jared Moldenhauer, Cuphead chegou em setembro de 2017 como um game exclusivo para as plataformas Xbox One e Windows. O jogo possui uma belíssima história de desenvolvimento: começou como um projeto de coração, construído lentamente com carinho, sacrifícios e bastante ambição. A ideia era realizar um boss rush — gênero focado em batalhas sequenciais contra chefes — totalmente desenhado e pintado à mão, quadro a quadro, utilizando uma técnica semelhante à encontrada nas animações da década de 1930, como Mickey Mouse (Walt Disney), Betty Boop e Popeye (Fleischer Studios). Foram muitos anos de caminhada, acompanhados de algumas mudanças, mas também foco para manterem-se firmes à proposta original.
A partir de um teaser trailer lançado em 2013, o projeto chamou atenção da mídia, jogadores e, pelo visto, do “lado verde da força”. O apoio dado pela gigante de tecnologia americana permitiu aos criadores aumentarem a equipe de desenvolvimento, projetar fases extras inteiras estilo run and gun e polir cada detalhe até o limite — vale lembrar que o game também possui boss battles estilo shoot' em up. Após o lançamento, o reconhecimento chegou como um número expressivo de vendas, bastante exposição em diversos lugares e também recebendo o merecido prêmio de melhor indie no TGA 2017. Felizmente, a recente boa relação entre Nintendo e Microsoft incentivou o Studio MDHR a trazer uma versão da aventura para o Switch, nos permitindo curtir essa obra de arte em qualquer lugar.
Nunca aposte com o diabo
A história de Cuphead e Mugman — localizados para português como Xicrinho e Caneco — segue a linha simples e objetiva, mas trazendo um tema adulto que remete às suas principais inspirações, lotadas de histórias tragicômicas onde o humor, o bizarro, a fantasia e o macabro se entrelaçam embalados pelo ritmo de belas canções, geralmente de jazz ou blues. Eles viviam em paz, em um mundo mágico chamado Ilha Tinteiro, sob a supervisão da sábia Velha Chaleira. Até que, um dia, foram parar do outro lado da ilha e entraram no Cassino do Diabo. Lá dentro, ludibriados pelo Rei Dado, o gerente, conseguiram uma ótima sequência de vitórias na mesa de dados. Eis que apareceu o demônio em pessoa, sugerindo aumentar as apostas:“Ganhem mais uma, e toda a riqueza do meu cassino é de vocês. Mas se perderem, eu fico com suas almas! Trato feito?”
Seduzido pela oferta de riqueza fácil, Cuphead rolou os dados e perdeu. Quando o maligno se preparava para cobrar a dívida, os irmãos se ajoelharam e imploraram pela vida, pedindo por uma forma alternativa de pagamento. O tinhoso aceitou e deu a eles uma lista de devedores fujões. Assim, receberam a tarefa de coletar as almas desses seres e trazê-las de volta ao Diabo, para então receber o perdão da dívida de suas próprias almas. Com essa oportunidade em mente, eles correram de volta para a Velha Chaleira, que forneceu uma poção mágica capaz de dar uma chance aos rapazes de derrotar os poderosos adversários da lista — assim eles recebem suas habilidades básicas de luta.
Prepare-se para encrenca
O surrealismo dos cartoons da era de ouro está presente em tudo. Você enfrenta uma gangue de hortaliças, um gênio da lâmpada, um dragão, uma sereia e até um robô, para citar alguns exemplos. Todos os personagens possuem membros sem articulações, movendo-se sem parar, como se estivessem dançando. Os chefes atacam em diversas formas, que se modificam a partir do momento em que você causa dano o suficiente neles. Por padrão, nossos heróis possuem apenas três vidas, e este é um dos fatores que torna o jogo super desafiador. Como fãs de games run and gun, onde podemos citar as séries Contra, Metal Slug e o ótimo jogo Gun Star Heroes (Mega Drive), com algumas referências também a Mega Man, os desenvolvedores não deram vida fácil aos jogadores.A segunda questão é que o jogo é extremamente justo. A resposta rápida e precisa dos controles beira à perfeição, e o jogador tem acesso a recursos de sobra para lidar com qualquer situação — na verdade, há tantas maneiras de fazer a mesma coisa que, às vezes, o tempo de tomada de decisões é muito curto —, como o dash, o parry, os tiros especiais e uma mira precisa em qualquer uma das oito direções cardinais. Coletando moedas, é possível adquirir melhorias no “Empório do Toucinho”, uma loja de itens que disponibiliza novas armas e habilidades especiais que ajudarão o jogador a lidar com os diversos desafios que encontrará. Alguns dos projéteis são mais lentos ou alcançam uma área menor, e por isso, o dano é mais alto. Outro, por exemplo, segue o inimigo automaticamente, mas é mais fraco. Diferentes perfis de jogadores podem se beneficiar disso, ou o mesmo pode criar estratégias diversas para chefes distintos.
Quebrando a banca
Vamos rever a proposta de Cuphead: desenvolver um run and gun focado em batalhas contra chefes e inspirado nas saudosas e surreais animações dos anos 20 e 30, povoadas por personagens de “corpo de borracha”, fantasmas e criaturas bizarras. Tudo isso utilizando as técnicas de desenho quadro a quadro tradicionais da época. Uma ideia ambiciosa, fruto do sonho de dois irmãos que cresceram como fãs de cartoons e videogames. O que Studio MDHR acabou entregando foi tudo isso e muito mais, tornando seu produto um dos melhores jogos dessa geração. Sobre a versão mencionada: os gráficos leves permitem que o port rode suave no Switch, nas resoluções máximas suportadas em cada modo (1080p docked e 720p portátil), em 60 quadros por segundo. Ainda assim, o nível de detalhes em cada um dos cenários é impressionante. Não há diferenças nítidas para a versão original.Todos os personagens do game são super carismáticos, sejam eles heróis, vilões ou NPC’s. As batalhas são envolventes e desafiadoras, e tudo fica melhor ainda com os embalos de uma trilha sonora que é indescritivelmente boa. A história não é muito profunda, mas foge dos padrões encontrados na prateleira da maioria das pessoas. E algo não previsto, e que impressiona bastante, é o quanto as mecânicas de gameplay foram bem trabalhadas. Controlar os personagens é tão satisfatório quanto admirar a parte artística do game. Derrotar aquele chefe difícil vira “questão de honra”. É simplesmente impressionante como uma sucessão de tentativas e erros, por mais que possa se tornar frustrante em algum momento, acaba naquele “só mais uma vez” que pode durar horas. Cuphead é viciante e obrigatório!
Prós:
- Os gráficos e a animação são tão exuberantes que parece que realmente estamos jogando um cartoon antigo;
- Trilha sonora espetacular;
- Incríveis referências e personagens super carismáticos;
- Controlar os heróis é extremamente satisfatório;
- Ótima variação de inimigos, sistemas de batalha, mecânicas e habilidades;
- Boa quantidade de conteúdo, extras e segredos.
Contras:
- Dificuldade elevada pode afastar jogadores casuais.
Cuphead — PC/XBO/Switch — Nota: 10
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: André Carvalho
Análise produzida com cópia digital cedida pelo Studio MDHR